13.6.06

Conto sobre um lugar chamado Felicidade

Escutei um dia destes a seguinte estória, que lhes conto agora. Quem me contou foi Ruah (meu musaranho de estimação, se assim posso o chamar). Como sempre era de costume de Ruah ao contar uma estória, sentou-se comigo na área de casa, era uma noite escura, dava para enxergar bem as estrelas, elas cintilavam, Ruah com seu cachimbo e eu só escutando.
A estória é mais ou menos assim, é claro que contem alguns acréscimos meus, pois não me lembro dela perfeitamente, mas ai vai:
“Havia em um certo tempo, esquecido no passado, um reinado. Este reinado era distante de muitos outros, para se chegar nele era preciso viajar sete dias e sete noite. Neste reino havia muitas cortes e palácios. Neles moravam muitas famílias reais. Reis, Rainhas, Duques, Duquesas, autoridades das mais diversas possíveis. Muita gente da classe dominante. Essa gente toda era animada por um bobo-curinga. Ele se chamava Bobotopia-curingotopia. Era convocado para todas as festas do reinado, entrava em todos os palácios e casas reais para animar as cortes e convivas. Mas o Bobotopia-curingotopia não era uma pessoa muito alegre, pois quando convidavam ele para animar alguma festividade nunca era do jeito que ele queria. Nunca podia fazer o que pensava. Quando chamavam-o já diziam o que queriam dele, quais eram as piadas, as piruetas, as danças, dava uma pauta a ele, um currículo cheio de conteúdos e atividades que deveria desenvolver nas festas e atividades para as autoridades. Com o tempo Bobotopia-curingotopia começou a se deprimir pois nunca conseguia transmitir o que sentia, o que queria, o que sua alma pedia, não conseguia falar o que o seu Ser dizia, acreditava, pensava e sonhava. Um certo dia, cansado de se subordinar e obedecer as autoridades do reinado (e eram muitas) saio vagando sozinho pelo reinado.
Solitário começou a caminhar pelo reinado em busca de quem o entendesse. Saio em busca de alguém para fazer feliz de verdade, com o que sonhava e acreditava. Queria entreter, mostrar SUAS técnicas, habilidades, sei jeito palhaço de ver a vida, de ensinar a vida.
Naquele tempo, havia também crianças e meninos, pois elas em todos os tempos existiram. E como é da natureza delas, eram muito curiosas, muito desobedientes. Elas gostavam de sonhar e brincar, de criar a partir do nada. Mas como hoje, naquele tempo os governantes e as autoridades, Reis, Rainhas, Duques, Duquesas, não deixavam eles fazerem nada. Ficavam trancafiados em casa, só recebendo o que esta “casta superior” achava importante. Só tinham algumas horas do dia para brincar, era entre o cair do sol e nascer da lua.
Era nesta período curto de tempo que todos os meninos e meninas se encontravam e iam para o esconderijo secreto deles crianças. O nome do lugar que inventaram para eles era chamado de Escola dos meninos felizes, ou simplesmente felicidade. Se encontravam todo dia para brincar e se divertir, tinham pouco tempo, mas aproveitavam bem. O lugar era distante, mas os caminhos eram os mesmo de qualquer parte do reinado, meio fora do reinado, meio dentro, meio na escuridão da floresta, meio na luz delas. Mas uma coisa era certa, era longe de todas as casas e palácios onde ficavam o dia todo.
Mas as crianças não estavam muito felizes também, faltava algo para elas. Faltava alguém. Certo dia Bobotopia-curingotopia sem querer querendo achou o lugar. Encontrou o mundo que os meninos e as meninas haviam construído. Ficou maravilhado. Descobriu que havia achado a razão para a vida dele, achou pessoas que o entendesse. E lá no meio da floresta, em lugar nenhum mas em todo lugar se escondeu, pois neste tempo as autoridades e etctera e tal estavam a procura do Bobotopia-curingotopia para animar as festas. Lá no meio das crianças pode fazer o que sempre sonhava, as crianças adoraram ele. Sonharam com ele, sabiam que haviam encontrado um adulto que os entediam, um adulto que podia conduzir melhor eles por mundos de fantasia e sonhos, por reinos imagináveis.
E assim eles ficaram por um bom tempo, felizes. Bobotopia-curingotopia ensinando e aprendendo, as crianças brincando e sonhando. Mas a vida nem sempre é felicidade. E aconteceu o contrario do que os contos de fada, eles não viveram felizes para sempre. Os da autoridade, que mantinham as leis e saberes-fazeres-sonhos-e-tudo-o-mais descobriram o lugarzinho onde as crianças e o Bobotopia-curingotopia se escondiam para poder romper com todas as normas. Acabaram com o sonho deles. Ficaram mais uma vez sem serem entendidos. As autoridades cada vez começaram a ficar mais rígidos e prendiam as crianças com mais trancas e mais coisas para “aprender” em casa.
Bobotopia-curingotopia por sua vez, foi forçado a voltar para sua antiga “profissão”. Foram acusados de subversivos a autoridade dos mais poderosos e sábios. Fazer o que né. A estória acaba por ai. Mas como a vida é uma roda viva e sempre esta em movimento, as crianças, meninos e meninas felizes e o Bobotopia-curingotopia deram um jeito de se encontrar, se encontravam na imaginação e nos sonhos, ai eles eram felizes. E a roda viva ainda está a girar.”
Ruah terminou a estória. Ficou quieto por um instante. Se levantou e foi dormir. Eu fiquei pensando, pensando, pensando...
Pensando no que aquela estória queria dizer.
Não achei resposta e fui dormir também. Dormindo sonhei com o reinado distante onde as crianças e o Bobotopia-curingotopia viviam. No bosque da felicidade, na escola dos meninos e meninas felizes.


P.S: No sonho uma criança me conduziu pelo reinado e no final, antes de eu despetar com o ronco de Ruah, ele me disse o seguinte: O Bobotopia-curingotopia vê a realidade, e optou por ela, e tenta transforma-la como pode, através da brincadeira, do sonho, da felicidade. Mas antes disso ele teve que descobrir se queria ou não conhecer a realidade. Se quer, basta adentrar-se nela e começar a sonhar um sonho possível.

Elisandro Rodrigues
Outubro. Mês de Dia Nacional da Juventude. Dê Criança. Dê professor/a. Mês de
pesquisa. Mês de sonhos...2005

Um comentário:

Anônimo disse...

Seria legal se todos tivessem uma concepção libertadora de educação.
Abraços

Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento