28.8.08

Um conto escrito por outro conto


Colocou seu melhor terno, olhou-se no espelho achando que estava bonito, elegante. Para aquela noite deveria estar assim mesmo. Seria uma noite importante para ele. Tirou algumas bolinhas brancas que estavam na calça, colocou sua meia nova, havia comprado naquela tarde num 1,99. Calçou os sapatos pretos e surrados, já havia usado muito ele, em varias ocasiões especiais, mas nenhuma era como aquela que iria vivenciar naquela noite. O sapato destoava e muito do resto de sua roupa. Na verdade o terno não era seu, pediu-o emprestado para um amigo. Não tinha nenhum terno. Não tinha dinheiro para comprar um, o que usava até um ano atrás havia ganhado de presente de formatura, durou 5 anos, mas depois teve se desfazer dele, estava muito velho e cheio de buracos de traça. O que restava do presente de formatura era o sapato que estava usando, estava com a sola gasta nos calcanhares, o que o deixava meio estranho, como se estivesse de pés no chão. Mas para aquela noite precisava estar bonito e elegante, por isso havia feito tanto esforço para conseguir o terno que estava usando, gostaria de ter alugado um, mas não tinha dinheiro, e para coprar um muito menos conseguiria, a alernativa foi pedir emprestado.
Pela primeira vez iria ir em uma sessão de autografos. Gostaria que fosse de seus livros, de seus contos e textos, mas não era. Mesmo assim aquela noite era importante seu amigo lancará um livro e tinha que prestigiar aquele momento. Seu amigo tinha começado a escrever por causa dele. Ia caminhando para o local do evento, radiante. Seu amigo era importante, havia conseguido publicar um livro, ele desde que se formou vinha tentando publicar alguma coisa, o máximo que havia conseguido tinha sido em um jornal do bairro que morava. Ficava feliz em saber que seu amigo tinha conseguido algo que ele ainda não havia.
Chegando ao local do evento se viu no meio de vários escritores importantes e renomados no cenário nacional e regional. Procurou seu amigo com os olhos e não o encontrou, pensou em aguardar um pouco. Sentou-se em um canto e ficou olhando as pessoas importantes que circulavam e conversavam animadamente. Não tinha como não perceber que era escritores, alguns pelo jeito rebuscado e solitário de se encontrar, outros festivos, com roupas coloridas, diferentes do restante, daqueles que nunca pensaram em escrever ou publicar algo. Eram diferentes. Se percebeu no meio daquele público todo e não se reconheceu, não sabia se estava no grupo dos escritores ou dos não escritores.
Pegou um exemplar do livro, passou a mão pela capa por alguns instantes sentindo-a, abriu o exemplar folheou ao acaso e leu algumas passagens. Às conhecia muito bem, havia lido e lerido muito, mexido e remexido as palavras de lugar. Se aquelas pessoas ali dentro soubessem, pensou ele.
Continuou ali sentado por mais alguns minutos, pegou uma taça de vinho e bebericou devagarinho. No final da taça seu amigo ainda não tinha chegado. Aquilo ali tudo daria um conto, se tivesse uma caneta e um papel iria registrar aquele momento, mas não havia trazido nada. Levantou-se e caminhou em direção a um grupo de escritores. Chegou perto deles, mas parecia que não existia para aquelas pessoas. Foi caminhando de grupo em grupo, escutando as conversas. Todos conversavam sobre futilidades da vida, sobre seus livros que estavam na 5°, 6° edição. Sobre o novo livro que iriam lançar no mês seguinte, no ano seguinte. Ou dos contratos com editoras, com empresas e campanhas publicitárias.
Foi caminhando lentamente de grupo em grupo até chegar próximo a porta. E lentamente foi saindo para fora, pegou o ultimo cigarro amassado que tinha na carteira, acendeu-o com fosforo e no tempo do fogo acesso lembrou-se do que sua mãe havia dito anos atrás: “Meu filho, esse mundo não te pertence, nunca vai te pertencer. Toma juizo e vai trabalhar, achar um emprego em alguma loja, não fica com esta ilusão de um dia ser alguém importante, um escritor famoso, isso é só para quem tem dinheiro. E dinheiro nós não temos e nunca vamos ter. Toma juizo guri.”
Apagou-se a chama, jogou fora o fosforo e voltou caminhando para sua casa.

Elisandro Rodrigues
Agosto de 2008
Ansiedade

Ele acorda pela manhã com se tivesse tomado todas na noite seguinte, não se lembra se havia sonhado ou não, apenas recorda-se de que alguém velava seu sonho, como se tivesse passado a noite inteira conversando com alguém que não recordava, mas sabia quem era. Levantou-se devagar pois sua cabeça latejava. Escovou os dentes com cuidado, arrumou-se e saio para o emprego.
Estava com fome, lembrou-se que não havia comido nada nem tomado nada quando acordou-se. Parou em uma padaria comprou um salgado e um café. Foi caminhando e comendo até chegar ao seu local de trabalho. Sentou em sua mesa, ligou o computador, viu seus e-mails, não havia nada na caixa de entrada.
De minuto em minuto olhava para seu e-mail, enquanto examinava propostas e propostas de crédito. Mas por que estava com está ansiedade, o que esperava do seu e-mail? Não sabia o por quê desta espera angustiante por nada, por um e-mail. No começo da tarde algo piscou na tela, havia chegado um e-mail, abriu depresa sua caixa de entrada e ... não era nada, apenas mais um spam. Voltou ao trabalho.
Por volta das 15 horas recebeu o e-mail que esperará tanto. Era um e-mail dela falando que havia sonhado com ele e que estava com saudades. Ele sorriu e voltou ao trabalho. Toda a ansiedade que passará durante o dia sumiu quando leu a mensagem dela. Ficamos ansiosos por muitas coisas pensou ele, agora calmo. Gostava tanto dela, mas não sabia como lhe falar. Ficava feliz quando a lia ou a escutava, ficava bobo, como ficam os apaixonados. Acreditava que logo estaria junto com ela e poderia desfrutar de toda esta felicidade já sonhada, escrevida e imaginada. Os quilometros que ainda os separavam eram muitos. A felicidade era muita, a alegria era muita, mas a duvida era muita.
Voltou para casa pensando o por que da dor de cabeça pela manhã.

Elisandro Rodrigues
Agosto de 2007

25.8.08

Ser Feliz ou acomodar-se


Eram cinco horas da tarde de uma Sexta-feira nublada e cinzenta de Porto Alegre, da janela podia-se ver no meio dos prédios algumas árvores, um pedaço do Parque Farroupilha e do Guaíba. Abriu uma página de texto no computador e começou a digitar algumas frases sem sentido, parou na terceira linha, apagou tudo o que tinha escrito. Fechou a página. Desligou o computador. Eram cinco e quize, faltava ainda quinze minutos para terminar o expediente. Não deu bola para isso. Pegou a carteira, as chaves de casa e o cigarro. Abriu a porta, acendeu um cigarro e saio para a rua.
Havia começado a garroar novamente, como diria os mais antigos, ‘uma chuva de molhar bobo’. Bobo era ele, pensou alto. As pessoas que caminhavam na calçada o olharam estranho mas não deram muita atenção. Pessoas que conversavam sozinhas existiam aos montes na cidade. Começou a caminhar devagarinho, contando os passos e brincando de pular por cima das poças de água formadas pela chuva. Ia feito criança grande. Tinha prometido escrever um texto mas fazia dias que as idéias não lhe surgiam. Havia pensando em escrever algo romantico para ela, mas seu romantismo estava em baixa.
Ele escrevia alguns textos, quase crônicas, mas não tinha dom para a literatura, apenas brincava de escrever. Parando para pensar sempre brincara em sua vida, não sabia ao certo se isso era bom ou ruim, mas sua caminhada até aquele momento nunca foi séria. Já havia brincado de ser ator por alguns anos. Já havia brincado de ser acadêmico, de ser militante do movimento estudantil e político. Agora brincava de trabalhar sério. Não tinha muito prazer pelo que fazia, era um trabalho importante, sem dúvidas, mas ele não nasceu para a burocrácia.
Não lembrava muito bem porque havia prometido um texto, só lembrava da ultima conversa dela dizendo que não vinha ver ele e que as vezes as pessoas tem duas opções: Ser feliz e ousar sempre, ou ficar sentado na vida acomodada que levamos e não ser feliz. Ele havia conhecido ela por acaso, na verdade ela o conheceu antes. Ela leu um de seus textos, acabou gostando, se identificando e mandou para ele um e-mail, isso havia acontecido há uns 4 meses. Coisa de louco, ele nunca pensou que alguém lia o que escrevia, escrevia por escrever para colocar o que pensava e sentia no papel. Depois daquele dia os dois foram conversando e se aproximando cada vez mais, uma aproximação virtual, mas logo depois começaram os telefonemas e as mensagens no celular. E como diz a música ‘é que as vezes a gente nunca sabe de quem vai gostar’.
O gosto começou a aumentar, o afeto que afetou os dois foi grande e a paixão surgiu. Paixão de brincantes, de duas pessoas distântes, ela sempre tendem a ser uma paixão louca, uma paixão sem dimensão, fora da realidade. E assim estava sendo até ela dizer que vinha visita-lo. Quando disse isso ele tremeu de alegria e felicidade, mas também teve medo do que poderia acontecer. Ficou dias pensando e planejando aquele final de semana. Sair para jantar na Sexta a noite, Sábado de manhã ficar em casa curtindo o frio que aquele final de semana estava fazendo, pela tarde passear por Porto Alegre, ver o pôr-do-sol no final da tarde no Gasômetro, a noite curtir um show, um teatro ou cinema e passar a noite toda abraçados juntinhos. No Domingo pela tarde redenção e a noite ela ia embora novamente e a vida voltaria para a comodidade de sempre.
Tinha pensando em tudo, tinha pensado em como seria o primeiro beijo, e se haveria outros beijos, e se este beijo levaria a mais coisas. Mas toda esta programação havia ido por água abaixo, no meio da semana ela falou que não viria mais. Um caminhão de água fria para seus planos. Ele ia caminhando e pensando estas coisas, pensando no final de semana teria que refazer seus planos, possivelmente iria ficar em casa trancado e solitário.
Chegou no centro, contou as moedas para a passagem, não tinha o suficiente, teve que ir no banco tirar mais dinheiro. Saio do banco, queria matar o tempo, decidiu tomar uma cerveja. Sentou no primeiro bar que encontrou, pegou uma mesa no canto e pediu uma polar para o garçon. Eram seis e trinta e cinco da tarde. Dali vinte e cinco minutos era para ela estar chegando. As sete horas já havia tomado duas cervejas. Às oito passava das cinco. Às dez horas já não fazia idéia de quantas tinha tomado. Meio tonto resolveu comer alguma coisa antes de ir para casa. Onze e meia pegou o ônibus. O percurso todo fez dormindo, sonhando com os beijos e abraços que não teria naquele final de semana.
Ao chegar em casa, demorou-se para entrar, ficou na frente da porta encarando-a, pensando que ela abriria sozinha. Colocou a chave na fechadura girou-a e entrou, estava tudo escuro dentro de casa, foi caminhando até chegar em seu quarto, acendeu a luz e viu alguém em sua cama. Ela era. Olhou com carinho para aquela menina dormindo como se fosse uma princesa. Não conseguia pensar nada, ás únicas palavras que vinham em sua mente eram: ‘Às vezes temos duas opções: Ser feliz e ousar sempre, ou ficar sentado na vida acomodada que levamos e não ser feliz’.
Deu um beijo suave na cabeça dela, apagou a luz e foi dormir na sala.

Elisandro Rodrigues
Agosto de 2008

9.8.08

Senhores e senhoras, respeitavél público pagão, segue abaixo o poema lido no Show do Teatro Mágico no último dia 07/08/08.

(http://www.oteatromagico.mus.br/novo/notices/view/108)


"Raros não são cinzas,
Nem são sós.
Raros são mágicos de beleza e pó!
E isso é tri legal!
Mas bah! Não somos Chico, mas queremos cantar...
Depois de tanto caminhar e de buscar, de estar com os pés mais esgualepados do que pata de cusco,
De batalhar para não acomodar com o que incomoda,
Descobrimos que toda brincadeira começa com alegria,
Com a arte independente e com encantos.
Aprendemos a magia, a história e o silêncio.
Aprendemos a voar, e chegamos na Pedra Mais Alta.
Onde lá de cima encontramos:Anjos Mais Velhos, Camaradas D'água, Carejangrejos, e muitos RAROS, que nunca estão Abaçaiados!
Vocês, para nós, mostraram que não estamos sozinhos nesse mundo.
Nos ensinaram a juntar Tudo Numa Coisa Só.
Mostraram que todos somos Cidadãos, de papelão ou não.
Com o direito de conjugar o verbo que quisermos.
E na roda do chimarrão afirmamos que:De ontem e de hoje em diante, não seremos mais o que somos neste instante agora.
Nossos Sonhos se tornaram verdade, porque nós esquecemos de acordar!Com vocês, a gente sente que é um tanto bem maior.
E através da poesia, do verbo e da saudade,Tivemos a luta, a força e a coragem
Para chegar aqui e reinvidicar:
Queremos isso todo dia!
E queremos lembrar desses raros momentos só enquanto respirarmos.
Para podermos sempre saudá-los, gritando bem alto:
Ah! Eu sou um Gaúcho Raro!"

Por Elisandro
Adaptação: Rodrigo e uma "ajudazinha" de todos da comunidade.

8.8.08

DESPERTAR


“Delírio pergunta a Morpheus em determinado momento: ‘Qual é a palavra pra dizer que as coisas não são iguais o tempo todo?Lembra? Sei que tem uma. Tem, né?’ Sonho responde com o nome da palavra. ‘Mudança’ ele diz. Ela também pergunta: ‘Qual é a palavra pro momento exato em que você percebe que esqueceu como era fazer amor com alguém que gostava muito no passado?’ Sonho responde: ‘Não existe’. Delírio diz: ‘Ah, achei que existia’. E, claro, Delírio tem razão. A palavra é ‘Dó’ e representa um atributo que nem sempre cai bem nas duras realidades da vida desperta.” (Mikal Gilmore – No Prefácio do último volume de Sandman – Despertar, de Neil Gaiman)



Ele caminhava ligeiro no meio da multidão, não notava os rostos das pessoas quando passava. Andava como quem não enxerga nada a sua frente. Mas o seu andar era um andar cansado, um andar de quem carrega o peso do mundo nos ombros. Caminhava desanimado. E em sua mente muitas coisas se passavam. De súbito parou e se olhou de cima, não acreditava no que via. Lá embaixo estava seu corpo parado. Estava flutuando sob seu próprio corpo.
Isso durou apenas um segundo. No segundo posterior já estava dentro de si mesmo, dentro de seu próprio corpo. Continuou ali parado, as pessoas esbarrando-se nele. Um estorvo no meio da multidão. Aos poucos foi dando-se conta do mundo ao seu redor, e como um estranho saio do meio das pessoas, sentou-se no banco de uma praça. Afrouxou a gravata. Abriu um pouco a camisa. E chorou. Chorou um choro sem sentido, mas com todo o sentido do mundo. Suas lagrimas caiam e molhavam o chão. Aos poucos criou-se uma poça de lágrimas próximos aos pés dele.
Parou de chorar, tirou os sapatos e começou a brincar com suas lágrimas e a terra úmida, criando e descriando objetos e seres com suas próprias lágrimas. O mundo parou de girar para ele. Começou a ver as pessoas, ver as árvores, o sol, o céu que o cercava. Sentiu o sol aquecer seu corpo. Deixou os sapatos, a gravata e saio caminhando lentamente no meio das pessoas. Parecia que passava desapercebido no meio da multidão que corria de um lado para o outro, como num formigueiro que tinha se desmanchado.
Ia caminhado lentamente sem direção, sem sentido e sem rumo. Mas sabendo onde queria chegar e o que queria alcançar. E assim caminhou sentindo o chão e a terra entre seus dedos, o vento batendo e despenteando seu cabelo, o doce aroma das flores de inicio de primavera, o sol aquecendo todo o corpo...
Acordou de súbito. Não passava de um sonho. Levantou da cama, escolheu a gravata mais bonita calçou os calçados e saio para a rua.


“Entre o Pedestal Noturno e o matinal. Entre a morte vermelha e o desejo radiante, sem um único som de triunfo ou alerta surge o grande sentinela na Ponte de Fogo. Ó alma transitória, que adorna com sonhos teu pensamento, abandona a coroa de louros, remove as cordas da lira: as rodas do tempo estão girando, girando, girando, a corrente vagarosa flui profunda e não se cansa. Os Deuses estão sobre sua ponte, sussurrando mentiras e amor, zombaram de tua passagem pelo rio sombrio, cujas correntezas incansáveis levarão a ti, rei dos sonhos, - Destronado e eternamente inacessível – para onde os reis sonharam outrora embranquecem em lares de frio monumental.” (James Elroy Flecker – 1884/1915)

Elisandro Rodrigues
2008

1.8.08

Fazia tempo que ele não sonhava mais. Suas noites eram banhadas a suor, mal dormidas. Sem sonhos, nem pesadelos. Tudo era um vazio do deitar ao acordar. Certa noite ele teve um sonho rápido com um céu estrelado. Achou estranho somente sonhar com aquela imagem, somente isso e mais nada. Duas noites depois sonhou com uma menina, mas ela estava de costas, não conseguia ver seu rosto somente o cabelo. Cabelo que escorria pelos ombros, meio ondulados e com cores claras-avermelhadas. Na noite seguinte sonhou com um menino, menino este que parecia ser ele, estava olhando para cima como se vise a imensidão do infinito. No quinto dia sonhou com o céu a menina e o menino: o menino olhava o céu cheio de estrelas, a menina do outro lado, de costas para o menino observava o mesmo que ele. Ambos estavam separados por um abismo que ao mesmo tempo os deixava próximos no meio da imensidão das estrelas. Parecia que os dois pertenciam ao céu e aquele mundo de estrelas.

Nas próximas noites até o fim de sua vida não sonhou com mais nada. A única imagem que aparecia em seus sonhos eram as estrelas.



Elisandro Rodrigues

Agosto de 2008


Aqui (Ou Memórias do Cárcere)

Cordel de Fogo Encantado

Vou
Vou pregar na parede
Um pedaço de céu
Que você me mandou

Vou buscar outra constelação
Entre a noite que vai
E o dia que vem
Eu canto aqui
Eu olho daqui
Eu ando aqui
Eu vivo
Canto aqui
Eu grito aqui
Eu sonho aqui
Eu morro...
(morro)
Vou
Vou riscar no meu braço
Um pedaço de mar
Que você me deixou
E criar outra recordação
Do primeiro lugar
Que acordei pra te ver
Eu canto aqui
Eu olho daqui
Eu ando aqui
Eu vivo
Canto aqui
Eu grito aqui
Eu sonho aqui
Eu morro...
(morro)

Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento