15.12.10

Carta a um Port[fóli]o distante e silencioso– em memória de uma querida amiga [Helena]


Sou um juntador de coisas, construtor de mosaicos ao vento. Junto vozes dentro de mim, que aos poucos me constroem, e com elas me reinvento todo o instante. Fragmentos de vozes, de pensamentos, de escritos, de vivências.

Um dos fragmentos que levo sempre presente, é uma frase que me chamou a atenção no seu MSN, do Deleuze, “um pouco de possível senão eu sufoco”. Me interessei e você me lançou na Nau do Tempo Rei do Peter Pál Pelbart. Estou nessa Nau desde então, nessa Nau da Loucura. Nau da Saúde Mental.

Estou nessa residência por que me ajudaste a colar fragmentos e mosaicos de inacabamentos e silêncios em mim. Colar mosaicos de textos acadêmicos, de leis, da história da loucura. Me empurraste no abismo da loucura dizendo-me para criar asas de desejo e voar com os pássaros e urubus.

Não tive tempo de lhe contar minhas andanças em Novo Hamburgo, as discussões das aulas, os processos de construção política que participei, os amores que surgiram, foram e tornaram a surgir. Sinto falta das conversas de segunda feira tomando o maravilhoso café que fazias. Dedico esses quatro fragmentos a sua memória, a sua vida de boniteza. Estou me construindo de desperdícios por sua causa, pelas inúmeras horas que passamos me ajudando a estudar.

Cont[a]o para você me escutar onde estejas.

Fragmentos de passadas irriquietas [1] Saindo da invisibilidade – um p[c]onto sobre o Carlinhos

Nas andanças de [des]territorialização, meus passos irrequietos, ou a cidade – quem sabe o menino Carlinhos, vieram até mim [eu a ele] para ambos sairmos de nossas invisibilidades e nos construirmos como Ser Mais, como Sujeitos históricos, produzindo e compartilhando nossas subjetividades.

Da inexperiência no trabalho com Saúde Mental, dos desejos de se perder e conhecer a cidade de Novo Hamburgo surgiu o lançar-se para uma cidade por meio de um Acompanhamento Terapêutico (AT). Ou quem sabe do afetar-se pela história do Carlinhos foi o que proporcionou esse encontro e nossas andanças e minhas intervenções. Como nos diz Analice, Károl e Márcio: “É, com efeito, da construção de uma nova cidade _ outras casas, outros bairros _ que se ocupa a experiência do AT, pela constituição de uma rede de relações, amarragens mais ou menos tênues que se fazem na circulação com o acompanhado, ajudando-o a situar-se, a construir um lugar possível para si, como parte dessa rede, partícipe dos seus fluxos de vida. O at desprende-se da cidade em que se reconhece para que uma outra cidade possa ser habitada, uma cidade que, emergindo do encontro entre acompanhante e acompanhado, constrói-se no exato instante em que, juntos, eles a percorrem: observam traços nunca antes vistos, deparam-se com rastros desconhecidos, embrenham-se por ruas desviantes, sentem cheiros e cores novos.”

Meu [des]encontro com Carlinhos começou com a demanda da procura do Pai dele, da inserção e dos riscos dessa procura. Carlinhos, um andante das ruas da cidades – pois não circula apenas por Novo Hamburgo, mas por Campo Bom e outros territórios da cidade – criou existência no lixo. Foi acolhido pelos trabalhadores da Coleta Seletiva, onde teve lugar e uniforme. Como acompanhar um menino que conhecia mais a realidade da cidade do que eu? Como dar existência a essa procura pelo Pai? Como dar visibilidade ao ser criança [adolescente] num mundo de responsabilidades que o torna adulto?

Lembro-me das aulas sobre Infância onde discutíamos o que era infância, a construção social desse conceito, falávamos também sobre o mundo da infância ser todo adulto, não dando vozes para as crianças [e adolescentes], Cirino nos traz essa reflexão quando fala que “Uma infância que requer “especialistas” não é, certamente, uma infância qualquer, mas sim, uma que supostamente necessita de um séquito de “conhecedores para lhe revelar sua verdade”. Assim, a noção de infância na modernidade se articula dentro de uma política de verdades, amparada pela autoridade do saber de seus porta vozes.”1

Tive meus desencontros comigo mesmo. Com meus saberes. Com minhas práticas. Fui levado à procura, a conversa, ao dialogo com outros, e com ele. Nossos AT´s dentro do bairro Canudos primeiramente nos levaram a conhecer os tristes ventos de Novo Hamburgo. As conversas entre uma partida de sinuca, um sacolé, uma sentada na praça, um jogo na internet, e o mundo de Carlinhos ia se apresentando a mim. O não desejo da escola, o desejo de ficar e ajudar a mãe, as responsabilidades com o pão na mesa, os desejos de busca por existir e ser no mundo. Momentos que foram nos conduzindo a sair da invisibilidade e construir história. Construir caminhos vislumbrados com olhos arregalados de curiosidade -dele e ternura -meus de encontro a uma (outra) cidade, que ele não conhecia: passeio no centro, ida ao shopping, ir ao cinema pela primeira vez, registrar os passos irrequietos em vídeo.

Nos rumores de subjetividade de Carlinhos algumas necessidades se apresentaram e o que era um AT se transformou em uma inserção e intervenção familiar. Conversas com a Silvia (mãe dele), com o Luis Carlos (tio) e a Marta (irmã). Dentro de um contexto familiar complicado – mãe usuária da Saúde Mental, que não consegue sustentar o Ser mãe, tio alcoólatra e irmã com a sobrecarga de organizar a família – iniciei os diálogos.

Nesse curto espaço tempo de intervenção, alguns avanços foram conquistados, principalmente por parte da Silvia, na sustentação do Ser mãe. Processo intenso de conversa, de idas e vindas, de não achar ninguém em casa. Mas um processo de bonitezas, de olhares arregalados com o novo e com outros possíveis.

Aprendi nesse AT-intervenção. Principalmente a dar limite e a construir os desejos dialogicamente. Ver que existe uma necessidade de estar na escola, para a construção de conhecimento e a inserção social, que as desterritorializações ensinam caminhos diferentes de se andar e aprender a aprender no dia a dia e nas dificuldades que os atendimentos oferecem.

Creio que as passadas irriquietas de Carlinhos se farão presentes em mim nos próximos campos. E no andar lento e descompassado, ver o mundo que se apresenta pelos abrigos de olhos curiosos, vestidos de sensibilidade e de delicadeza.

Fragmentos de passadas irriquietas [2] Das pontas das linhas que não dão nó


O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”. (João Guimarães Rosa)


Pontas de linhas soltas. Nós que se desfazem no correr da vida. Flordelicio e Jeferson, duas vidas nos pólos opostos do novelo.

Casos diferentes que me remeteram a situações de alegria e frustração. Alegria por ver a retomada de vida de Flordelicio em menos de dois meses de atendimento e frustração por não conseguir retomar os desejos de vida de Jeferson.

Flordelicio chegou ao Caps Santo Afonso agitado, ansioso, com medo de viver, com vozes constantes na cabeça dizendo para desistir e com muito medo da morte. Sofrimentos causados por um correr da vida triste e dolorido. Flordelicio caminhava nas ruas da cidade de muitos imaginários quando é atingido por um pedaço de espelho, o que o deixa cego de um olho. Após isso, medo. Ansiedade. Sentimento de que a morte seguia sua sombra.

Como trabalhar? Como retomar os desejos de vida? Não sei muito bem como realizamos essa retomada, mas com muita escuta e conversa as coisas foram mudando. Graciela e eu adotamos uma metodologia de escrita de vida, escrita de medos, escrita do cotidiano para que juntos pudéssemos olhar as escritas do mundo e as formas de existir nele. Conversas que pautavam o porquê da ansiosidade, porquê do medo. Diálogos sobre como potenciar o que antes era devir. Aos poucos entre escrita e fala, Flordelicio floresceu. De um homem que não se escrevia no mundo tornou-se um homem que criava com o mundo.

Os medos e a ansiedade deram lugar a projetos de vida – pintar a casa, sair com a família, fazer carteira de motorista, procurar um outro trabalho. Coisas que foram crescendo feito planta, de uma semente lançada em solo que não se conhecia. Em pouco tempo a/o Flor[delicio] nasceu. Alegria para Graciela e para mim. Nas coisas disparatadas em conversas simples a vida que retorna.

Uma vida surge e outra entra em pulsão de morte. Jeferson foi um caso que mexeu muito comigo. Que me fez procurar conversas com a equipe, soluções extremas e um sentimento de que o serviço estruturado do jeito que está não dá conta desses casos. Em menos de dois meses a vida de Jeferson virou do avesso – foi preso pela ex-mulher, a mãe morreu e a companheira atual teve um filho. Como lidar com essas histórias em uma subjetividade que estava rachada e sem ajuda há tempos?

Essa questão deu “manga pra manga” como diria um usuário. Não conseguimos retomar o devir de Jeferson. Aos poucos ele foi definhando, morrendo como planta sem água. As tentativas de conversa, as visitas, os grupos, a articulação da equipe para escutá-lo não foram suficientes. E numa segunda-feira de Dezembro a companheira chega ao Caps chorando pedindo para interná-lo. O que fazer? Sem uma equipe para sustentar uma acolhida dele no Caps o dia todo, sem pessoas para dar a continência necessária ao estar no Caps, ele foi internado. Internado em um hospital geral, mas mesmo assim internado. Isso mexeu comigo. Primeira vez que internava alguém. Sentimento de despotência, de frustração, desinquietou-se meus passos nos dias que passaram.

Jeferson continua em atendimento no Caps, mas não da forma que gostaríamos de encaminhar o Plano Terapêutico dele. Nos dias que se seguem a essa escrita, estaremos pensando em como acolher os usuários em crise, que espaço de convivência faremos, já que não temos esse espaço no Caps. E como o correr da vida de Jeferson trará coragem. Palavras e sentimentos que se descarrilham em meu peito e que me fazem pensar que muito ainda é necessário dentro do que construímos na Reforma.

Pensando em reforma penso no conceito de Saúde Coletiva apresentado na aula da Sandra Fagundes, conceito esse sistematizado por ela que diz: “Saúde Mental Coletiva é um processo construtor de sujeitos sociais, desencadeador de transformações no modos de pensar, sentir e fazer política, ciência e gestão no cotidiano das estruturas de mediação da sociedade, extinguindo as segregações e substituindo certas práticas por outras capazes de contribuir para a criação de projetos de vida”.

Fico refletindo que projetos de vida, que outras práticas estamos construindo. Um fragmento leva ao outro e nas aulas da Rose penso que o meu projeto semente pegou água e sol demais crescendo para essas reflexões acima pontuadas, no projeto penso em “verificar no cotidiano das práticas dos Residentes em Saúde Mental Coletiva (turma 2010-2011) a inserção da educação, e da educação popular, e da construção de conhecimento de vida, de trabalho e de saúde no período de inserção dos mesmo na Residência Multiprofissional em Saúde Mental Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.”

Fragmentos que constroem mosaicos de passos irrequietos pensando a Construção do Ser Educador na Saúde Mental.

Fragmentos de passadas irriquietas [3] As três loucas


Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão as seis da tarde, que vai lá fora, que aponta o lápis, que vê a uva, etc. Perdoai. Mas eu preciso ser outros.” (Manoel de Barros)


As três loucas. Uma que é livre trancafiada em seus desejos e duas que não saem de casa. Enilza. Rejane. Edi. Edi. Rejane. Enilza.

Enilza chegou ao Caps Santo Afonso vinda do Hospital Espírita. No primeiro acolhimento o pensamento: “essa é uma louca de pedra”. Na segunda conversa “Sou livre, mas não me deixam sair”. Enilza é uma personagem clássica da Saúde Mental, aquela que podemos dizer que é louca, no aspecto romântico e idealista. Uma senhora que não aderiu ao tratamento por muito tempo, com delírios persecutórios, mas com uma organização temporal e espacial invejável. Por conta de uma família que não sustenta o tratamento e diz que ela é Louca, foi internada duas vezes no Espírita, e agora mora em um Lar de Idosos, onde se questiona: “quero ir pra minha casa, aqui não é minha casa. Aqui eles não me deixam sair, mas me dizem que sou livre”. A família não sabe como ficar com ela e sustentar os desejos de passadas pela cidade que ela quer.

Estou acompanhando ela em AT´s pelo bairro, e posteriormente pela cidade. Quando ela chegou, por não estar tomando e se negando a tomar os remédios, estava desorganizada. Agora está melhor, parece que por ter alguém que a cuide, o que não acontecia quando morava sozinha. A família não a quer, e ela quer ser livre. Como deixá-la morando sozinha e se comprometendo com o tratamento? Passos que aos poucos iremos construir, ou queremos construir com Enilza, a Louca, por ver a sensibilidade do mundo pelo corpo.

Rejane é filha de Edi. As duas eram sustentadas pelo pai biológico de Rejane, que não morava com elas, mas sim com sua outra família. Quando esse pai morreu, a família de “'direito” pediu exame de DNA, no exame deu que Rejane não era filha do pai que ela achava que era filha. A família de “direito” não deu mais o dinheiro. Edi surta, Rejane surta. Ambas se trancam em casa e esquecem o mundo lá fora. Como entrar nesse fora é o que nos leva até a casa delas. Sem sucesso, pois ainda não conseguimos entrar. Alguns diálogos por trás do portão fechado com arrame são construídos vez que outra quando o portão da garagem e as portas não são batidas na nossa cara.

Essa é a síntese do caso e o que acontece. Pelo que vimos, nas poucas vezes que conseguimos conversar com a Edi, é que o sofrimento já se psicotizou – com [outros] olhos de loucura, e que a filha está da mesma forma. A Edi não deixa a filha conversar com ninguém, não sabemos como ela está, como está a casa. Sabemos o que os vizinhos contam: gritos nas madrugadas, xingamentos para todos os lados, insultos aos vizinhos, e por ai afora.

Afeto e transferência nesse caso ainda não aconteceu, mas esperamos que com o tempo consigamos entrar e conversar com ambas. Será difícil, mas nossa teimosia é maior.

Fragmentos de passadas irriquietas [4] Quatro Reais

O que mais ocupou meu tempo esse ano com certeza foi os Quatro Reais da Dona Teresinha. Do desejo de existir e de ficar imortalizada pelas mídias digitais, Dona Teresinha viveu três anos falando que queria fazer um filme. Quando chegamos – o grupo de residentes, fomos afetados por esse desejo: Fazer um filme. E nos propomos no inicio do ano a criar essa existência, a cartografar palavras em áudio e vídeo, a escutar as histórias contadas por Dona Teresinha.

Já chegamos ao final do ano e o produto final, os Quatro Reais – nome do documentário, ainda não está pronto. Foram três meses gravando, mais de cinco horas de material. Três meses ‘decoupando’ e roteirizando o documentário. E nos últimos três meses montando e finalizando. Poderíamos chamar de Três, pelos espaços-tempos de produção, mas desde o início ela deu existência a sua história de vida chamando de Quatro Reais.

Por que Quatro Reais? Olha, terão que assistir o documentário quando estiver pronto para descobrir, mas podemos adiantar que diz respeito as cartografias de passadas irrequietas da vida da Dona Teresinha. O que fica? Muitos questionamentos e um não sistematizar a escrita desse documentário. Aladin [um dos nossos tutores] sempre está nos perguntando quando vamos parar para pensar e escrever, pois ele nos diz que isso foi além de um simples documentar a vida de alguém, que mexeu com os desejos e as potências da Dona Teresinha, com outras vidas que passam pelo Caps e com sujeitos que nem conhecemos que já sabem da existência desse audiovisual e decidiram escrever as suas vidas por verem que depois de três anos a Dona Teresinha escreveu os desejos dela.

Temos uma tarefa ainda: mostrar aos outros os movimentos da Dona Terezinha, quem sabe depois que virmos essa produção não nos sensibilize mais e escrevamos esse processo. Essa demanda existe, e um dia terá que sair das nossas cabeças esvoaçantes para os olhos de leitores curiosos com desejos de cartografar ventos.

O apanhador de desperdícios – ou sobre o menino que empinava o vento (quiçá uma breve Introdução do final)


Tudo o que não invento é falso”. (Manoel de Barros)


Empinar o vento não é uma tarefa fácil. Pensamos que é simples construir uma Pandorga: juntar as varetas, as linhas, o papel, o tecido, a cola – e a Pandorga se mostra. Mas não é bem assim. Temos que apanhar desperdícios para que ela se mostre. Temos que fazer amizade com os objetos inúteis e inanimados para construir o que será a Pandorga. Os materiais são o Devir desse avoador de céus. Não basta apenas construí-la, temos que brincar com o vento, deixar ser afetado por ele, para assim correr pela terra, pelo gramado e deixar que o Vento Invente o percurso por onde a Pandorga irá abrir asas.

Todos pensam que é o menino que empina o vento, mas é o vento que conduz a dança do menino no céu. Na brincadeira de apanhar vento e na boniteza da Pandorga seguimos feito passarinho “invencionando” batidas de asas. Mas o vento também cansa, assim como a Pandorga que dança na imensidão do azul. A tarde chega ao fim e o menino tem que re[a]colher para o chão o que antes voava desterritorializando certezas.

É uma partida que deixa saudades do vento, das nuvens, do desperdiçar tempo, do apanhar cantos. Mas a noite cai e o menino sabe que tem que voltar. Na ida para a casa de pés no chão vai apanhando objetos deixados antes soltos de barriga no chão. Coisas desimportantes para quem não vê a inutilidade presente no que fica que se faz vida também. O menino caçador de inquietudes e delicadezas se assossega na noite brincando de contar estrelas no piscar dos pirilampos.


Os ventos da noite me trazem suas palavras e o seu risso. Nesse adormecer de Sonhos e de fragmentos fica a saudade. Sempre serei grato pela sua escuta e sua amizade. No silenciar do seu abraço me despeço nas palavras de Manoel de Barros “Escrevo para compor meus silêncios – As palavras multiplicam meus silêncios”.


Elisandro Rodrigues


1CIRINO, Oscar. Psicanálise e Psiquiatria com crianças: desenvolvimento ou estrutura. Belo Horizonte: Autêntica,2001

22.11.10

Dentro de nós


Fora de nós o mundo gira. Dentro de nós o mundo ventila.

Menino entrando no ônibus cara feliz, aparentando uns 12 anos, conversando com o motorista e cobrador, ao seu público se dirige mais alegre ainda “bala ou mandolate”.

Processo de democracia ou a grande ilusão de uma esperança que aparecera carregada pelo vento e a dúvida que permanece “o dia de amanhã será diferente”.

Pessoas caminhando no vai e vem da cidade. O termômetro marca 34º e 12:33. Conversas triviais sobre roupas expostas nas vitrines e o futebol do final de semana “e o Grêmio está no G4”.

A difícil dialética entre permanecer e sair fora. A tênue linha que separa um abismo do outro.

No palco artistas retratando a vida que se passa lá fora, no cotidiano das ruas da metrópole, suas danças e ações des[re]velam a pergunta “onde vivemos? Dentro ou fora?Ou foradentrodentrodota?”.

O amor que carrega na brisa o doce perfume de uma história do “começo ao fim” tatuando passantes na alma.

O cantor e sua trupe empolgam a plateia com sua arte e a delicadeza de um mundo paralelo onde nos canta “as horas vão passando e o dia vai chegando ao fim, mais um dia, outro dia, mais um dia pra viver, pra viver, pra viver....Andando sozinho pelas ruas da cidade...”

Uma Secretária de Saúde amplia o fingimento, se mostrando a maior atriz, mente para o povo que a escuta sobre sonhos e novos dias. O povo à escuta, mas suas bocas estão amordaçadas.

A pessoa rodeada por espíritos e vozes “eu to bem, ela não precisa de atendimento...não ela não pode sair para fora de casa existem muitos ladrões...fica quieta você não vai sair....”.

Será que a luta por tantas utopias e a bonitezas choverá no tempo da semeadura germinando as sementes de um novo possível?

As pessoas passam caminhando para seus dentros e eu encosto a cabela na janela do ônibus e me recolho no meu devir fora vendo passar o frágil emaranhado de teceturas.


Elisandro Rodrigues

(Texto escrito dentro do ônibus, logo após deixar a Sala Qorpo Santo, pensando nas muitas reflexões que a peça Fora de Nós, com direção de Kalisy Cabeda, proporciona. Para saber mais http://mostradad.blogspot.com)

9.11.10

Quando chegas...


Ando querendo fugir, não aguento mais caminhar por essas ruas. Estou com saudades suas. Tenho ciumes das pessoas quando sento nos parques, nessa primavera, e observo os casais felizes, as crianças brincando correndo sem camisa, tenho ciume e inveja delas. Você poderia estar comigo.

Não sou obsecada, mas penso em você a todo o instante. Não sei se suporto mais esses dias de calor insuportável. Não suporto mais ficar com dor de cabeça, com esse mal estar. Não suporto ver sol brilhando forte no céu. Penso em desistir de tudo, largar mão desse mundo cão, mas...às vezes penso em me mudar para perto de você, onde possa lhe encontrar mais seguido.

Você sabe que quando chegas tudo melhora. Quando você me abraça tudo se transforma. Me sinto calma. Me sinto feliz. Curto esses poucos momentos contigo. Essa sensação unica de ter você comigo. Por vezes você vai embora rápido demais, chega num dia e no outro já está partindo. Amo quando permaneces por mais tempo, por dias, por semanas.

Presto atenção nos sinais, tento perceber quando o vento te anuncia. Sinto seu cheiro. Fico a esperar nas esquinas. Algumas vezes corro para perto do Mar pois sei que lá te vejo ao longe chegando. Pelo alto, voando. Quando não sei que vens logo te espero nesses bancos de praça. Algumas pessoas me acham louca. Mas louca são elas que não tem um amor verdadeiro. Loucas são elas que não sentem o seu prazer.

Como amo quando chega...amo sentir você em mim....quando penetra meu corpo...quando me faz sentir completa...Prefiro quando chegas feito amante, sem eu esperar, me pega de surpresa – por mais que sempre esteja lhe esperando – vens por outros lados, por outros cantos, por outros campos.

Meu corpo sente o arrepio do seu vento...fico molhada como a chuva. Minha ética se aproxima da sua Estética: Vento, Chuva, assim frio. Te Amo Estética do Frio. Amo você Tempo, quando ficas assim, quando chegas assim.


Elisandro Rodrigues

Em um dia de ventos e chuva

6.11.10

Dia Comum...

Pode parecer estranho, mas isso é verdade aconteceu comigo.

Você sabe quando acorda naqueles dias pensando que não deve sair de casa? Pois é, esse foi um dia daqueles. Parece até filme, sabe o cara azarado que leva porrada todo o momento e que no final fica com a menina bonita e rico. Tirando a parte da menina e do ficar rico poderia parecer um filme...

Acordei atrasado hoje, o relógio não despertou, o celular estava sem bateria. Estava atrasado quase uma hora. Me levantei correndo fui tomar um banho. Quando liguei o chuveiro ele queimou. Tive que sair de casa sem banho (e sem café, pois sabe como é estava atrasado e nunca tem nada na minha geladeira).

Peguei os projetos que o chefe queria para hoje, meu prazo tinha se esgotado se não entregasse hoje perderia meu emprego....e de fato perdi....Pode me ver mais um duplo?

...onde eu estava...ah lembrei, sai para pegar o ônibus chegando na parada ele estava passando, corri para ver se conseguia para-ló. Tropecei em mim mesmo e cai no chão meus documentos para a apresentação do projeto voaram em todas as direções. Ao mesmo tempo que via meu projeto alçar voo aos céus, grudando em carros em movimentos, uma pancada de chuva despenca do céu e me molha todo.

Vai dizer que não era um péssimo dia. Voltei pra casa furioso, tomei um banho gelado, troquei de roupa e peguei um guarda-chuva. Depois de 3 horas de atraso cheguei no serviço. E o que encontro lá?

Minhas coisas dentro de uma caixa de papelão com um aviso de demissão por justa causa. Puta que pariu....será que as pessoas não tem mais coração?

Saí de lá querendo matar meu chefe e não sei se por azar ou sorte minha quando sai do prédio um avião caiu em cima dele explodindo tudo. Quase morri. Ambulâncias, policiais, imprensa, papa defuntos e tragédias por todos os lados. Meus ouvidos zonzos da explosão....quê? Se acha que eu tive sorte? Sorte porcaria nenhuma. Me levaram preso por terrorismo, pois eu era o único suspeito até o momento.

Na delegacia interrogatório e mais interrogatório pra no final eles descobrirem que eu nada tinha a ver com aquilo...bem que eu queria...mas não fui eu.

Pensando que estava com mais sorte, sem comer, sujo, sai da delegacia no final da tarde.

Chegando em casa vi uma movimentação na frente do meu prédio. Era os bombeiros. Pensei comigo, só o que faltava ter pegado fogo no vizinho, ele sempre está inventando de colocar coisas que não podem dentro do micro-ondas. E para a continuação do meu azar não era isso.

Na correria que eu estava de manhã deixei uma torneira aberta...imagina o estado da minha casa....não imagine você não conseguiria.

Puta merda tudo molhado, minha coleção de Gibis, minhas Playboys …. minha televisão LCD nova...tudo estragado.

...depois de tudo isso o que eu poderia fazer? Me matar é óbvio....mas nem pra isso eu sirvo, não tenho coragem...

….E agora, depois de você escutar tudo isso me diz o que eu faço? Me diz o que eu tenho que fazer...o que eu faço da minha vida? Me diz....

...o quê? Ir pra casa? Não estou bêbado não....tá tudo bem eu saio...

(Saindo do Bar um caminhão de combustível sem freio vem na direção do Bar, ele se joga para um lado e no meio da explosão, das sirenes, escutamos...)

….Que merda de novo não....

- Que merda digo eu. - Pego o papel onde estava escrevendo a história rasgo em vários pedaços e jogo no lixo. Falta de criatividade é o que há.


Elisandro Rodrigues

5.11.10

“Siente como sopla El viento...” - Portfólio [Intervenção] Agosto




“Siente como sopla El viento...”

Portfólio [Intervenção] Agosto
Elisandro Rodrigues

(luz apagada começa o vídeo. Enquanto passa o vídeo vou construindo uma intervenção estética na sala com elástico e objetos – livros, palavras, cartazes, pendurados. Após o termino do vídeo inicia-se a leitura caminhando pelo espaço)

Tecetura de Vozes - Subjetividades trazidas pelo vento
*Sente como sopra o vento dentro da casa vazia?
Mas para que serve o vento?
Dizem também que serve para girar cata-vento e assim ele pode levar e trazer fragmentos de subjetividade.

*Quero lhe dar um ABRASUS, mas que SUS nós temos?

*Desculpa incomodar vocês, mas sabem me dizer que dia é hoje?

*Tio, tio, me dá uma moeda?

*Você é louco?

*Um desejo: escutar o silêncio nos corpos concretos que permaneceram – cinzas, vestígios, traços - e nas imagens fotográficas que captaram essa sua passagem material. Escutar o silêncio dos corpos concretos e o silêncio das imagens que os fazem parecer como marcas de um tempo que já não existe. Escutar o silêncio...(Eugénia Vilela)

*SILÊNCIO

*Raciocinar com os pés.

*Se eu sair do hospital eu vou habitar a cidade?

*Por onde ele anda?

*Existia uma cortina nessa janela?

*Qual é nossa clinica?
Qual é a nossa prática?

*Que música é essa que toca?

*Pensamentos traçam um caminho de vento.

*O fragmento é para o pesquisador o que o sampler é para o músico: um exercício de liberdade, mais um elemento desmantelador da noção da autoria, ao representar a criação como um jogo de pirataria, uma colagem feita por DJ´s – Denilson Lopes, nós os mortos em Rosane Preciosa ‘Rumores Discretos da subjetividade’.

* Subverter espaços

*Se virar nos trinta para colocar comida em casa

*Complexidade

* Rumores discretos numa vazies propulsora dos fios de nossas vozes numa poiética dos corpos e roupas

*Falta amor e encantamento na minha vida
*Onde fica o rabo do mundo?
*Mares que se molham e espalham as securas dos dias que nos movem...
*Poiética do silêncio
*Vidas que se inscrevem nos corpos
*Bêbado de informação
*Sujeitos são produzidos nas práticas sociais e nas relações
*Pensamentos que brincam com o vento
*Um corpo, uma engrenagem de sensações que intrigam textos o tempo todo (Rosane Preciosa)


*Canções sobre o vento (Utilizadas no vídeo)
Canciones al viento (La trampa)
Nada sabe el viento
que nunca se queda
que todo ayuda a perder.
Soplan desde el alma rachas de aire nuevo
que al fin le harán comprender.

Acomodador (El Robot bajo El água)
El viento se lleva las cosas que uno deja que se lleve
Y deja de llevarse las que uno deja que se queden
El agua no está tan fria una vez dentor de ella
Y el cielo nunca esta gris después de una tormenta
La película de tu vida se proyecta a todo color
si queres entrar al cine a verla no esperes al acomodador
Desde Adentro (Vieja Historia)

Me encanta perder el tiempo,
me encanta perder todo lo que nunca tengo.
Mira como sopla el viento,
pasa una nube tras otra.
Mira como sopla y solpla.
Siente como sopla el viento, viene desde adentro, desde mi balcón.
La gente alla abajo ya no esta tan loca.
Ella tiene miedo de su propia boca.
La gente alla abajo ya no siente pena.
Suena una guitarra tocando sus venas.
Siente como sopla el viento, viene desde adentro, desde mi balcón.
Siente como sopla el viento, viene desde adentro, de mi corazón.
Sabes que es lo que pasa hoy.
Por mucho que despegues no llegás a ver el sol.
Viento, que despeina la ilusion de ser un hombre util siendo yo.
Ellas vuelan juntas, yo las veo pasar,
parecen estrellas pero brillan más.
Y si nunca olvido lo que pudo ser,
no creas si digo que ya te olvide.

Vento a dois...

Ventando feito louco vem esse tempo vendaval

vendaval que leva tudo

corpo, alma,

papéis e pensamentos.


Louco é o tempo ventado pela saudade

Chamando a brisa do abraço


Venta longe

Venta forte

Venta pra encurtar a distância

Vento beijos

Vento sonhos para longe de mim


Espero que o vendaval leve meu amor junto ao seu


Espero ….. que a chuva não apague....


mas que acenda, [todo sopro que apaga uma chama, reascende o que for pra ficar]

que relembre todo o tempo

que aqui estou contando os dias nas passadas do vento

nos pingos da chuva.


O vento embala meus sonhos e meu amor

e no cheiro que me chega

a saudade dos teus cabelos

No ventar do s[m]eu corpo eu vou....


Vanessa Lopes e Elisandro Rodrigues


Conto..

Penso um conto
E me acabo no Ponto.

Elisandro Rodrigues

1.11.10

Frango com ameixas


"
Ali Khan - Conhece Khayyam?

Hushang - É Claro!

Ali Khan - Os astros nada ganharam com minha presença neste mundo, sua glória não aumnetará com minha derrocada, e meus ouvidos são testemunhas: ninguém jamais foi capaz de me dizer...por que me fizeram vir e por que me fazem ir embora.

"

(Marjane Satrapi - Frango com ameixas)

30.10.10

Zó e as paredes da cidade...

Zó escrevia com carvão nas paredes brancas de uma cidade descolorida pensamentos soltos e desconexos sobre sonhos e esperanças. Mas nesse dia ele resolveu escrever o que achará numa folha de papel amassada no meio do lixo. Ele escrevia o que lia e assim escreveu:

"Se eu fosse jovem e o sonho e a morte
fossem distantes como então,
Não partiria minh'alma ao meio,
guardando dela aqui um quinhão
Que tentaria o mundo das fadas
alcançar, mas sempre em vão
Enquanto a outra parte dela
andasse pela escuridão
Até curvar-se e dar três beijos
numa bela fada de maio
Que águias do céu arrancaria, com elas
pregando-me a um raio
E se meu coração fugisse dela,
e se desvencilhasse dela,
Num ninho de estrelas envolto
a fa ainda o traria com ela
Até que dele se cansasse,
quando enfarada o deixaria
Num rio de fogo onde meninos
o acabariam roubando um dia,
O iriam pegar, dele abusar,
puxando-o, deixando-o fino,
Partindo-o em quatro fios
p'ra encordoar algum violino.
E todo dia e toda noite
tocariam nele um madrigal
Que todos poria p'ra dançar
de tão estranho e sensual,
E o público rodopiaria,
saltitaria, cantaria em coro
Até que, com o olhar em brasa,
desabaria em rodas de ouro...
Mas isso foi há sessenta anos,
e jovem eu já não mais sou:
Pra tocar além do sol
meu coração já alçou voo.
Com a mente e olhar cheios de inveja,
admiro as almas isoladas
Que tal vento lunar não sentem,
alheias à Dança das Fadas,
Que não seduzem quem não as ouve,
quem não se atreve a ser tão forte.
Quando era jovem, eu era tolo. Então
me envolvam em sonho e morte."
(Neil Gaiman- Coisas Frágeis 2)

Quando Zó terminou de escrever nas paredes brancas de uma cidade limpidasuja os primeiros escritos já haviam sumido embaixo de água e sabão em pó.

Elisandro Rodrigues

26.10.10

Vento Mar...


Vento Mar e botões por onde passo. Vento um Mar de lágrimas no caminho para casa. Vento pensamentos de todas as ordens. Vento meu amor para longe para analisar a situação em que estou.


Sei que não sou o melhor dos namorados, sei que erro um monte e alimento minhas loucuras cotidianas feito furacão. Mas faço esse vendaval para ficar mais perto de você, para sentir que existe ainda. Vento tão forte que movo as águas de um Mar calmo fazendo as ondas sacudir os barcos dos pescadores.


Sou ciumento, possessivo, egoísta e medroso, eu sei que sou, e sabes que sou, e sabes como és também, osso duro de roer. O que quero lhe dizer é bem simples, como falei no telefone. Também estou cansado, exausto, rua após a enxurrada. E sei que estás assim também, proponho algo bem simples, isso se queres levar adiante nossa relação, se me amas ao ponto de construir tempestades e remexer o oceano profundo.


Proponho que arrumamos a casa, limpemos a lama, erguemos os móveis, pintamos as paredes, rabiscamos frases nos rodapés da casa. Proponho algo simples, e digo que tentarei me esforçar ao máximo para ajudar nessa construção, mas tens que fazer a sua parte, e temos que ambos entender que as vezes cansamos e precisamos deitar na parte ainda não pintada imaginando como ficara a casa quando estiver pronta. Proponho a simples construção, o deixar os pensamentos e as ideias ciumentaspossessivasloucas só para a gente, e que elas sejam lavadas pelo Mar e levadas pelo Vento.


Proponho coisas simples, como simples deve ser o amor, como simples é o Mar e o Vento. Proponho que deixamos de lado toda a ladainha dos deuses e deusas dos santos e santas e arrisquemos a orar para Deuses pagãos e mortos, nos arrisquemos a ajoelhar em frente a Deuses que acreditamos vivos. Que lancemos oferendas ao Mar e flores ao Vento. Tudo para pactuar o que pode ser límpido como o azulesverdeado do Mar e transparente como a brisa da manhã de primavera.


Proponho que nos abramos para sentir a doçura da água do Mar no nosso corpo, sentir a leveza do abraço do Vento.


É uma proposta ousada mas simples, que só quem tem coração leve e puro pode embarcar nela para navegar nesse Mar de bonitezas levados por esse Vento intempestivo.


Se queres arriscar a viver uma coisa simples regada pelo Vento e espalhamada como o Mar saberás que achou um parceiro que cansou dessa vidinha nesse mundo de gente de pedra feito máquina a fazer VentoMar artificial . Quero construir a realidade de uma outra utopia, de um outro sentimento e sentido. Quer compartilhar esse mundo comigo?


Só peço uma coisa: desprendimento do que tudo antes se viveu e saída da redoma de vidro azulcoloridoartificial.


Elisandro Rodrigues

23.10.10

Lou e coisas frágeis.


A menina Loucura entrou correndolentamente dentro de uma livraria com seu coloridodesbotado soltando fumaça de sonhos para todos os lados. Pegou um livro qualquer da estante e começou a ler alto para os comprantesdeidéias:

"...me ocorre que a peculiaridade das maioria das coisas que consideramos frágeis é como elas são, na verdade, fortes. Havia truques que fazíamos com ovos, quando crianças, para demonstrar que eles são, apesar de não darmos conta disso, pequenos salões de mármore capazes de suportar grandes pressões, e muitos dizem que o bater de asas de uma borboleta no lugar certo pode criar um furacão do outro lado do oceano. Corações podem ser partidos, mas o coração é o mais forte dos músculos, capaz de pulsar durante toda a vida. setenta vezes por minuto, não falhando quase nunca. Até os sonhos, que são as coisas mais intangíveis e delicadas podem se mostrar incrivelmente difíceis de matar.
Histórias, assim como pessoas, borboletas, ovos de aves canoras, corações humanos e sonhos, também são coisas frágeis, feitas de nada mais forte ou duradouro do que 26 letras e um punhado de sinais de pontuação. Ou então são palavras no ar, compostas de sonhos e idéias - abstratas, invisíveis, sumindo no momento que são pronunciadas -, e o que poderia ser mais frágil que isso? Mas algumas histórias, pequenas, simples, sobre gente embarcando em aventuras ou realizando maravilhas, contos de milagres e de monstros, perduram mais do que todas as pessoas que as contaram, e algumas perduram mais do que as próprias terras onde elas foram criadas...." (Neil Gaiman - Coisas Frágeis)

Ao terminar a leitura, colocou o livro de volta no lugar, e saiu saltitandoalegrementenopassotranquilo de como entrou. As pessoas comprantes de sonhos e esperanças apenas olharam para ela com estranheza, antes, durante e depois.

Elisandro Rodrigues

22.10.10

Teceturas


Tecendo uma colcha de amarguras passo os dias cinzentos de primavera. O colorido das linhas distância a ilusão da dor, mas traz para perto o sentimento do vento frio. S[c]em linhas faço o meu destino numa pro[lou]cura [in]cansável tramando concepções e sentidos para os sonhos e a esperança ... em preto e branco forma-se o desenho colorido.


Elisandro Rodrigues

18.10.10

Zó, as coisas que são frágeis, Lou...


Sentado na beira da calçada Zó observava a multidão passar no alto de suas fragilidades. Pensava ele que as pessoas eram muito frágeis com seus medos, suas ilusões. Lembrou de uma frase lida em algum pedaço de papel qualquer "As pessoas se despedaçam tão facilmente, sonhos e corações também."(Neil Gaiman - Coisas Frágeis).

Zó sabia que aquelas pessoas que caminhavam com seus semblantes sérios, taciturnas, carregavam grandes fardos. Não estranhava que as vezes, no meio daquela multidão, alguns caminhassem chorando.

Naquela aglomeração uma destacou-se nos seus olhos por um corolidodetristezaaomesmotempofeliz que saltitava entre vitrines olhando uma boniteza artificial e pessoas que ela parava na rua. Não entendendo o que se passava e pela sua curiosidade gritante saio do conforto de seu assento para olhar mais de perto aquele ser.

Chegando perto Zó viu que se tratava de alguém como ele. Sem querer, mais querendo, ele esbarrou naquele ser corolidodetristezaaomesmotempofeliz, Ela, pelo que Ele se surpreendeu foi logo dizendo:

- Aqui sou eu que estou pedindo vai achar outro lugar.

Sem entender nada falou: - Não quero pedir nada, só fiquei curioso por você. Ela o olhou estranhamente com uma delicadeza e uma ternura de criançaevelho.

- Sendo asssim, muito prazer. Pode me chamar de Lou....de Loucura.

Zó falou seu nome e voltou para seu canto de observação. Ficou olhando a menina Loucura caminhar por entre a multidão e vitrines.


Elisandro Rodrigues

(Depois de algum tempo um ato de criação...)

15.10.10

Nau...


Em um livro que uma amiga passou encontro uma frase que se faz presente no meu corpo... "Um pouco de possível senão eu sufoco.." (Gilles Deleuze em Conversações, pg. 131 -lida na Nau do Tempo Rei de Peter Pál Pelbart, pg 11).


20.8.10

Tempo...de não escrita.

Ando sem tempo para postar aqui, como se alguém se preocupasse com isso também né. Mas para simplesmente satisfazer a minha culpa, por achar que tenho alguma, mas como não tenho nenhuma em relação as pessoas que vem me ler, se é que existe alguma pessoa que vem me ler, acho que ninguém vem me ler, mas tanto faz como tanto fez, estou aqui para dizer que não estou escrevendo por o tempo não me deixa escrever. É o tempo, sabe aquele tempo que te come por todos os lados e não te satisfaz e nem te faz gozar, é esse tempo que está me comendo.
Mas como não tenho tempo nem sei por que estou perdendo o tempo que tenho para escrever aqui e dizer que o tempo que eu não tenho tá me comendo e me deixando sem tempo.
Para falar...ixi acabou o tempo.

10.8.10

Siente como sopla el viento...

Caminhando pela Lambla de Montevideo observo uma frase pixada na marquise "siente como sopla el viento". Sinto aquele vento soprado do mar, e de alèm mar. Meus pensamentos traçam caminhos de vento e vao parar em outros lugares...Na noite caminhando pelas ruas vazias da cidade o vento sopra novamente trazendo de longe uma nèvoa e um frio. Caminho olhando as estrelas que teimam em brilhar no cèu. Me desfaço com o vento e deixo me levar para onde moram meus pensamentos.

"Outros embarcam numa intrigante experiência. rolam entorpecidos pelo tùnel como se estivessem expostos a um vento brincalhao que se diverte em lhes virar pelo avesso, em soprar-lhes na alma espanto. O vento e suas desorientadas acrobacias invade o espaço vida, inventa um arrevesado sentido para a existência. Ao cabo da Brincadeira as crianças se sentem esgotadas e estranhamente revigoradas." (Rosane Preciosa)

Elisandro Rodrigues

3.7.10

Ponto.

Ele sempre quis escrever, mas em vez disso apenas lia. Passava o dia todo lendo blogs, contos, Xerox, revistas. Cansava-se de tanto ler. Um dia Ele resolveu escrever e o que escreveu foi: Cansei (ponto).

Elisandro Rodrigues

2.7.10

Imagens em movimento


Nos caminhos que cortam as vidas cotidianas Ele seguia caminhando como mais um se misturando na multidão das seis da manhã. A diferença Nele era o olhar que fitava a tudo e a todos gravando e registrando imagens. Imagens que falavam com ele, que mostravam os sentimentos e a poesia escondida por trás das caras amaradas e dos objetos frios do amanhecer. Nas imagens nuas e cruas pequenas percepções e rumores discretos naquele vazio propulsor de fios, roupas, concretos.

Sentado ao lado de uma pessoa adormecida a música do fone saltava pelos ouvidos alheios e cai no dele “Deixa, deixa, deixa eu dizer o que penso dessa vida preciso demais desabafar!”. As imagens e o silêncio desabafavam na manhã cinzenta e melancólica onde a nevoa beijava o chão.

As imagens queriam ser um Mar, queria ser desses Mares que se molham que molham e espalham as securas dos dias que nos movem. Ele também queria ser um desses mares. Percebia acordando-se para as imagens do dia, para as pessoas com seus sorrisos amarelos, para o café amargo de quem ainda não descansou os olhos.

Corpos inabitados nas imagens frias da manhã. A lentidão da luz da manhã deixando as formas irreconhecíveis. Na passada do ônibus a lentidão do tempo. A lentidão do silêncio que enquadrava para a fotografia acontecer. As imagens resistiam em sair dos seus olhos para o silêncio do esquecimento. Num nascer e morrer os olhos acabavam com a potência das imagens em segundos, ficando apenas na lembrança do silêncio Dele. Mas enquanto ele segue, as imagens seguem em movimento.


Elisandro Rodrigues

29.5.10

Te[a]m[p]o


Te amo, digo baixinho para o Tempo não escutar. Digo baixinho, pois o Tempo tem andado sacana comigo nesses últimos dias. Fico aqui parada dentro do meu quarto, imóvel para o Tempo não me ver, quem sabe assim ele sai da minha cola. Fico perdida com o Tempo atrás de mim. Ele sabe que meu tempo é diferente do dele, que é diferente de outros Tempos que andam nas ruas por aí.

Fico aqui quietinha para ver quanto Tempo tem a saudade. Não sei ainda, mas continuo a me perguntar “Quanto Tempo tem a saudade?” às vezes mudo de pergunta “Quanta Saudade tem no Tempo?”, mas acho que dá na mesma as duas perguntas, continuo aqui deitada esperando o Tempo passar.

Fico na espera do Tempo passar, para meu corpo passar pelo Tempo e eu ter tempo dentro do Tempo. Tempo para quando você chegar eu lhe abraçar, lhe sentir, lhe olhar. Eu sei que tudo tem um Tempo. Tempo do vento quando ele vem e balança as folhas das árvores. Tempo do balanço balançar com o vento que passou no Tempo e o embalo ficou. Tempo do balanço parar das folhas caírem.

Enquanto fico aqui deitada penso que o Tempo e o Vento são amigos, pois o Tempo não passa só o vento no meu rosto que passa, toca como se fosse um véu. Contemplo o céu sendo tocada pelo vento e é nesses momentos que sinto que o meu Tempo e o seu Tempo estão juntos, sincronizados lado a lado no mesmo espaço.

Na demora do Tempo passar agarro lembranças pelos pés desse cotidiano meu que mudou. Vejo que a percepção de tudo está disfocada e ora lenta ora descompassada no bater do ponteiro.

Minha mãe me ensinou a rezar quando criança e no desespero para que o Tempo passe oro ao relento do tempo, faço um pedido e um acordo, para que o Tempo me traga de volta o Tempo perdido, vivido e desmedido dessa saudade indelével da pessoa amada. Rogo ao Tempo para que junte nossos Tempos.

Não sei se o Tempo me escuta, mas na escuridão do quarto durmo para o Tempo passar e o novo dia nascer.



“Como o tempo custa a passar! Principalmente quando venta. Parece que o vento maneia o tempo...” (Erico Veríssimo – O Tempo e o Vento)

Ele estava sentado naquela sala branca e vazia. Vazia estava sua alma dentro daquela sala. Ele esperava. Esperava olhando as duas portas impacientemente. As duas portas permaneciam fechadas assim como sua alma. Alma branca, vazia e fechada. O frio do vazio e do branco entrava por sua pele e o deixava mais desconfortado, sentia os ossos gelados. Ele se sentia como aquela sala. Enquanto os ponteiros dos segundos demoravam horas para passar deixava seus pensamentos soltos na velocidade da luz, cada segundo era como se ele pensasse por mil vidas.

Cada recordação enchia aquela sala vazia. Deixava o branco das paredes coloridos, como se tivesse jogado latas de tinta no ventilador de teto. Cada lembrança era confortante, mas desaparecia de segundo em segundo trazendo o momento presente e o vazio a tona novamente. O tempo não passava e a espera aumentava a angustia. Desenhou um relógio com caneta bic em seu pulso, mas sem ponteiros e saio da sala branca vazia para o dia frio e seco a procura do Tempo e de Maria.

Elisandro Rodrigues e Vanessa Lopes



"...e por falar em sexo quem anda me comendo é o tempo
na verdade faz tempo mas eu escondia porque ele me pegava à força e por trás

um dia resolvi encará-lo de frente e disse:
tempo se você tem que me comer que seja com o meu consentimento e me olhando nos olhos
acho que ganhei o tempo
de lá pra cá ele tem sido bom comigo
dizem que ando até remoçando."

Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento