22.11.10

Dentro de nós


Fora de nós o mundo gira. Dentro de nós o mundo ventila.

Menino entrando no ônibus cara feliz, aparentando uns 12 anos, conversando com o motorista e cobrador, ao seu público se dirige mais alegre ainda “bala ou mandolate”.

Processo de democracia ou a grande ilusão de uma esperança que aparecera carregada pelo vento e a dúvida que permanece “o dia de amanhã será diferente”.

Pessoas caminhando no vai e vem da cidade. O termômetro marca 34º e 12:33. Conversas triviais sobre roupas expostas nas vitrines e o futebol do final de semana “e o Grêmio está no G4”.

A difícil dialética entre permanecer e sair fora. A tênue linha que separa um abismo do outro.

No palco artistas retratando a vida que se passa lá fora, no cotidiano das ruas da metrópole, suas danças e ações des[re]velam a pergunta “onde vivemos? Dentro ou fora?Ou foradentrodentrodota?”.

O amor que carrega na brisa o doce perfume de uma história do “começo ao fim” tatuando passantes na alma.

O cantor e sua trupe empolgam a plateia com sua arte e a delicadeza de um mundo paralelo onde nos canta “as horas vão passando e o dia vai chegando ao fim, mais um dia, outro dia, mais um dia pra viver, pra viver, pra viver....Andando sozinho pelas ruas da cidade...”

Uma Secretária de Saúde amplia o fingimento, se mostrando a maior atriz, mente para o povo que a escuta sobre sonhos e novos dias. O povo à escuta, mas suas bocas estão amordaçadas.

A pessoa rodeada por espíritos e vozes “eu to bem, ela não precisa de atendimento...não ela não pode sair para fora de casa existem muitos ladrões...fica quieta você não vai sair....”.

Será que a luta por tantas utopias e a bonitezas choverá no tempo da semeadura germinando as sementes de um novo possível?

As pessoas passam caminhando para seus dentros e eu encosto a cabela na janela do ônibus e me recolho no meu devir fora vendo passar o frágil emaranhado de teceturas.


Elisandro Rodrigues

(Texto escrito dentro do ônibus, logo após deixar a Sala Qorpo Santo, pensando nas muitas reflexões que a peça Fora de Nós, com direção de Kalisy Cabeda, proporciona. Para saber mais http://mostradad.blogspot.com)

Um comentário:

Martina disse...

Que bom Elisandro! A intenção era mesmo de viajar de fora pra dentro...

Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento