17.10.09

Ame Ela




“Há um nome Levado no Vento. Palavra. Pequeno rumor entre a eternidade e [o momento.” (Cecília Meireles)
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Es[voa]çando no tempo vai o seu nome. No tempo de minha memória vibrátil. Assim pensava o menino dos botões ao lembrar dos catagiros da menina. Menina que com um corpo de liberdade e de res[ins]piração – “só enquanto eu respirar..” – levou o menino ao gozo muitas vezes. Corpo onde o tato fez caminho, onda a língua lambu[Go]zou de prazer. Dança dos corpos no vento do amor. Nas funduras e alturas da alma o gosto de chocolate go[la]tejando num [re]puxo de brincar abrindo-se ao êxtase e ao sentir a beleza escondida nos pequenos gestos da pele ao capturar fotogramas musicais das gotas de suor.
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Na escuta da reza a saudade e a vontade de ver-te a prese[ausência]nça-au[presença]sência de habitar no corpo desejante da menina do catagozos.
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Cantigas de roda o vento me traz. Mosaico de sons e de palavras que se formam na tempestade que aduba os jardins. A alegria de florir na saliva da menina. A alegria de abrir-se nas pernas da menina. A alegria de partilhar nos fluidos corporais poemas sem palavras sem sons sem vozes poemas de silên[ausênciapresença]cio.
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No bolso da alma e do corpo botões. No bolso da calça uma bicicleta que leva ao vento recados e palavras sem[com]sentido através dos botões do [in]vento. Voam[am] as raízes da árvore do menino. Entrela[bra]çam-se nas asas de um sonho de estranhe[bonite]za vivido por essas crianças.


Elisandro Rodrigues

6.10.09

Dar língua para afetos que pedem passagem.


“Na falta de luz pegue uma vela, lápis, papel e percorre-os”. Foi o que ela disse e foi o que ele fez. A noite havia se pronunciado há tempos, assim como a chuva trazida pelos ventos. Dentro de casa, na penumbra das velas, ele havia permanecido deitado, escutando os sons da chuva e do vento esperando a luz voltar. Mas ela não voltaria tão cedo.

O sono não vinha, ainda era cedo o relógio do celular marcava 19 horas, sem luz o que fazer? Vagueou pelos cômodos da casa silenciosa a procura de algo que o entretece. A bateria do notebook durou apenas uma hora, deixando o filme que assistia pela metade (Os amantes do circulo polar). A bateria do celular estava no fim, ele apenas ligava de tempos em tempos para ver a hora. Caminhou até a porta, abriu-a e deixou o ar da noite chuvosa entrar. Ficou um tempo a observar as formigas que subiam pelo cabo da televisão e da internet.

Nesse momento de distração o sopro dela entrou. Percorre-os. Percorrer a vela, o lápis e o papel. Assim ele ficou: com uma vela acessa a sua frente, um lápis em sua mão e seu pequeno caderno sob a mesa. Não sabia como percorrer. Se ela tivesse dito como fazê-lo.

Meditou sobre a vela, sobre a luz que ilumina e viaja tão rápido, mais rápido que o vento. Lembrou-se de sua infância, das muitas velas que iluminaram a casa onde passará sua adolescência – uma cidade do interior onde a luz elétrica não havia chegado. Deixou a memória aberta as imagens: músicas, filmes, sensações, o rosto dela iluminado por uma vela. Fazia pouco tempo que tinha visto aquela imagem: ela e a vela. Fazia pouco tempo que o lápis percorria páginas e páginas falando sobre a paixão intempestiva de um menino do catagiro e a menina do botão. Para a luz e para o vento isso era apenas milésimos de segundo, mas para ele era muito tempo.

Na mente mil e uma idéias para filmes, documentários, músicas, livros, mas o papel em sua frente continuava branco como a neve. O papel aceita tudo o que se escreve nele, como o corpo aceita o toque com desejos de paixão. Pensando no corpo dela percorreu a folha com o lápis, assim como suas mãos percorreram o corpo dela.

Toque. Rápido. Lento. Carinhoso. Desejoso. Amoroso. Com tesão. Com surpresa. Descobrindo e mapeando. Tecendo e cosendo novidades. A pela macia das coxas. As mãos que acariciavam o corpo como um jardineiro acaricia a terra preparando o jardim de flores amarelas e laranjas. Um jardim de prazer.

Umbigo. Seios. Bunda. Braços. Cabelos. Rosto. Cada toque repassado vagarosamente na folha, construindo uma gramática corporal, uma linguagem entre mãos e corpo, a cartografia corporal deles. Toque. Lábios. Sabor que encanta e canta. Que vicia. A língua que percorre o corpo como as mãos, sentindo o gosto doce do desejo. Se detêm aqui e acolá – nos seios fonte de ternura, amor e paixão – nas mãos que acariciam o corpo alheio. A língua, as mãos traçam caminhos corporais, como o lápis cria linhas por onde passa.

Corpo território sagrado. Papel palavra que se encarna no corpo – corpo encarnado de poesia, de amores, de utopia, emanações do corpo vibrátil, de bonitezas de um jardim colorido, do devir de um novo amanhecer. Amanhecer na cartografia corporal, nos beijos e suspiros de paixão – os olhos cansados que não se fecham - a vela em sua frente dança construindo figuras no papel agora rabiscado e colorido.

A vela chega ao final lentamente e o papel – jardim colorido dos desejos – tessitura/tecitura única: paixão e toque – sabor e vento – flores e suor – beijos e palavras- suspiros e abraços. O papel antes branco agora vive com memórias do menino dos botões e da menina do cataventos.

O lápis adormece ao lado da folha reinventada moldados pela luz fraca da vela que se apaga lentamente dando seus últimos beijos no colorido do jardim dos amantes, dando passagem aos afetos.

P.S: Depois de devorar – ou ter sido devorado, por estas palavras chega em minhas mãos e ao meu corpo um livro – há tempos esquecido na prateleira e ainda não lido completamente – da Suely Rolnik “Cartografia Sentimental”, ao ler me deparo com o conceito de Cartógrafo Antropófago, onde o mesmo da língua para afetos que pedem passagem.

“Como toda cartografia, ela foi se fazendo ao mesmo tempo que certos afetos foram sendo revisitados (ou visitados pela primeira vez) e que um território foi se compondo para eles...” (Do livro)

Elisandro Rodrigues

5.10.09

Me vestindo com cores e músicas

(Imagem de Andre Neves - http://confabulandoimagens.blogspot.com)

Olho para fora pela janela de minha alma. Vejo os jardins e as árvores floridas. Melodias e vozes saem dos botões de flor ao se abrirem. O mundo é uma melodia harmônica. O vento tece teias ligando notas e arranjos num ser intempestivo. A maioria das notas se perdem aos ouvidos humanos, o ar é poluído por sons de carros, de gente falando, de músicas e sons produzidos por batidas e pisares. O som do mundo, da natureza se junta ao som produzido pelos homens e mulheres no seu dia a dia. É preciso escutar com outros olhos, abrir os ouvidos aos sons e o corpo a música.

No pulsar do coração o menino escuta o que se passa lá fora, pela janela entram os sons do cotidiano: um cachorro latindo, passarinhos cantando, uma dona de casa lavando a casa, um carro passando, uma ambulância, o vento nas árvores, as abelhas zunindo, as flores caindo, os passo no chão. Tudo é música ao ouvido. O menino escuta longe. Escuta o mar, escuta a areia, escuta a chuva molhando a terra e as flores se abrindo. Mais longe ainda escuta o coração da menina.

O menino escuta isso por que tem um botão na orelha, e do lado o catavento a girar trás os sons propagados pelo vento. No jardim do menino nenhum som se perde, as melodias e as vozes são captadas pelos quatro buracos do botão, juntas se transformam na música deles – do botão e do catavento, colorindo assim as imagens e os movimentos antes cinzas de um mundo que não ouve com os olhos.

O vento leva as bolhas de sabão abrindo as flores ao passar e regando as sementes no chão. No intempestivo que vem um devir de boniteza se espalha pelo mundo fazendo sorrir um menino com um botão e uma menina com um catavento.

Elisandro Rodrigues

Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento