5.10.09

Me vestindo com cores e músicas

(Imagem de Andre Neves - http://confabulandoimagens.blogspot.com)

Olho para fora pela janela de minha alma. Vejo os jardins e as árvores floridas. Melodias e vozes saem dos botões de flor ao se abrirem. O mundo é uma melodia harmônica. O vento tece teias ligando notas e arranjos num ser intempestivo. A maioria das notas se perdem aos ouvidos humanos, o ar é poluído por sons de carros, de gente falando, de músicas e sons produzidos por batidas e pisares. O som do mundo, da natureza se junta ao som produzido pelos homens e mulheres no seu dia a dia. É preciso escutar com outros olhos, abrir os ouvidos aos sons e o corpo a música.

No pulsar do coração o menino escuta o que se passa lá fora, pela janela entram os sons do cotidiano: um cachorro latindo, passarinhos cantando, uma dona de casa lavando a casa, um carro passando, uma ambulância, o vento nas árvores, as abelhas zunindo, as flores caindo, os passo no chão. Tudo é música ao ouvido. O menino escuta longe. Escuta o mar, escuta a areia, escuta a chuva molhando a terra e as flores se abrindo. Mais longe ainda escuta o coração da menina.

O menino escuta isso por que tem um botão na orelha, e do lado o catavento a girar trás os sons propagados pelo vento. No jardim do menino nenhum som se perde, as melodias e as vozes são captadas pelos quatro buracos do botão, juntas se transformam na música deles – do botão e do catavento, colorindo assim as imagens e os movimentos antes cinzas de um mundo que não ouve com os olhos.

O vento leva as bolhas de sabão abrindo as flores ao passar e regando as sementes no chão. No intempestivo que vem um devir de boniteza se espalha pelo mundo fazendo sorrir um menino com um botão e uma menina com um catavento.

Elisandro Rodrigues

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Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento