26.8.09

"Se entregar ao caos para extrair nova existência..."




(Achei interessante compartilhar partes de um texto de uma de minhas aulas. Boa leitura, no final link para acessar o texto)

Também utilizarei um outro recurso expressivo para a brevidade da exposição: uma metáfora. A situação de encontro entre dois corpos que irei analisar deve ser a mais prosaica, universalmente experimentada e reconhecida por todos nós: a “paquera” (o flerte - flirt). Para não perder a pompa acadêmica, eu denominarei minhas análises de “teorema da paquera”.
Num primeiro instante, fulminante, temos o chamado “amor à primeira vista”. Os corpos experimentam, neste caso, um estado de paixão “passiva” (logo ficará mais claro o que isso quer dizer) e estamos sob o domínio da imagem do outro, da impressão que ele nos causa, das afecções que ele imprime em nosso corpo. No caso, uma boa, uma ótima impressão. Experimentamos, em termos espinosanos, um afeto aumentativo, um sentimento de aumento de nossas potências ou, dito de outra forma, um aumento de nosso desejo, de nosso apetite, que se nutre da convicção de que aquele outro corpo nos convém. Mas até aí, também em termos espinosanos, estamos no reino do “conhecimento vago”. É claro que os espíritos mais “apaixonados” sempre dirão estarem seguros de terem encontrado seu par perfeito, seu amor eterno, mas sabemos que tais verdades só se confirmarão a posteriori...
Do mesmo modo que Espinosa chama esse “conhecimento vago” (ou imaginativo) de conhecimento de primeiro gênero, podemos chamar as relações sustentadas por tais vínculos de uma relação de primeiro gênero.
Continuando nossa novela amorosa, é possível que, com alguma sorte, aquele encontro que despertou paixões intensamente positivas (ainda que “passivas”) se prolongue. Podemos, por exemplo, marcar um novo encontro, combinar uma saída, quem sabe um jantar a dois, de preferência uma oportunidade qualquer para conversar. Sem querer homogeneizar toda uma diversidade de estilos possíveis de paquera, creio não incorrer em graves reducionismos ao fazer algumas generalizações sobre o conteúdo mais habitual destas primeiras conversas. Os enamorados tendem, em seus primeiros encontros, a explorar o que têm em comum ou o que irei chamar de “zona de comunidade”:
- Você gosta de comida japonesa? Puxa, eu também adoro!
- Não me diga que você gosta dos filmes do Hal Hartley? Incrível! Eu nunca conheci alguém que também gostasse... Só falta você dizer que também gosta de Tarkovski... Não acredito!
- Você também não suporta televisão? Nossa, a gente tem tudo a ver...
Se alguém duvida desta fórmula da paquera, basta imaginar os efeitos de uma situação exatamente inversa, em que não descobríssemos qualquer “zona de comunidade” com aquele que, à primeira vista, despertou nosso interesse. Sairíamos do encontro provavelmente bastante frustrados ou, no mínimo, com uma enorme incerteza a respeito do futuro daquela relação. Paixões violentas não se extinguem diante desta decepção, mas já começam a prometer turbulências.
Na nossa novela, entretanto, a paixão que se acendeu ao primeiro olhar só continuou a crescer mais e mais, na medida em que descobrimos a amplidão de nossa “zona de comunidade”, na medida em que descobrimos que aquele corpo realmente nos convém. Experimentamos esta nova paixão como um aumento ainda maior de nossa alegria, um aumento de nossa potência, de nosso desejo e apetite de vida. Mas, sobretudo, ela vai deixando de ser uma paixão “passiva” e progressivamente vai se tornando uma paixão “ativa”, isto é, descobrimos, pelo conhecimento recíproco, que estamos realmente diante da possibilidade de entrarmos, conjuntamente, na posse dessa potência de vida e experimentarmos afetos de alegria consistente. Saímos deste encontro rindo à toa. Com esse riso gratuito, essa espécie de excesso ontológico que é o riso dos enamorados...
Segundo Espinosa, já adentramos o reino do “conhecimento adequado” ou do conhecimento de segundo gênero, que é o conhecimento das “noções comuns”, o conhecimento daquilo que nos outros corpos nos convém. Esse conhecimento, quando é buscado conjunta e reciprocamente numa relação, abre a possibilidade de uma relação de segundo gênero.
Nesse sentido, conquistar a confiança, por si só, já é um logro. É não apenas a experiência de uma grande alegria, mas uma potência capaz de sustentar as dificuldades maiores de uma relação. Sim, porque há outras conquistas, maiores, a se realizar numa relação...
A “zona de comunidade”, isto é, a descoberta daquilo que nos outros corpos convém ao nosso, é apenas o primeiro patamar de uma relação consistente. Naturalmente, por mais raro que tenha se tornado, este ainda é o patamar mais fácil de alcançarmos e aquele que, talvez, nos dará a força necessária para conhecer o que é mais difícil: aquilo que nos outros é diferente e corresponde a sua “zona de singularidade”. Porque é preciso uma potência ainda maior para se conhecer, nos outros corpos, aquilo que não nos convém.
Esse é, para Espinosa, o conhecimento de terceiro gênero ou conhecimento das “essências singulares”. Relação de terceiro gênero.
Voltando a nossa metáfora amorosa – já abandonando a fase da paquera e partindo para a possibilidade de uma relação duradoura -, sabemos o quanto essas paixões iniciais, mesmo que medianamente “ativas”, isto é, mesmo que já fundadas no (re)conhecimento de uma “zona de comunidade”, por mais ampla que seja, por mais fortes que sejam os afetos de confiança que daí decorrem, não são sempre suficientes para garantir que nós saberemos lidar com as diferenças, com o que no outro eventualmente não nos convém. Por isso, não raramente, quando decidimos encarar a possibilidade de fazer esta relação perdurar, fazemos um “contrato”. E sabemos que os contratos começam onde a confiança termina... Os contratos podem ser vistos como próteses sociais de uma confiança perdida ou que jamais existiu. Ora, isso não quer dizer que quando vamos a um cartório para firmar um casamento não haja mais confiança recíproca. Pelo contrário, isso geralmente acontece quando a confiança está no auge! Mas não creio que seja exagerado dizer que, na prática, só é preciso firmar este contrato porque queremos garantir que certos compromissos serão mantidos e não temos certeza que seremos capazes, até o fim, de aceitar um ao outro, em todas as suas diferenças (que certamente acabarão por se revelar, mais cedo ou mais tarde).
A partir deste ponto, em que eventualmente recorremos a um “contrato”, percebemos, de qualquer modo, que a confiança não é mais suficiente para sustentar as novas aventuras da relação. Sem ela, não teríamos chegado até aqui e ela é a própria potência, a própria força ou o trampolim que nos impulsionará mais adiante. E o que temos adiante? Não mais o que no outro se assemelha a nós. Não mais o que é facilmente reconhecível. Não mais o que no outro é, de certa forma, nossa própria imagem espelhada. Mas o que no outro é irredutível. Sua diferença absoluta. Sua singularidade radical. E é aí que começa o verdadeiro desafio da alteridade. Só aí somos verdadeiramente desafiados a aceitar o outro como um legítimo outro. Nessas novas zonas, passamos a experimentar novas intensidades, às quais fomos conduzidos pelos afetos de confiança, mas que já correspondem a novos afetos aumentativos que anunciam, por sua vez, outros modos de existência, em que nos tornamos a causa última de nossas paixões, em que entramos plenamente na posse de nossa potência. Para Espinosa, a liberdade.
E o que é esse afeto, essa paixão que nos predispõe a aceitar o outro como um legítimo outro, senão o já mencionado acolhimento?
Quando um campo de confiança se constituiu entre os sujeitos, já podemos nos mostrar para o outro com todos os traços de singularização que marcam nosso corpo e nossa alma, sem medo de sermos rotulados como loucos, fracos ou perdedores. Nota-se que há um deslizamento sutil do afeto de confiança para o afeto de acolhimento...
O momento da confiança é aquele “em que as forças de heterogeneização estão por cima, o que engendra um novo tipo de relação feito de ‘respeito, admiração e confiança’...” Esse “outro tipo de relação’’ é, na verdade, “um outro modo de subjetivação, um outro mundo neste mundo. Amparar o outro na queda: não para evitar que caia nem para que finja que a queda não existe ou tente anestesiar seus efeitos, mas sim para que possa se entregar ao caos e dele extrair uma nova existência. Amparar o outro na queda é confiar nessa potência, é desejar que ela se manifeste. Essa confiança fortalece, no outro e em si mesmo, a coragem da entrega” (Rolnik, 1995).

TEIXEIRA, Ricardo - As redes de trabalho afetivo e a contribuição e a contribuição da saúde para a emergência de uma outra concepção de público. CLIQUE AQUI

21.8.09

Quando o amor se escreve nos corpos.




Ele chega em casa ela está deitada no sofá entregue ao sono. Ela está vestindo seu pijama cor de rosa com ursinhos saltitantes estampado. Ele se aproxima dela, ajoelha no chão beija sua testa e acaricia sua barriga, dentro dela a criança se mexe com o carinho. Ele beija com carinho a barriga acordando ela que o olha com ternura e paixão. “Oi amor” diz ele baixinho, “vamos deitar na cama, pegaste no sono de novo no sofá!”, “estava te esperando mor”. Ele ajuda ela se levantar devagarzinho. Por trás do pijama rosa pode-se observar a barriga de quatro meses. Ele a deita na cama lhe dá mais um beijo no nariz, na boca e na barriga. Tira a roupa. Toma um banho. E vai-se deitar do lado da mulher que a cada dia ele se apaixona mais. Apaga a luz e a abraça com paixão, ternura e carinho embalando ela e sua filha num abraço gostoso.

Elisandro Rodrigues

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

(Todas as Cartas de Amor São Ridículas – Álvaro de Campos heterônimo do poeta Fernando Pessoa)


15.8.09

Impermanência de criança...


Diz o menino para a menina:

- O meu querer é complicado de mais mas a tempestade sempre dá lugar ao sol, o vento sopra as nuvens carregadas de chuva. Assim posso voar mais alto que as nuvens e lá de cima escuto teu riso e vejo suas lágrimas molhando o travesseiro. Mas escuta menina, escuta essa poesia, escuta no pulsar do meu coração que bate por te ver aqui de cima das nuvens. Escuta menina, pois trata-se de agüentar cinco minutos e depois cinco minutos mais....


Se nem a vida dura a vida inteira
Por que o amor haveria de durar
Se sou aquilo que vejo nos teus olhos
Em teus olhos aprendi a enxergar
Naquele tempo e ainda hoje
Dentro da noite
Noite adentro amei a nossa falta mesmo de amar
Compreendendo o que duvido lembro que vivo
Vivo que amo em teus olhos aprendi a duvidar...
Se nem a vida dura a vida inteira por que o amor haveria de durar
Se sou aquilo que vejo nos teus olhos
Em teus olhos aprendi a enxergar.
Então se fez chegada a hora dos olhos teus saírem de casa
Ferido e vivido olhar
Talvez passasse em brancas nuvens o canto dos teus olhos sem véu
Muro com caco de vidro furando a barriga do céu.
Malandro é o parafuso que já nasce de cabelo repartido!

(Samba da Impermanência – Richard Serraria e Marcelo Cougo)

8.8.09

O tempo é coisa de outro mundo

“Agosto sempre chove e faz frio” pensava o velho sentado em sua cadeira de balanço. O frio do inverno se mostrava rigoroso como sempre. Cada dia que passava ficava mais difícil para aquele velho organizar o seu pensamento. Vivera uma vida com intensidade, sua memória sempre fora boa, mas nos últimos dias estava difícil lembrar. Passava o dia sentado. O colocavam na sacada pela manhã para pegar sol e a tarde no pátio junto com os outros velhos que ocupavam a casa. Havia sofrido um derrame anos atrás perdendo a capacidade de se comunicar. Quando queria alguma coisa escrevia com uma letra tremida em um pequeno bloco que carregava com ele.


Naquela tarde chuvosa e de frio ele tentava organizar o pensamento entre as poucas lembranças que vinham à tona. “E aquela menininha, como era mesmo o nome dela....com que letra começava...C, não....J....hum Gabi, isso Gabriela era o nome dela. Menininha fofa, cada vez que ia na casa dela ficava horas brincando. Que tempo bom aquele. Tempo de juventude, correria....de produção cultural. Boraimbolá o nome daquela banda. A gabi....deve ter crescido bastante. Por onde anda aquele pessoal todo????....”


As lembranças de certas pessoas o deixavam sensível. Entre uma lembrança e outra uma lágrima escorria pelo seu rosto. “Crianças...a minha priminha Dessa. Minha irmã...que falta faz a gente brincar. Todos os amigos, todos os amores.....ahhh os amores...”


Esquecidos ficam os pensamentos em nossa cabeça. Esquecido permanece o nome dela dentro do Patuá. O nome da menina mulher com quem construirá sonhos e esperanças. “...aquele beijo...o primeiro beijo meio tímido naquela festa...ou era um show...não me lembro, mas daquele beijo, daqueles lábios finos e gostosos....”

As lembranças aos poucos vão se apagando o sono começa a chegar o final da tarde. Os olhos cheios de lágrimas assim era o dia daquele velho, entre sol e frio, entre memórias e lágrimas, entre lembranças e saudades dos tempos passados.


Elisandro Rodrigues


Jogos de amar (Richard Serraria)

Durante o sono me acordo

Quando deito me levanto

Em sonos que são meus

Em sonhos que são teus

Vista do alto a cidade é um bagulho muito doido

De noite o mundo é escuro

Caminhos, carros,

postes, luzes

O tempo escorre fundo

O tempo é coisa de outro mundo

Compreendo que duvido

O anel que tu me destes não era vidro

O amor que tu me tinhas

Apenas começou

Apenas começou

Durante o sono me acordo

Quando beijo me encanto

Encantos que são meus

E lábios que são teus

Vista do alto a cidade é um bagulho muito doido

De noite cachorros latem no escuro

Carrinhos, posses,

credos, cruzes

O tempo escorre junto

O tempo é coisa de outro mundo

Compreendo o que duvido

Vista do alto a cidade é um bagulho

muito doido, vista no colo a menina tão bonita pequenina, vista no colo a

Cecília ela é a minha filha...

3.8.09

No tempo de um abraço.

Nunca contei histórias antes, eu apenas as vivencio. Na verdade algumas eu conto para meu irmão quando nos vemos uma vez por ano. Meu irmão é um bom ouvinte, mas hoje contarei uma história específica para você. Essa história aconteceu assim:

Quando cheguei perto dele, o seu peito começou a doer. Ele acordou com o coração saltando para fora, uma dor insuportável fazendo-o gritar em silêncio. Ele não entendeu nada do que se passava. Parecia que seu coração estava sendo cortado em pequenos pedaços, parecia que estava sendo ultrapassado por facas. A dor era imensa. Demorou alguns minutos para ele me notar no canto escuro do seu quarto. Ele olhou o relógio do celular, eram 3 horas da manhã.
As pessoas me percebem de diferentes formas, apareço como acho mais apropriado para a ocasião. Para ele apareci na minha forma normal, poucos me vêem assim. Eram 3 horas da manhã do dia 3 de agosto, uma segunda feira. Eu vestia uma calça e camisa preta, em meu peito o Ankh brilhava indicando quem eu era. Ele me olhou, todos me conhecem quando o fim está próximo. Ele tinha 25 anos e 43 dias, nascera no dia 22 de junho de 1984 e iria morrer naquele dia 03 de agosto de 2009. Ele me olhou fixo nos olhos e me disse:

“- Sei quem és. Sei por que estás aqui. Tenho duas perguntas para te fazer antes de ir com você, você me responderia elas?”
Disse a ele que responderia suas perguntas, se me fossem permitidas. A primeira pergunta dele foi “Do que eu morri?”. Quando chega a hora qualquer coisa causa a morte, expliquei a ele, mas a sua foi do coração. Disse que as pontadas que ele recebia não eram apenas fisgadas do nada, mas sim um problema que ele tinha que não foi tratado, sendo assim o que causou a sua morte rápida e com muita dor. Dor de um coração parando de bater aos poucos. A segunda pergunta dele tive que pensar um pouco. O diálogo que se travou foi o seguinte:

“- Você me daria mais um dia de vida?
- Por que eu te daria mais um dia de vida? Sua vida acaba de terminar, exatamente as 3 horas da manhã de um dia 03!
- Gostaria de me despedir das pessoas. Acredito que sentirei saudades de muitas coisas que já se foram e de coisas que ainda não aconteceram.
- Creio que estás certo sobre isso. Mas não posso conceder tal pedido, nunca fiz isso a ninguém, por que faria a você?
- Não sei. Quem sabe você não abre essa única exceção?
- Não posso, não tenho como fazer isso.
- Tens sim, sendo você quem é tem como fazer isso. Pode parecer tolo e acredito que muitos já pediram isso antes, mas gostaria de me despedir de algumas pessoas. Gostaria de viver o meu último dia de vida.
- E o que você faria nesse último dia de vida?
- Celebraria a boniteza da minha vida. E daria o último suspiro com um sorriso no rosto, não com a agonia que estou agora.”

Não sei por que disse sim. Não sei se foi pelo olhar que saia daqueles olhos verdes, um olhar de ternura e verdade. Senti compaixão daquela alma. Disse que sim, disse que iria acompanhá-lo naquele dia todo, pois se visse intenção de ele tentar me enganar o levaria no mesmo instante. Não precisou que fizesse isso. Acompanhei o último dia dele, que foi como ele falou uma celebração da vida. Ele não podia me ver, mas sentia minha presença.
Depois de nossa conversa ele voltou a dormir, colocando o celular para despertar às 7 horas da manhã. Mas antes de adormecer novamente me disse:

“ – Não me resta muito dela, apenas um travesseiro, seu cheiro impregnado nele e a sua ausência nessa cama grande. Mas, mesmo assim, será minha última noite ao seu lado.”

Falando isso adormeceu.
Acordou tomou um banho e saiu para caminhar. Fazia frio, as ruas estavam desertas e o orvalho caia sobre sua cabeça deixando suas roupas molhadas. As pessoas de dentro de suas casas não entendiam o que ele fazia caminhando no frio. As 8:30 ele retornou da caminhada tomou outro banho e logo após um café. Começou a ligar para as pessoas que moravam longe, como sua mãe.

“- Mãe como estás?
- Estou bem meu filho. Está tudo bem com você?
- Está sim mãe, só senti saudade e resolvi te ligar dizendo que te amo.
- Estranho você dizendo isso filho, acho que nunca tinha falado isso para mim.
- Pois é mãe, sempre quis te dizer isso, mas nunca tive coragem.”

Ele ligou para seus irmãos, amigos, e pessoas que não via há muito tempo. Todas as conversas foram rápidas, mas em todas falou do sentimento que tinha por elas. Ás 10 horas da manhã seu amigo com quem dividia a casa acordou. Ele o abraçou e mandou o se preparar pois aquele dia eles iam celebrar a vida. Seu colega não entendeu muito bem, mas como estava de férias achou que ele queria começar a semana aproveitando ao máximo. Ligou para outro amigo e reservou o bar para aquela noite. Disse que iria ter uma grande festa em plena segunda. Depois começou a convidar todos os que estavam pela cidade e que ele conhecia de um jeito ou de outro. Sabia que não iria todo mundo, mas mesmo assim convidou a todos e todas dizendo que era sua despedida e que fora chamado para um trabalho em outro estado. As pessoas sempre gostam de ir a despedidas. Passou o dia todo ligando, mandando e-mails e mensagens todos e todas deveriam estar a partir das 21 horas no Bar Disco Voador. Convidou e disse que ia pagar a festa para todo mundo. Chamou quatro bandas próximas dele: Boraimbolá, Pé de Vento, Extramuros e Circ.

Às 20 horas ele estava no bar esperando as pessoas chegarem. Lá ele falou a seguinte frase para seu amigo com quem dividia a casa:

“- Sabe, deixamos muitos pedaços de nós nos outros”.

Aquela frase ecoou dentro de mim. Muitas das frases dele ficaram em minha memória, deve ser por isso que estou contando isso a você. Às 21 horas começou a chegar seus amigos e conhecidos. Veio muita gente para a festa, todos querendo saber como e por que ele iria se mudar. Para todos contava a história que iria para outro estado, um estado muito longe, fora chamado para aplicar e desenvolver uma política de educação. A todos e todas ele abraçava e dava atenção dizendo palavras carinhosas e afetuosas. Algumas pessoas não entendiam muito o porquê, até o questionavam, mas ele apenas dizia que iria sentir saudades dela. Pessoas que ele conhecia a muito tempo, recentemente, antigos amores, antigas paixões, antigos casos amorosos, pessoas de quem não gostava, para todos ele dava atenção, carinho e afeto.
Percebi que tinha uma pessoa que ele procurava com os olhos mais do que outras. Era uma menina de pele branca, cabelos pretos, olhos de um tom meio esverdeado. Ele falara pouco com ela durante a noite, mas a buscava a todo o instante com os olhos. Todos se divertiam na festa. Ele dançou com todos e todas, brincou, abraçou e quando mais próximo estava das 3 horas da manhã do dia 4 de agosto de 2009 completando suas últimas 24 horas de vida, fechando seu ciclo de vida em 25 anos e 44 dias mais feliz ele ficava. Sua felicidade irradiava e contagiava a todos os presentes.
Quando faltavam três minutos para as três horas ele se aproximou daquela menina de quem ele não tirava os olhos a abraçou forte e disse em seu ouvido:

“-Eu te amo. Nosso tempo foi curto. Mas tenho certeza de que morrerei te amando, pois só enquanto eu respirar irei te amar.”

Ela tentou falar alguma coisa, mas sua voz foi apagada por um longo beijo, e seu último minuto de vida, seu último suspiro de vida, seu último abraço foi dela. Ele perdeu-se no tempo em um abraço.

Às 3 horas em ponto eu o toquei no ombro e ele veio comigo sem mais palavras apenas com um sorriso no rosto. Eu o abracei e o levei comigo para o lugar onde ele iria passar o resto da eternidade. Ninguém sabe onde vai passar, ninguém sabe para onde vai mas para você eu irei contar.

- Por que justo para mim?

- Pois desde aquele dia se passaram 60 anos. E naquele último abraço que ele deu naquela menina ele o abraçou também. Pedro essa é a história do último dia de seu pai.

Lágrimas rolaram pelo rosto envelhecido pelo tempo. Pedro as enxugou e me disse:

- Obrigado por me contar essa história. Minha mãe e alguns amigos dela me contaram várias histórias sobre meu pai, mas essa foi a mais bonita, como ele dizia, de uma boniteza só. Posso te perguntar uma coisa antes de me levares?

- Depois do tempo que passou me ouvindo você pode fazer qualquer pergunta?

- E para onde eu vou após morrer?

- Você irá para junto de seu pai, no mundo do meu irmão, no mundo do sonhar, no Mundo Paralelo.

Pedro olhou-me com os olhos cheio de lágrimas e em um último suspiro me abraçou.


Elisandro Rodrigues






1.8.09

...ou maus ventos!


- Ei menina o que ouve! Você está escorregando da minha mão...não me solta. Lembra-se que você me disse para não te largar nunca. Eu não vou largar, mas você não pode largar também...

- Meu menino me desculpe. Pensei que a companhia de alguém, que ser levada voar e conhecer outras coisas me faria bem, mas na verdade não. Não tenho coragem para seguir adiante. O meu medo é maior do que o meu amor. Minha insegurança me domina. Meu não saber ao certo o que eu quero me deixa presa com os pés no chão e não consigo voar.

O menino no alto das nuvens tenta segurar mais forte a mão dela, que aos poucos vai se soltando da sua.

- Não faça isso! Segure mais forte a minha mão...

- Não posso continuar assim. Se continuar a segurar sua mão irei lhe machucar, preciso soltar e voltar a achar meu caminho sozinha..

- Eu posso lhe ajudar não seja estúpida não faça isso...

- Sinto muito meu menino. Continue a voar por todo o lado carregado pelos bons ventos, pelos sons e pela música do mundo.

Dizendo isso a menina largou a mão dele. No alto das nuvens algumas lagrimas escorreram pelo seu rosto enquanto ele a observava caindo feito uma pena leve muito leve. Quando ela era apenas um pontinho na imensidão do azul do mundo ele colocou seu nariz de palhaço e voou mais alto sumindo na imensidão sentindo-se como se fosse um palhaço de um circo sem futuro e nunca mais se soube do menino com asas pequenas e da menina que ficava em cima da colina.


Elisandro Rodrigues

Não vá pensando que eu sou seu

Não vai pensando que só porque é inverno e eu te deixei entrar que você tem o direito de ficar.
Não desmancha a mala, não fala uma palavra, fecha a porta.
Depois eu penso se você pode ir embora...
Mas agora, me aqueçe.

Ana Paula Rocha*
*Post publicado por no blog da http://annamaiarocha.blogspot.com/, taduziu o que pensava nesse dia.

"Você me tem fácil demais, e não parece capaz de cuidar do que possui. Você sorriu e me propôs que eu te deixasse em paz, me disse vai e eu não fui. Não faça assim, Não faça nada por mim.Não vá pensando que eu sou seu. Não faça assim,Não faça nada por mim.Não vá pensando que eu sou seu./ Você me diz o que fazer, mas não procura entender que eu faço só pra te agradar. Me diz até o que vestir, com quem andar e aonde ir, e não me pede prá voltar. Não faça assim, Não faça nada por mim. Não vá pensando que eu sou seu. Não faça assim, Não faça nada por mim.Não vá pensando que eu sou seu."
(Paula Toller/ Herbert Vianna- Nada por mim)

Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento