8.8.09

O tempo é coisa de outro mundo

“Agosto sempre chove e faz frio” pensava o velho sentado em sua cadeira de balanço. O frio do inverno se mostrava rigoroso como sempre. Cada dia que passava ficava mais difícil para aquele velho organizar o seu pensamento. Vivera uma vida com intensidade, sua memória sempre fora boa, mas nos últimos dias estava difícil lembrar. Passava o dia sentado. O colocavam na sacada pela manhã para pegar sol e a tarde no pátio junto com os outros velhos que ocupavam a casa. Havia sofrido um derrame anos atrás perdendo a capacidade de se comunicar. Quando queria alguma coisa escrevia com uma letra tremida em um pequeno bloco que carregava com ele.


Naquela tarde chuvosa e de frio ele tentava organizar o pensamento entre as poucas lembranças que vinham à tona. “E aquela menininha, como era mesmo o nome dela....com que letra começava...C, não....J....hum Gabi, isso Gabriela era o nome dela. Menininha fofa, cada vez que ia na casa dela ficava horas brincando. Que tempo bom aquele. Tempo de juventude, correria....de produção cultural. Boraimbolá o nome daquela banda. A gabi....deve ter crescido bastante. Por onde anda aquele pessoal todo????....”


As lembranças de certas pessoas o deixavam sensível. Entre uma lembrança e outra uma lágrima escorria pelo seu rosto. “Crianças...a minha priminha Dessa. Minha irmã...que falta faz a gente brincar. Todos os amigos, todos os amores.....ahhh os amores...”


Esquecidos ficam os pensamentos em nossa cabeça. Esquecido permanece o nome dela dentro do Patuá. O nome da menina mulher com quem construirá sonhos e esperanças. “...aquele beijo...o primeiro beijo meio tímido naquela festa...ou era um show...não me lembro, mas daquele beijo, daqueles lábios finos e gostosos....”

As lembranças aos poucos vão se apagando o sono começa a chegar o final da tarde. Os olhos cheios de lágrimas assim era o dia daquele velho, entre sol e frio, entre memórias e lágrimas, entre lembranças e saudades dos tempos passados.


Elisandro Rodrigues


Jogos de amar (Richard Serraria)

Durante o sono me acordo

Quando deito me levanto

Em sonos que são meus

Em sonhos que são teus

Vista do alto a cidade é um bagulho muito doido

De noite o mundo é escuro

Caminhos, carros,

postes, luzes

O tempo escorre fundo

O tempo é coisa de outro mundo

Compreendo que duvido

O anel que tu me destes não era vidro

O amor que tu me tinhas

Apenas começou

Apenas começou

Durante o sono me acordo

Quando beijo me encanto

Encantos que são meus

E lábios que são teus

Vista do alto a cidade é um bagulho muito doido

De noite cachorros latem no escuro

Carrinhos, posses,

credos, cruzes

O tempo escorre junto

O tempo é coisa de outro mundo

Compreendo o que duvido

Vista do alto a cidade é um bagulho

muito doido, vista no colo a menina tão bonita pequenina, vista no colo a

Cecília ela é a minha filha...

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Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento