9.3.11

Brincando com o tempo

O fluxo que nasce entre os nossos corpos hoje tem um nome: saudade. A saudade dos corpos juntos. A saudade que pode ser resolvida atravessando uma rua, pegando um ônibus, na ligação ou na mensagem no celular. A saudade aumenta com o tamanho da distância. Nessa lonjura toda a saudade encharcou todo meu corpo e não tem lugar para jorrar. Me faço então esponja para poder absorver toda hora essa saudade que se derrama do meu encharcamento diário.

Para diminuir a vontade de você nos meus braços fiz amizade com o tempo. Assim como o menino de cabelos loiros que cativou a raposa, cativei-me no tempo, e o tempo me cativou. Na espera dos segundos a brincadeira. Na brincadeira um voo que lança a horas, na entrega ao tempo os minutos e dias diminuem aproximando seu corpo e seus lábios dos meus.

No cheiro da chuva que molha a cidade a vontade de compartilhar a noite e o sono ao seu lado. Os ventos que brincam de rodopiar roupas encantam os olhos e perfumam o tempo da brincadeira chamada espera. Nos olhos do coração a poesia que nasce do chão e se esparrama num corpo encarnado fazendo a memoria corporal se ativar: seu tato no meu corpo, seu desejo no meu, o tempo da dança do silêncio – [nas pernas do silêncio dançamos].

Com o tempo brinco, na espera pela brincadeira [com]partilhada com você [voo um pouco mais ao seu encontro].

As flores na mesa nascem todo o dia criando jardins a sua espera...

Elisandro Rodrigues

Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento