1.8.08

Fazia tempo que ele não sonhava mais. Suas noites eram banhadas a suor, mal dormidas. Sem sonhos, nem pesadelos. Tudo era um vazio do deitar ao acordar. Certa noite ele teve um sonho rápido com um céu estrelado. Achou estranho somente sonhar com aquela imagem, somente isso e mais nada. Duas noites depois sonhou com uma menina, mas ela estava de costas, não conseguia ver seu rosto somente o cabelo. Cabelo que escorria pelos ombros, meio ondulados e com cores claras-avermelhadas. Na noite seguinte sonhou com um menino, menino este que parecia ser ele, estava olhando para cima como se vise a imensidão do infinito. No quinto dia sonhou com o céu a menina e o menino: o menino olhava o céu cheio de estrelas, a menina do outro lado, de costas para o menino observava o mesmo que ele. Ambos estavam separados por um abismo que ao mesmo tempo os deixava próximos no meio da imensidão das estrelas. Parecia que os dois pertenciam ao céu e aquele mundo de estrelas.

Nas próximas noites até o fim de sua vida não sonhou com mais nada. A única imagem que aparecia em seus sonhos eram as estrelas.



Elisandro Rodrigues

Agosto de 2008


Aqui (Ou Memórias do Cárcere)

Cordel de Fogo Encantado

Vou
Vou pregar na parede
Um pedaço de céu
Que você me mandou

Vou buscar outra constelação
Entre a noite que vai
E o dia que vem
Eu canto aqui
Eu olho daqui
Eu ando aqui
Eu vivo
Canto aqui
Eu grito aqui
Eu sonho aqui
Eu morro...
(morro)
Vou
Vou riscar no meu braço
Um pedaço de mar
Que você me deixou
E criar outra recordação
Do primeiro lugar
Que acordei pra te ver
Eu canto aqui
Eu olho daqui
Eu ando aqui
Eu vivo
Canto aqui
Eu grito aqui
Eu sonho aqui
Eu morro...
(morro)

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Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento