28.7.08

P.S: Um primeiro último beijo
“Cuida de mim enquanto não esqueço de você
Cuida de mim enquanto finjo que sou quem eu queria ser.
Cuida de mim enquanto não me esqueço de você
Cuida de mim enquanto finjo, enquanto finjo, enquanto fujo.”
(Teatro Mágico – Cuida de mim)
Ele a encontrou mais três vezes, desta vez nada por acaso. Na quarta vez que a encontrou combinou de passar na casa nova visitar ela. Nesta visita ele a encontrou com “roupas de mudança”, mas a achou bonita como das outras vezes. Achou mais carinhosa também. Ele sentiu algo estranho dentro dele, como se a paixão começasse a aumentar aos pouquinhos. Ao chegar em casa ele fez um presente para ela. Com papel e cola criou um mosaico de imagens e palavras, no final do trabalho achou que ela ia gostar.
Nos próximos dias sem a ver não conseguia parar de pensar nela, mandava mensagens e ligava para ela todo o dia. A quinta vez que se viram ela combinou de encontrar ele. Ela se atrasou e na espera dele muitas vidas nasceram e morreram. Mas ela chegou. Em um encontro atípico e estranho os dois foram andar de ônibus, numa ‘indiada a zona sul’ da cidade. Atravessaram o tempo conversando sobre a vida e o significado das coisas na vida. Neste momento ele a percebeu uma menina mulher, com uma história de vida tão grande quanto a dele. Mas a noite não chegou no fim. Depois de cansarem de passear pela cidade dentro de um ônibus foram comer e tomar vinho. Dentro do copo a encontrou frágil e lhe deu um abraço, dentro da comida (escondidinho) a encontrou humana cheia de sentimentos.
Mas a noite ainda não havia terminado, tinha ainda muitas horas para se passarem, e forma horas de calor humano, de abraços gostosos, de brincadeiras no meio da rua, de falar que o beijo pode não desencantar o sapo, de se prazeriar com um gatinho e por fim dormirem juntinhos novamente. Na sexta vez que se encontraram foi na casa dela, a casa ainda uma bagunça com a mudança dela. Ele levou o presente: um mosaico cheio de imagens e palavras. Ela gostou e ficou feliz. Ele ajudou a arrumar a casa. Depois sentaram e conversaram. Ambos sabiam que este era o ultimo encontro. Seus corações já diziam isso, por mais que a esperança florescesse em ambos.
Neste último encontro eles trocaram confissões, temores e medos. Ele percebeu que a vida sempre prega peças, principalmente quando tudo está perfeito. Eles conversaram, beberam, se abraçaram e por fim deram-se o primeiro e último beijo. Beijo este que o levou as alturas e o fez xingar, blasfemar e amaldiçoar o mundo, ao mesmo tempo em que se sentiu leve, sereno, satisfeito, apaixonado. Mas ambos entendiam que o mundo queria que ambos seguissem caminhos diferentes, não entendiam e nem mesmo compreendiam por que, mas aceitaram os caminhos que os deuses haviam escrito. Ele ficou como uma flor à espera da borboleta para beijar e acariciar suas pétalas. Ela voou como uma borboleta, levando a beleza de sua cor e seguindo os ventos.
Ele no final de tudo compreendeu uma coisa: que no meio da mudança dela foi ele que se mudou.
Elisandro Rodrigues
Julho de 2008 - Como flor esperando...

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Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento