8.9.08

O sagrado

Era noite. Estavam sentados na mesa do bar. Na parede quadros de santos,um quadro da primeira ceia divida em vários quadros, imagens de Santos e Santas. Não era de se esperar que o nome do bar fosse Santíssimo. Estava meio vazio. Em cima da mesa via-se uma garrafa de vinho, uma garrafa de água e quatro copos, dois para a água e dois para o vinho. Havia uma vela em cima da mesa, o ambiente todo era agradável e propício o momento em que ambos estavam. Ela levantou-se e foi ao banheiro. Ele ficou pensando nas palavras e no sentido delas.

Estava em um ambiente quase religioso, sagrado, o momento também era sagrado. Momento de partilha, de comunhão, de troca. Ficou recordando o tempo em que estivera no seminário as palavras partilhar e comunhão eram muito utilizadas. Comunhão vinha do Latim: ato de comungar o sacramento da eucaristia. Podia ser uma comunidade de crenças religiosas, uma assembléia de pessoas. Um regime de casamento. Mas na verdade a palavra comunhão remetia a muito mais, remetia a vivenciar algo junto. Partilhar. Partilhar é dividir em partes, repartir. Compartilhar: participar de alguma coisa, ou tomar parte em algo. Todos estes significados estavam nos dicionários pensou ele.

Mas como diz a música “Nem toda palavra é aquilo que o dicionário diz ...”. Compartilhar o ar que respiro quer dizer mais do que está no dicionário. Quer dizer compartilhar o beijo, o abraço, o aperto de mão, o carinho, uma caminhar, uma vida, um sonho. Compartilhar o ar que respiro quer dizer muito mais do que pensamos em fazer é ter algo sagrado. Pensando isso ele se deu por satisfeito. Ela estava voltando do banheiro. Deu um beijo nela, compartilhou o mesmo ar, e lhe disse 'sonho parece verdade quando estou ao seu lado'. Os dois permaneceram ali por mais um bom tempo. Comendo morango com chocolate, tomando vinho e partilhando a vida.

Elisandro Rodrigues
Setembro de 2008.

Um comentário:

Anônimo disse...

A arte imita a vida
pode parecer pouco, mas não o é.
como quando ele me lê, assim
meio devagar, meio
nas entrelinhas que
não encaixam em tempo algum..
te conheço, me conheces
o suficiente para parecer
que convivemos há uma eternidade.
ainda bem que meus passos me colocaram no teu destino!

Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento