19.9.08

Metamorfoseou


Aos poucos o sol ia se pondo. Aos poucos o dia dava adeus a mais um dia e mais uma noite começava detro de outra noite. Todo o dia termina e recomeça novamente. A vida dela era assim, um dia após o outro, um segundo atrás do outro. Cotidiano tedioso, doloroso. Ela não queria mais aquilo. Não sabia como fugir de dentro da redoma em que vivia. Estava decidida a tempos mudar. Mas não mudava, a acomodação sempre batia a porta quando ela estava prestes a sair. Tinha que ficar, era sua casa, suas coisas, sua vida, seus amores brutos. Ficava, fazia sala para a acomodação, servia café, chá, bolos, seus desejos ficavam dentro da xicará de café. O medo não permitia ousar.
Era sempre assim. Nunca conseguia ir até o final. As loucuras que a acompanhavam logo se cansavam de esperar, acabavam desistindo dela. Como conviver com o desejo da loucura, da desacomodação. Suas asas estavam atrofiadas. Desaprenderá a voar e a caminhar nos céus. O cotidiano a domesticou. Lembrava de quando era criança, das brincadeiras, dos sonhos, das corridas e ds tombos, da liberdade de sentir-se voado. Sempre foi a mesma. Mas aquilo não era ela. Nos seus sonhos ela podia se ver como era de verdade. Tinha asas e voava por todos os lados espalhando perfumes, encantando, brincando com gatos e flores. Brincando com meninos e meninas.
Não se lembra do que aconteceu a seguir. Lembra apenas de acordar em outro lugar, num campo de flores. Estava na frente da porta novamente, quando ia abrir a campainha toca. Ela para, larga a mochila no chão. Olha para o trinco. Dá um passo em direção contrária e sai correndo. Pulou a primeira janela aberta. Metamorfoseou. Não sabia o que tinha acontecido. Percebe suas asas, percebe seu sorriso, percebe seu coração batendo mais forte. Percebe o horizonte a sua frente. Teve vontade de sair correndo ao seu encontro, ou voar devagarinho. Percebe um medo que não tem mais, os medos foram embora, bateram asas e voaram. Ela também bateu asas e foi voar para brincar com um menino que soprava bolinhas de sabão.


Quando ela dorme em minha casa (Zeca Baleiro)
Quando ela dorme em minha casa

O mundo acorda cantando
Quando ela dorme em minha casa

O mundo acorda cantando

Sonhos de lata e de rosas

Gritam no silêncio branco do muro

Com o futuro em suas asas
Ela se vai

Ela se foi

E esses versos são lamentos
Que eu deixo nas calçadas
Canções que inventam pedras sobre a fome

Aí escreverei teu nome
No azul do firmamento
Onde a dalva apareceu

Elisandro Rodrigues
19 de Setembro de 2008
(imagem do CD Transfiguração do Cordel de Fogo Encantado)

Um comentário:

Anônimo disse...

MEU DÉSPOTA
Ele é tão fraco quanto um fraco pode ser.

Ele me açoita por dentro, me fadiga.

Exige espaço, silêncio, comida, comforto.

Noites bem dormidas, lazer, cócegas, duchas, prazer.

Meu corpo é tão mimado quanto um corpo pode ser.

Nicole Louise

Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento