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(imagens blog da Ana - http://www.anaterrailustra.blogspot.com/ e Elma - http://tempodeternuras.blogspot.com/)
O menino chegou em casa. Largou a mochila em cima da cama. Tirou as roupas de dentro dela. Retirou os livros. Algo metálico caiou no chão. O menino pegou o objeto de baixo da cama. Um objeto metálico todo colorido. Não conseguia distinguir o que era. Parecia um baldezinho minúsculo. Tampa de alguma coisa. Não conseguia entender. Olhou para os livros perto de um deles estava um pequeno cartão. Nele estava escrito em letras pequenas e bem desenhadas com caneta vermelha ‘...uma coisa que podemos partilhar sem medo é a fantasia. E essa é a expressão pura dela. Amor é dedal procurando mão...’. Algumas lagrimas rolavam rosto abaixo. Lagrimas singelas. Lagrimas de alegria, de felicidade, de paixão. Pegou o objeto novamente. Um dedal colorido. Um dedal para seus dedos. Para sua mão. Para seu amor. Guardou com carinho o cartãozinho e o dedal. Partilhar a vida. Partilhar os sonhos. Partilhar o ar que se respira. Partilhar as fantasias de crianças correndo no meio de flores. Pulando em poças de água. Terminou de arrumar as roupas e livros. Sentou na sua cama e pensou neste amor que estava construindo, feito brincadeira de criança. Seus lábios se abriam em sorriso só de lembrar das brincadeiras e dos fragmentos que aos poucos os dois iam remendando, costurando, feito concha de retalhos. E assim feliz foi dormir.
Paixão. Um jogo inesquecível. Não por acaso um filme. Suor. Comida. Dormir junto. Dois gatos dormindo juntos. Tortas.Um botão de orquídea se abrindo. Um dedal – Amor é dedal procurando mão. Camarão. Tesão. Carro quebrado. Procura de hotel. Livros emprestados. Aritmética. Beco dos gatos. Calor. Conversas na madrugada. Documentário. Loucura. Beijos. Cerveja. Bolos. Amor.
Elisandro Rodrigues
Setembro de 2008
Estava cansada. Seu corpo todo doía. Dor de cansaço físico mas também de prazer. Aos poucos de fragmentos em fragmentos ia se reconstruindo. Sua vida andava agitada, uma correria sem tamanho e dimensão. Mal tinha tempo para arrumar suas coisas. Parece que o furacão que era ela mesmo tinha passado sem perceber por sua própria vida. Estava cansada porém feliz.
No computador imagens do final de semana. Fotos de rostos pintados – boneca de pano, palhaços, mendigos – fotos do makin off das gravações que participará. Ao lado de sua cama um buque de flores do campo. Pendurado no teto junto com as girafas voadoras uma bailarina emaranhada de fios, uma bailarina de arames entortados. No pé uma estrela. Parecia que a escultura voava sob os céus. Final de semana perfeito anotava ela em seu diário mental, anotava em suas recordações e lembranças.
Nem precisava anotar muito, ficará gravado em seu corpo todos os prazeres e recordações. Como um mapa sabia cada caminho ao que ele levava. Fazia quinze dias que o conhecia e foram os dias mais felizes e alegres até aquele momento de sua vida. Não sabia onde estes caminhos, este rio que era o menino, a levariam mas rezava a todos os deuses e deusas para que as estradas nunca acabassem, rogava que as águas deste rio continuassem a correr ora devagar, ora com correntezas fortes sempre levando em frente.
Dormiu com um sorriso no rosto, sorriso que ultimamente estampava seu rosto todos os dias.
Elisandro Rodrigues
15 de setembro de 2008.
O menino gritou novamente dentro dele – olha para cima. Ele olhou e viu o mesmo céu de antes, deu de ombro como quem não entendesse. Guri idiota, besta, olha com o olho dentro do olho – ralhou o menino. Ele olhou abriu mais o olho, deixou o ar entrar dentro dele com mais leveza, fechou os olhos. Quando abriu novamente depois de alguns milissegundos estava em outro lugar, outro mundo. Um mundo com cores, flores por todos os cantos. Em cada parede havia um poema. Em cada passo se escutava uma nova música. O aroma o levava para outros cantos. Cada cheiro trazia uma recordação gostosa. Cada cheiro dela – esse é o nosso cheiro, disse alguém do seu lado. Ele a olhou e viu um gato brincando com borboletas e flores, correndo de um lado para o outro, junto com o gato estava um menino e uma menina. Fora a menina que lhe falava a pouco. O menino parecia ser ele. Sim era ele. Ficou ali olhando aquelas crianças, aquele gato, as borboletas e as flores como se fosse um quadro pintado em movimentos. Fechou os olhos novamente.
Quando os abriu estava na porta de sua casa. Olhou mais uma vez para o céu e percebeu algo voando para longe. Ajeitou a gola da camisa o frio estava aumentando. Sentiu no ar um cheiro diferente. No seu corpo um gosto diferente. Era o gosto deles pensou. Fechou a porta e foi para debaixo das cobertas.
Elisandro Rodrigues
Setembro de 2008(11/09/08)
O que virá com o final da tarde pensa ele. Sim, ela virá! Não o final da tarde, mas a menina que sopra peixes dentro de bolas de sabão. Que come algodão. Que brinca de se esconder embaixo dos cobertores. É isso que virá, e a pressa não se demorá a chegar. Ele fica a brincar, esperando o fim da tarde chegar. Brinca de soprar vento com palavras. Brinca de escrever no céu e soprar as palavras. Inventa brincadeiras com os pés e com as mãos. Mas a tarde custa a terminar.
Brinca de recordar, e assim recorda os momentos de brincadeira com a menina. Os momentos de se tirar o ar da boca e colocar dentro do outro, partilhando o mesmo ar que se respira. Brinca de visualizar o futuro. Uma noite fazendo casinha de cobertores. Um dia voando juntos. Um outro dia pulando e dançando ao som de dós, fás e sóis. E assim a tarde vai passando aproximando a noite. Aproximando ele do abraço e do beijo. Quando o fim da tarde chega, chega também o gosto e o aroma dela. Ele pega carona no elefante voador e vai concretizar a brincadeira que brincou.
Elisandro Rodrigues
Setembro de 2008 - 09/09/08
e todo o dia esqueço a noite
Toda noite lembro o que aconteceu no dia. Todo dia lembro o que aconteceu na noite. Como uma roda viva a rotina vai girando os segundos das segundas-feiras, terças-feiras, quartas-feiras, quintas-feiras, sextas-feiras. Durante a semana temos que sempre responder frases que terminam com um ponto de interrogação. Por que você não terminou isso ainda? Por que está cara de bunda mole? O que que deu com ocê, dormiu com a bunda destapada? Quando você vai vir me visitar meu filho? O que a gente vai almoçar hoje? O que se acha disso? Por que sempre tem que ter um ponto de interrogação no final?
No final de semana era diferente. Não existiam pontos de interrogação. Não existia nada. Só a solidão de seu quarto. Saia poucas vezes nos finais de semana. Já era um tédio ter que ir todo o dia trabalhar, todo dia se amontoando no ônibus na ida e na volta. Todo dia comendo junto com um monte de pessoas que mais parecem maquinas e não humanos. Todo dia barulho de teclas de computador, de telefone, de conversas que não dizem nada. Final de semana era diferente. Final de semana era paz na sua própria Bagdá, no seu próprio mundo. Era como se não existisse, como se fosse um lugar nenhum.
Se fosse sair gostava de sair na noite. Não para as festas. Saia para caminhar. Caminhar para esquecer. Caminhar para pensar. Ou simplesmente caminhar e sentir o ar noturno. A neblina. Somente as estrelas por o acompanhar, e as vezes alguns bêbados que ficavam caídos pelo caminho. Mas naquele final de semana ele resolverá sair. Resolverá deixar seu reduto para mais uma vez enfileirar-se e aglomerar-se no meio das pessoas. Saíra pela insistência de uns olhos que não conseguia deixar de imaginar e de pensar. Ela o cativará pelo olhar, pelo gesto simples de menina moleca, menina palhaça. Toda noite lembrava dos olhos dela. Todo dia lembrava os olhos dela.
Ela o convidou e ele saio. Deixar sua rotina de final de semana era algo impressionante para ele, não sabia dizer a quanto tempo fora a última vez que resolveu sair de casa num domingo de tarde. Ao pisar fora de casa, viu o sol a pino, em poucos passos sentiu o calor e as roupas grudando no corpo. Chegou no lugar combinado e esperou. Sua vida sempre tinha sido de espera, pensou ele. Sempre chegava cedo em todos os compromisso. Sempre chegava cedo no trabalho. Sempre chegou cedo nas aulas. Sempre chegou cedo quando ia no cinema ou no teatro. Sempre chegará cedo em todos os lugares que ia. Chegou cedo e esperou. Os minutos embaixo daquele sol faziam a espera se tornar mais dolorosa no sagrado domingo dele. Mas resistiu a tentação de pegar o ônibus de volta para casa, ficou e esperou. Esperou 10 minutos. Esperou 30 minutos. Esperou 40 minutos e nada dela aparecer. Sua roupa estava encharcada de suor, seu corpo estava ardendo por causa do sol. As pessoas em sua volta falavam alto, gritavam, cantavam, o pipoqueiro gritava ao seu lado. Ninguém respeitava seu silêncio.
Cansou de esperar e foi embora. De noite deitado pensou por que toda noite lembrava o que acontecia de dia, e por que todo dia se lembrava do que acontecerá na noite. Por que caminhando esquecia, gostaria que fosse ao contrário se caminhando fosse ele esquecido pelas pessoas. Deixou os pensamentos andarem livres por sua mente e esperou mais uma vez o sono chegar. Se perguntando por que no final das frases sempre existem ponto de interrogação.
Elisandro Rodrigues
Final de Agosto – Início de Setembro de 2008.
Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:
O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.
Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.
[...]
1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.