14.4.09

Curta.


Pedro chega correndo até o apartamento de Eduardo aperta o interfone e espera ansioso.

-Quem é?

- É o Pedro abre aí.

Sobre correndo as escadas até o segundo andar, a porta da casa de Eduardo já está aberta.

-Cara preciso te contar a idéia que tive...- Eduardo está sentado na janela fumando – Desembucha então Pedro.

-Cara escuta só, pensei em um curta hoje pela manhã quando acordei. Ele começa assim, a gente vê a cena abrindo dentro de um quarto, roupas atiradas, folhas no chão, bitucas de cigarro, latas de ceva, vários, mas vários livros pelo chão e vai indo até chegar na cama, que é um colchão no chão. Deitada está uma menina dormindo só de calcinha, do lado um ventilador ligado.

-Gostei dessa cena.

-Tá olha só daí toca o despertador do telefone, aquela música da Nô Stopa Leve, conhece?

- Não!

-Tá mas não faz mal, ela se vira na cama e acorda. Fecha a cena aproximando dos olhos dela. Abre de novo depois com ela entrando no busão, e é ai que está a jogada cara no ônibus. A gente vai fazer isso várias vezes e em cada vez ela entra no ônibus cada vez com um livro diferente. Em cada vez que ela entra no ônibus entra a narração em Off dela falando de uma parte do livro. Sabe coisa curta.

Eduardo apaga o cigarro e acende outro falando – Tá mas serão então várias tomadas, em vários dias diferentes, no mesmo horário e dentro do mesmo ônibus?

Pedro caminha para lá e para cá na sala, acende um cigarro também.

-Isso mesmo cara. A gente nem vai precisar de figurantes saca, os passageiros serão os figurantes. Olha só a gente vai filmar umas oito a dez tomadas assim em dias diferentes. Em um dos dias pensei que a narração em Off da personagem pode ser sobre os passageiros. Sabe a gente as vezes pega o mesmo ônibus todos os dias com as mesmas pessoas, isso é estranho e bizarro, imagine cinco dias por semana eu vejo a pessoa pelo menos uma vez, vinte vezes num mês.

Pedro para de falar e procura algo nos bolsos, Eduardo está sentado ainda na janela. Pedro tira uma seda e uma trouxinha de maconha, volta a falar enquanto esmorruga a maconha.

-Mas o clima tá chegando Du, olha a gente vai filmar ela no ônibus de pé, sentada, com o busão cheio, vazio, conforme o dia, mas ela sempre vai estar lendo. E a derradeira cena é a seguinte...ah pensei de filmar ela outras vezes acordando também, mas com musicas diferentes no despertador, sacou?

-Saquei,mas me conta do clímax, da curva dramática...

-Tá não ironiza também, mas assim, ela vai estar sentada lendo o livro 'Amor e Vexame' do Roberto Freire, vai sentar do lado dela um cara todo arrumadinho, bonitão, bem apessoado e vai ficar olhando para ela e tentando ver o que ela lê. Daí ele vai dizer o seguinte 'Sabe também curto esses livros de Auto Ajuda, mas esse autor ai eu não conheço?'. Sacou Du, livro de auto ajuda. Ela vai olhar para ele e vai dizer a frase celebre do Roberto Freire 'Por que eu te amo, tu não precisa de mim. Por que tu me amas, eu não preciso de ti. No amor, jamais nos deixamos completar. Somos, um para o outro, deliciosamente desnecessários'. Ela dá uma pausa e completa 'Isso é Anarquismo não Auto Ajuda'. O cara não diz mais nada e entra outra música.

Pedro para de falar, termina de fechar o beck. Acende e logo passa para Eduardo.

-Cara o final seria isso, ela entrando no ônibus e várias pessoas com livros lendo. Me esqueci de um lance as pessoas do ônibus, a maioria sempre vai estar de fone de ouvido. Ela dá um sorriso e começa a tocar outra música da Nô Caramujo que é assim 'Agora ficou claro o que antes era escuro, agora que não precisava jurar eu juro, não ando mais jururu, eu juro...'....E ai o que achou?

Eduardo solta a fumaça e passa o beck para Pedro.

-Cara achei tri fodão, mas o seguinte a gente é historiador, por que merda a gente vai fazer um curta?

Elisandro Rodrigues


2 comentários:

Grazi disse...

Baaaah!

Muito bom, cara! Ia ficar demais um curta assim! *-*


E sabe... Essa frase: a gente é historiador, por que merda a gente vai fazer um curta?... Me faz pensar... As pessoas se limitam, elas podem fazer mais do que um diploma ou um crachá... Mais do que as pessoas dizem que elas podem!


Pedro e Eduardo... Quantas pessoas encontramos assim por ai...

Beijo!

Preta Lopes disse...

Uai, Faça acontecer!
.. muito massa!

BeijoO

Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento