12.4.09

Balão Verde.


Na hora do almoço ele observava as pessoas sentadas sozinhas [assim como ele]. Ficava pensando no motivo delas, [assim como nos motivos dele], estarem almoçando sozinhas num dia festivo e familiar como aquele da Páscoa. Pós modernidade, liquidez das relações humanas, só podia ser esse o fator de levar as pessoas a não terem com quem compartilhar um almoço. Como diria Barthes a vida é feita assim, de pequenas solidões". Sentia-se vazio e passante na vida dos outros. Passante como o sentido dessa data que reunia alguns para celebrar renascimentos e chocolates. O seu olhar estava perdido num senhor de uns 60 anos a sua frente, cigarro na boca e um copo de chopp na mesa. Perdido em sentidos pensou estar a sociedade. Páscoa, que data é essa? Que sentidos? Que significados? Que pormenores restam a uma ressiginificação? Ovos? Chocolate? Ou humanização perdida[chada]? No olho dentro do olho seu pensamento estava em duas imagens que virá no trajeto até o restaurante. A primeira imagem era a de um velho que empurrava sua bicicleta [também velha]. Seus pés calcavam um chinelo [velho]. Seu corpo usava roupas [velhas] desgastadas pelo tempo. Andava com um olhar triste. Do meio da rua, do meio do nada, apareceu um balão verde que foi em direção ao velho. Largou sua bicicleta e correu atrás do balão até pega-lo – depois desse esforço o velho abriu em seus lábios um sorriso de felicidade, quem sabe não seria o presente de páscoa de sua filha, de seu filho. Triste [alegre] imagem - quais os presentes que damos? A segunda imagem era de um grupo de crianças brincando de roda. Imagem essa que estava esquecida em sua mente, e esquecida na vida das pessoas – ‘O anel que tu me destes era vidro e se quebrou o amor que tu me tinhas era pouco e se acabou’. Vida. Consumo. [Re]significações. Páscoa. Presentes. Imagens que dançavam ao som da cantiga de roda. As imagens desapareceram quando o garçom lhe trouxe outro chopp.

Elisandro Rodrigues

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Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento