24.4.09

Zó e o Devir Revolucionário

Lá estava Zó novamente – sentado na Esquina Democrática, observando os movimentos de esquerda e de direita protestarem. Fazia algumas semanas que ele estava nesse processo. Muitas pessoas passavam por ele e nem o notavam. Zó parecia mais um mendigo entre tantos outros a perambular pelo centro da cidade. Nas manifestações ele ficava observando os gritos e as palavras de ordem, anotava em um pedaço de papel palavras soltas que escutava. Não entendia muito daquelas manifestações, pessoas reinvidicando e gritando coisas que nem eles sabiam. Todos se achavam revolucionários, mas que revolução queriam? Revolução para suas barrigas e seus corpos? E os demais, os outros sujeitos oprimidos onde ficavam?


Zó pensava essas coisas e anotava em seus papeis soltos. Depois de cinco semanas observando ele decidiu criar o seu movimento, a sua bandeira, o seu grito. Caminhou lentamente até o meio da Esquina Democrática com dois pedaços de papelão nas mãos. Esses papelões eram pintados e desenhados, pareciam placas, e se juntavam com pedaços de fitas coloridas, eram vários quadrados formando dois painéis. No meio da esquina parou.

Se despiu lentamente ao olhar de curiosos que passavam e paravam. Amarrou os pedaços de placas no corpo e assim iniciou sua marcha, sua caminhada, sem gritos ou palavras de ordem apenas com seu corpo. Seu corpo reinvidicava cultura, lazer, tempo para os outros, utopias e esperanças. As placas se destacavam no seu corpo com palavras e imagens simples, tudo muito colorido. A que mais chamava a atenção dizia o seguinte: ‘De tempo para olhar nos olhos dos outros’. Esse foi o Devir Revolucionário de Zó, uma criação poética e estética, consciente de lutas verdadeiras e não simples gritos de ordem e passeatas sem sentido. E assim andou Zó pela cidade com suas palavras e seu corpo.


“Nietzsche dizia que nada importante ocorre sem uma ‘nuvem não-histórica’. E que a história compreende o acontecimento, é sua afetação em certos estados de coisas, mas o acontecimento em seu devir escapa a história. O devir não é história: a história marca somente o conjunto de condições. Dizemos que as revoluções têm um futuro sombrio. Mas estamos constantemente misturando duas coisas, o devir das revoluções na história e o devir revolucionário das pessoas. Não se trata das mesmas pessoas nos dois casos. A única chance dos homens está no devir revolucionário, o único movimento capaz de esconjurar a vergonha ou responder ao intolerável. É preciso subverter a palavra. Acreditar no mundo é o que mais nos falta; perdemos o mundo; ele nos foi tomado. Acreditar no mundo é também suscitar acontecimentos, mesmo que pequenos, que escapem do controle, ou então fazer novos espaços-tempos, mesmo de superfície e volume reduzidos. São necessários, ao mesmo tempo, criação e povo.”

Deleuze



Elisandro Rodrigues

Para minha amiga Dé e para o filme do Che que estréia amanhã.


Um comentário:

Pablita disse...

Gosto de acreditar que até a solidão é capaz de mudar alguma coisa no mundo, por isso sonho e por isso vivo.

Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento