25.5.09

Gregor Samsa em mim


Querida amiga.

Te escrevo hoje pois ando estranho ultimamente. Estou vendo coisas. Sentindo coisas. Acho que estou me metamorfoseando. Ou ficando louco de vez. Na segunda-feira senti minhas pernas maiores do que são, andava desajeitado, elas não me obedeciam direito, não tinha controle delas. Andava esbarrando nas pessoas e me segurando nas paredes dos prédios e lojas. Na terça-feira o meu corpo entrou em recesso. Não obedecia nenhuma função que mandava. Demorei quase uma hora para percorrer cem metros. Todos passavam e ficavam me encarrando achando graça no meu quaseandar. Depois comecei a andar ligeiro, que minhas pernas ficaram doloridas por dois dias seguidos. Não sei o que me acontece. Na quarta-feira uma mosca ficou o dia todo na minha frente. Ela sentou por volta das 10 horas em cima da tela do meu computador e ali ficou parada. Tentei espantar ela várias vezes, mas ela voava e parava ali. Acabei por perder e paciência e a deixei. Depois do meio dia ela começou a falar comigo. Foi nesse momento que pensei que estava louco. Escutava uma vozinha bem baixinho, mas não sabia de onde vinha, pensei que eram os fones de ouvido que estavam ligados, mas não era. Era a maldita mosca falando comigo. Falando coisas banais e sem sentido. Tentei ignorar ela pelo resto do dia, mas ela falava sem parar. Fui embora mais cedo. Na quinta-feira dormi o dia todo, não acordei para ir ao trabalho e nem para almoçar. As sete horas da noite eu acordei, tomei um banho e estava saindo para o trabalho. Estranhei a luminosidade da noite, o frio, e a sensação de dia terminando. Mas mesmo assim fui para o trabalho. Cheguei no prédio e ele estava fechado, os guardas perguntaram se eu tinha esquecido algo. Foi quando percebi que era noite. Na sexta-feira resolvi fazer uma consulta com um psicologo, na verdade uma psicologa. Ela me disse que eu devia estar stressado com alguma coisa da minha vida, ou podia ser algum trauma mal resolvido. Não dei ouvidos a ela, não era aquilo. Sai para beber de noite, quem sabe uma meia duzia de cervejas não me faria bem. Tudo estava indo bem, até eu perceber um rapaz lindo que me olhava e me encarava. Fui falar com ele e senti um desejo de beija-lo. Acabei apenas conversando com ele. Me ofereceu um ácido. Aceitei. Quem sabe tomando uma coisa mais forte minha mente se ordenava. Acordei em casa no sábado a tarde sem saber como havia chegado lá. Agora estou aqui te escrevendo para contar que meu SER passa por uma metamorfose. Minha vida está se transformando. E tenho certeza disso pois estou te escrevendo numa pedra, sentado em cima de uma árvore apenas de cueca sendo que não sei quem você é.

Elisandro Rodrigues

Um comentário:

Grazi disse...

Quem nunca se sentiu um Gragor Samsa?
Quem nunca passou por uma metamorfose?
Alias, tenho a impressão que estamos em metamorfose o tempo todo...

Adorei o texto!

Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento