7.10.08

Em tempo...

(Imagem de André Neves - http://confabulandoimagens.blogspot.com)


Na viajem de volta para casa depois de cinco dias na estrada vinha pensativo. Quem o olhasse poderia imaginar que estava chateado ou brabo com alguma coisa que não deu certo. Quem olhasse a menina ao seu lado diria o mesmo, quem sabe pensassem que os dois tinham brigado, se desentendido. Ela vinha olhando pela janela do avião o mundo lá embaixo, as coisas todas pequeninhas. Quem sabe ela vinha pensando em suas próprias palavras e em seu elefante colorido – ‘Todo mundo meio formiguinha meio gente. Pequenininho feito o sonho esquecido da gente. Todo mundo lá em baixo é meio triste, meio cinza, meio perdido, sem caminho, sem sentido. A menina lá de cima, continua brincando. ’ Ela continuava a brincar em sua imaginação.

Ele na verdade não estava triste nem emburrado, assim como ela na verdade estava cansado. Também depois de cinco dias correndo, caminhando, passeando por vários lugares, dormindo pouco, era de se esperar que estivessem cansados. Mas por mais cansado que ele estivesse sua alma sorria e vinha ruminando as imagens, palavras, gestos, lugares em que passaram nestes cinco dias de viajem. Dava risada por dentro ao lembrar das várias ‘indiadas’ – caminhar horas em baixo da chuva na 25 de março – caminhar no bairro liberdade, comer lámen de hashi – caminhar quadras atrás de um picolé de melão. Lembrava dos sorrisos, da felicidade estampada nos olhos dela, nas cócegas, brincadeira com travesseiros.

Cada momento destes lembrados o deixava nas nuvens – como se saísse de dentro do avião e voasse com o elefante dela por dentro das nuvens. É viajem cansativa mas gostosa, em todos os sentidos. Começou a brincar com as pulseiras dela e aos poucos foi adormecendo.


Me deixe mudo
Não diga nada
Saiba de tudo
Fique calada
Me deixe mudo

Seja num canto
Seja num centro
Fique por fora
Fique por dentro

Seja o avesso
Seja a metade
Se for começo

Fique à vontade
Não me pergunte
Não me responda
Não me procure
E não se esconda

(Me deixe mudo – Oswaldo Montenegro)

Elisandro Rodrigues

07 Outubro de 2008

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Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento