27.10.08

Num dia de chuva.


Lá fora a chuva continuava a cair. Chovia há dias sem parar. Estávamos deitados um ao lado do outro. Tudo estava perfeito saindo conforme o planejado. Tínhamos alugado uma cabana no meio do mato. O tempo estava frio proporcionando que eu ficasse mais perto dele. Lá fora junto com a chuva a neblina envolvia a cabana. Tínhamos acabado de fazer sexo, ele estava sentado na cama ao meu lado. Estava exausto. Fazia dois dias que estávamos naquele lugar e este tempo todo passamos fazendo sexo. Esta última transa tinha me deixado plenamente satisfeita.


Estava olhando para ele sentado ao meu lado, a cabeça encostada na parede os braços estendidos ao longo do corpo. Ele não era bonito, tinha a sua boniteza escondida nos detalhes como no modo que olhava, seus olhos verdes fracos emanam um brilho diferente, mistura de magia com paixão, em uma metáfora poderia dizer que são como olhos de gato, seus gestos pequenos com as mãos ao falar e, sobretudo no sorriso. O sorriso dele encantava qualquer uma. Pequenos detalhes foi o que me fez apaixonar por ele.


Lembro-me bem daquele dia em que nos conhecemos: precisava desenvolver alguma atividade com o grupo de pessoas que estava trabalhando, Flávia a Terapeuta Ocupacional, que trabalhava com o mesmo grupo sugeriu que desenvolvesse uma oficina de socialização através do teatro ou de alguma outra expressão da arte. Ela sugeriu o nome dele, Marcos - artista plástico, ator, escritor e terapeuta ocupacional. Flavia passou o telefone dele e agendei uma conversa para explicar como era aquele grupo do CAPs. Na reunião ele falou que conhecia já os projetos desenvolvidos em outros lugares e cidades. Me encantei com a forma que me contou de sua opção pela Luta Antimanicomial, dos trabalhos que ele realizou por todo os cantos com oficinas, palestras, cursos, exposições do trabalho dele e dos seus oficinandos. Ele aceitou a proposta de fazer as oficinas e eu logo depois não resisti e convidei ele para sair e tomar uma café ou um chopp.


Não sei se foi naquele momento ou quando ele começou a desenvolver as oficinas que me apaixonei. Faziam cinco meses desde a reunião até aquele momento. Depois de um encontro para um café veio outro, e mais outro e no terceiro não agüentei e o beijei. De ambas as partes havia acontecido uma entrega total. E agora estávamos ali, juntos, apaixonados. Tinha planejado aquele final de semana o mês todo. Tinha que ser perfeito, e aquele era o momento perfeito para eu me abrir com ele.


- Marcos Eu Te Amo! Disse olhando para os olhos dele.


Ele olhou dentro dos meus olhos e disse secamente.


-Mônica....eu não te amo!


Pensei não ter escutado direito. Ia pedir para que ele repetisse mas quando olhei novamente para ele estava juntando suas roupas e colocando dentro de sua mochila.


- Você sabe que não posso fazer isso. É loucura continuarmos essa história.


Ele me falou isso vestindo a camiseta numa tranqüilidade que era outra de suas pequenas características.


- Você é casada. Eu não consigo levar isso adiante, era para eu ter dito isso no nosso primeiro beijo, mas me deixei levar pela vontade e tesão. Eu não te amo, posso gostar de você, mas não te amo. Sinto tesão por você. Gosto de te beijar. Gosto de te comer. Mas não te amo, e o tanto que gosto não me permite levar isso adiante.


Escutei aquilo tudo parada, tranqüila e serena. Ele terminou de colocar os seus tênis e saio do quarto. Escutei o motor do carro dando a partida e logo em seguida o movimento em cima das pedras de cascalho soltas na frente da cabana. Não conseguia assimilar aquele momento. Da mesma forma que escutei aquelas palavras eu permaneci. Meu corpo não me obedecia, minha voz não saia. Meu pensamento parecia uma tempestade de palavras, informações, recordações e situações. Fiquei pensando no que tinha feito três dias antes. Fiquei pensando na conversa que tive com André. Fiquei repassando mentalmente o que havia decorado para dizer a André e o disse, na reação de André. Iria contar para Marcos naquele final de semana. Fiquei pensando em tudo o que contei para André e no divorcio que havia pedido para ele.


Iria contar para Marcos que agora eu era toda dele. Que por mim colocaria uma mochila nas costas e o seguiria por todos os cantos do mundo. Diria que queria ser só dele e de mais ninguém. Diria tanta coisa que pensei neste último mês. Quem me visse naquele momento diria que eu estava tranqüila, mas por dentro estava aflita, chorava por dentro e desmoronava aos poucos. Permaneci ali parada olhando a chuva cair lá fora.


Elisandro Rodrigues

Em dias de chuva.

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Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento