4.3.09

Reflexos de Zó


Zó olhava pela janela do ônibus e através do vidro via seu reflexo no seu reflexo seus olhos nos seus olhos o mundo do outro lado. Lá fora duas imagens de um futuro possível se mostravam através do reflexo dos seus olhos: Uma roda de ciranda no gramado verde e um arco-íris sobre um prédio grande e feio, dando a estas imagens juntas um quadro de um desejo possível do futuro. Zó passava de ônibus na frente do Hospital São Pedro e no reflexo do olho a dor transparecia.



45º O dia em que a terra parou


Ninguém soube desse dia,
por que nada aconteceu nesse dia,
que nada acontecia.
Esse dia veio de repente
De um jeito que nem o corpo sente.
Esse dia veio ao mundo,
num mistério profundo,
que acabou todo mundo.
Nesse dia nada podia fazer,
pois as coisas não iam acontecer.
Nesse dia ninguém precisava falar
por que ninguém iria escutar.
Nesse dia ninguém precisava escrever
por que ninguém poderia ler
Esse era o dia que tudo acabou
E ninguém mais gozou

(Deolindo de Campos Neto - Centro de Convivência Providência Belo Horizonte)

Elisandro Rodrigues

Um comentário:

Anônimo disse...

dentro do olho dentro
eu vi o eu dentro do olho
do outro.
dentro do reflexo dentro eu me encontrei
e
no reflexo do outro dentro de mim encontrava-se ele
e
suas
esquisitices

Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento