12.2.09

Zó e o Tempo

Zó não entende a lógica do tempo. Para ele o tempo é outro, com outros mecanismos. As pessoas em volta dele, e os estranhos, não o compreendiam. Como naquele dia onde Zó decidiu sair para a rua tomar banho de chuva. Ele havia passado a noite toda se revirando entre os lençóis, fazia calor, muito calor. Ao acordar pela manhã Zó viu que o dia estava mais escuro que o normal. Olhou para fora e viu que a chuva fria caindo e o vento frio que penetrava no corpo exigindo um agasalho para esquentar. Não pensou duas vezes: Saio para a rua conversar com a chuva. Antes tirou seu patuá para não molhar.

Aos poucos os vizinhos começaram a sair nas janelas para observa-lo. Zó não se importava com o frio e o corpo molhado, queria sentir a chuva lavando e conversando com seu corpo. Das janelas as pessoas comentavam:

- Esse guri vai pegar um resfriado!

- Sempre soube que ele não batia bem das ideias....

- Onde se viu sair na chuva numa hora dessas da manhã.

Da janela de sua casa a voz da tia sobressaia-se:

- Zó vem prá casa menino! Se tá louco é? Entra já para dentro!

Logo depois ela estava ao seu lado com um guarda-chuva e uma toalha. Zó não entendia o tempo como o tempo era. O tempo do sol num dia de chuva. Um tempo de chuva num dia de sol. O tempo das pessoas no trabalho onde não sobrava tempo para mais nada – nem para o prazer nem para o lazer. O tempo de resolvermos nossa vida ou de nossa vida se resolver pelo tempo. Achava que o tempo nunca era o tempo certo das coisas. A vida sempre se desencontrava do tempo, as pessoas vinham em tempos errados, os trabalhos apareciam em tempos errados, nada se encaixava e se sincronizava. Quem sabe era assim mesmo, um intempestivo mesmo – tudo fora do lugar e da ordem. Mas assim as pessoas sofriam. Ele olhava para fora pela janela da área de serviço e via outras pessoas olhando a chuva. Quem sabe elas estejam pensando em como arrumar suas vidas. Em como proceder com o tempo que não se sincroniza com elas. Zó pegou seu patuá e falou baixinho:

- Zott! Zott! Tá acordada? Deixa eu te contar uma coisa. Acho que nunca iremos entender o tempo e o tempo nunca irá se sincronizar conosco. Existe um outro tempo sem medida, tempo indefinido, que não cessa de dividir-se quando chega, sempre já ali e ainda não-ali, sempre cedo demais e tarde demais, o tempo do “algo vai suceder” e simultaneamente o “algo acabou de acontecer”, tempo não pulsado, tempo flutuante que vemos na poesia, no sonho, nas catástrofes. Sabe Aion precisamos suscitar acontecimentos novos, mesmo pequenos, que escapem ao nosso controle.

Zó fechou seu patuá e ficou olhando o dia passar através da chuva.

Elisandro Rodrigues


(Imagem retirada do site http://www.cartografias.com.br - Artista Arlete Bernardi)

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Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento