7.2.09

Para contar estrelas...


–Pai, como é que a gente conta estrelas do céu?, perguntou Lelê. O pai, baixando o jornal, foi logo fazendo pose de explicação.

– Bem, existem equipamentos especiais para isso. Eles tiram fotos do céu e fazem medições. E tem o Hubble, que é o bambambã dos telescópios! Mas só os cientistas podem usá-lo. Então, cada um conta com o que tem à mão.

– Ah!, disse Lelê com admiração, mesmo sem ter entendido muito bem (ele ainda estava no segundo ano).

A mãe o chamou na cozinha para um lanche. Ele se sentou à mesa pensando ainda no que o pai tinha dito. Decidiu perguntar para ela também.

– Isso seu pai deve saber. Por que não pergunta para ele?

– Já perguntei. Ele falou várias coisas, mas não entendi direito: o que cada um tem nas mãos e...

– Ora, nas mãos a gente tem dedos! Por que você não conta nos dedos?, disse a mãe, que era bem mais esperta que o pai nos assuntos práticos.

– Hum..., pensou Lelê. Assim eu sei! E foi logo devorando o sanduíche.

Uns minutinhos depois, Lelê já estava no quintal. Olhava para o alto, bem fundo no céu de estrelas. Para começar, mirou a mais brilhante e passou a contar em voz alta: Um... Dois... Três..., recolhendo um dedo de cada vez. Chegou até dez. Olhou para as mãos, olhou para o céu.

Suspirou. O problema é que ele tinha só dez dedos, e o céu tinha muito mais estrelas.

Desanimado, sentou-se na varanda, apoiando o queixo nas mãos.

Sua avó, que sempre observava tudo bem quietinha, foi lá falar com ele.

– O que foi, fi lho?

– Nada...

– Hum. Sabe, eu conheço um jeito de fazer caber todas as estrelas na mão, de uma só vez.

Lelê olhou desconfi ado, mas ficou atento, esperando o resto da história.

– Está vendo as estrelas lá em cima? São tão pequenininhas, não é mesmo? Pois então. Basta você olhar bem para elas, como se fossem grãozinhos de areia. Daí você passa a mão, assim, por todo o céu, como se estivesse varrendo, e fecha de uma vez no final! Depois, chacoalha bem e põe em cima do coração, pegando emprestado um pouco da luz delas.

Ela deu então uma piscadela e foi se levantando para entrar em casa.

Lelê percebeu uma emoção estranha no peito, sentiu uma saudade imensa da avó, queria que ela morasse com ele para sempre.

Desde então, sempre que tinha vontade, Lelê contava todas as estrelas do céu. E num punhado só.

Dieter Mandarin

(dietermandarin.blogspot.com)

Ilustração de Alexandre Camanho.

Texto publicado na Revista Nova Escola 219.

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Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento