Elisandro Rodrigues
(Fragmentos de músicas de Donati - CD Casa Brasil, Lulu Santos - CD Calendário e Siba - CD Fuloresta do Samba. Imagem capa do CD Donati Casa Brasil)
Lá fora a chuva continuava a cair. Chovia há dias sem parar. Estávamos deitados um ao lado do outro. Tudo estava perfeito saindo conforme o planejado. Tínhamos alugado uma cabana no meio do mato. O tempo estava frio proporcionando que eu ficasse mais perto dele. Lá fora junto com a chuva a neblina envolvia a cabana. Tínhamos acabado de fazer sexo, ele estava sentado na cama ao meu lado. Estava exausto. Fazia dois dias que estávamos naquele lugar e este tempo todo passamos fazendo sexo. Esta última transa tinha me deixado plenamente satisfeita.
Estava olhando para ele sentado ao meu lado, a cabeça encostada na parede os braços estendidos ao longo do corpo. Ele não era bonito, tinha a sua boniteza escondida nos detalhes como no modo que olhava, seus olhos verdes fracos emanam um brilho diferente, mistura de magia com paixão, em uma metáfora poderia dizer que são como olhos de gato, seus gestos pequenos com as mãos ao falar e, sobretudo no sorriso. O sorriso dele encantava qualquer uma. Pequenos detalhes foi o que me fez apaixonar por ele.
Lembro-me bem daquele dia em que nos conhecemos: precisava desenvolver alguma atividade com o grupo de pessoas que estava trabalhando, Flávia a Terapeuta Ocupacional, que trabalhava com o mesmo grupo sugeriu que desenvolvesse uma oficina de socialização através do teatro ou de alguma outra expressão da arte. Ela sugeriu o nome dele, Marcos - artista plástico, ator, escritor e terapeuta ocupacional. Flavia passou o telefone dele e agendei uma conversa para explicar como era aquele grupo do CAPs. Na reunião ele falou que conhecia já os projetos desenvolvidos em outros lugares e cidades. Me encantei com a forma que me contou de sua opção pela Luta Antimanicomial, dos trabalhos que ele realizou por todo os cantos com oficinas, palestras, cursos, exposições do trabalho dele e dos seus oficinandos. Ele aceitou a proposta de fazer as oficinas e eu logo depois não resisti e convidei ele para sair e tomar uma café ou um chopp.
Não sei se foi naquele momento ou quando ele começou a desenvolver as oficinas que me apaixonei. Faziam cinco meses desde a reunião até aquele momento. Depois de um encontro para um café veio outro, e mais outro e no terceiro não agüentei e o beijei. De ambas as partes havia acontecido uma entrega total. E agora estávamos ali, juntos, apaixonados. Tinha planejado aquele final de semana o mês todo. Tinha que ser perfeito, e aquele era o momento perfeito para eu me abrir com ele.
- Marcos Eu Te Amo! Disse olhando para os olhos dele.
Ele olhou dentro dos meus olhos e disse secamente.
-Mônica....eu não te amo!
Pensei não ter escutado direito. Ia pedir para que ele repetisse mas quando olhei novamente para ele estava juntando suas roupas e colocando dentro de sua mochila.
- Você sabe que não posso fazer isso. É loucura continuarmos essa história.
Ele me falou isso vestindo a camiseta numa tranqüilidade que era outra de suas pequenas características.
- Você é casada. Eu não consigo levar isso adiante, era para eu ter dito isso no nosso primeiro beijo, mas me deixei levar pela vontade e tesão. Eu não te amo, posso gostar de você, mas não te amo. Sinto tesão por você. Gosto de te beijar. Gosto de te comer. Mas não te amo, e o tanto que gosto não me permite levar isso adiante.
Escutei aquilo tudo parada, tranqüila e serena. Ele terminou de colocar os seus tênis e saio do quarto. Escutei o motor do carro dando a partida e logo em seguida o movimento em cima das pedras de cascalho soltas na frente da cabana. Não conseguia assimilar aquele momento. Da mesma forma que escutei aquelas palavras eu permaneci. Meu corpo não me obedecia, minha voz não saia. Meu pensamento parecia uma tempestade de palavras, informações, recordações e situações. Fiquei pensando no que tinha feito três dias antes. Fiquei pensando na conversa que tive com André. Fiquei repassando mentalmente o que havia decorado para dizer a André e o disse, na reação de André. Iria contar para Marcos naquele final de semana. Fiquei pensando em tudo o que contei para André e no divorcio que havia pedido para ele.
Iria contar para Marcos que agora eu era toda dele. Que por mim colocaria uma mochila nas costas e o seguiria por todos os cantos do mundo. Diria que queria ser só dele e de mais ninguém. Diria tanta coisa que pensei neste último mês. Quem me visse naquele momento diria que eu estava tranqüila, mas por dentro estava aflita, chorava por dentro e desmoronava aos poucos. Permaneci ali parada olhando a chuva cair lá fora.
Elisandro Rodrigues
Em dias de chuva.
De todas as coisas que gosto em você, a que mais prefiro e adoro é seu cheiro. Cada vez que te vejo e te abraço seu perfume, seu cheiro me preenche todo. Ele entra no meu corpo de tal forma que passo dias sentindo o seu cheiro. O gosto na minha boca, uma mistura de cerveja e cigarro, não resiste e dá lugar ao gosto de você. Minhas mãos, meu tato exala você. Meu eu inteiro se consome em perfumes diversos que seu corpo exala no meu corpo. Um simples abraço me deixa assim: flutuando no espaço perfumado e de aromas que encantam. É com certeza de todas as coisas em você seu cheiro é o que mais me enfeitiça.
Elisandro Rodrigues(Para uma amiga – uai tchê
Não, não, não esqueci não. Se pensou que sim né? Mas não! Pelo contrário me lembrei. Me recordei, mas como gosto de fazer as coisas diferentes preferi não lhe ligar, não lhe mandar e-mail ou deixar um scrap. Resolvi sim fazer algo diferente, resolvi esperar uns dias e lhe dizer que as pessoas são frágeis, pessoas se despedaçam tão facilmente, sonhos e corações também.
Por não lhe dizer nada no seu aniversário você poderia se despedaçar, ficar brava, chorar, se magoar. Mas a esperança de que a lembrança possa acontecer nos anima e dá forças. Sendo assim lhe escrevo hoje sobre a fragilidade dos sonhos e a esperança deles. Somos tão estranhos assim como os sonhos. Não nos lembramos deles na maioria das vezes, mas em certos momentos, principalmente quando estamos no limiar entre o despertar e o sono nos lembramos. Eles se vão tão rápidos que não conseguimos compreende-los .
Sonhamos acordado. Sonhamos com um mundo melhor, com uma vida melhor. Sonhamos com um amor que possa nos compreender, que possa nos entender, que possa viver conosco o resto da vida. Sonhamos em casar com esta pessoa, ter filhos, viver numa casinha o cotidiano até que a velhice e a morte chegue.
Sonhamos com um emprego estável que nos traga felicidade, e principalmente dinheiro para podermos viver acomodados até a nossa morte. Sonhamos em curtir a vida, curtir a cultura, ir ao cinema, teatro, ir a shows. Tudo isso com as pessoas que gostamos. Como disse as coisas são frágeis e nunca serão como gostaríamos que fosse. Mas mesmo assim resta a esperança, ali guardada no meio dos sonhos, tão frágil e pequenininha, mas está ali.
Ela pode ser uma sementinha de nada, mas nos trás alegria e felicidade de que algo aconteça. Ilumina as noites mais tristes, aquece os dias mais frios. Canta para nosso coração adormecer em paz. Sonho e esperança são dois elementos frágeis que devemos guardar com carinho e cuidado, neste dia, que é depois do seu aniversário, lhe dou uma sementinha de esperança e um punhado de areias do sonhar para você guardar e usar quando mais precisar.
Para usar quando os fantasmas e monstros quiserem lhe pegar. Quando escuridão for maior que a luz. Quando tudo estiver errado e nada mais esteja certo neste mundo. Então guarde com carinho estes dois presentinhos.
Elisandro Rodrigues
Uns dias depois do aniversário.
Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:
O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.
Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.
[...]
1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.