24.11.06

Muito além do que se vê

Luz dos olhos – Cássia Eller (composição de Nando Reis)
Ponho os meus olhos em você se você está
Dona dos meus olhos é você, avião no ar
Dia pr'esses olhos sem te ver é como o chão do mar
Liga o rádio à pilha, a TV só pra você escutar...
A nova música que eu fiz agora
Lá fora a rua vazia chora
Os meus olhos vidram ao te ver, são dois fãs, um par
Pus nos olhos vidros pra poder melhor te enxergar
Luz dos olhos, para anoitecer é só você se afastar
Pinta os lábios para escrever a tua boca em mim...
Que a nossa música eu fiz agora
Lá fora a Lua irradia glória
E eu te chamo
Eu te peço vem
Diga que você me quer porque eu te quero também
Faço as pazes lembrando
Passo as tardes tentando lhe telefonar
Cartazes te procurando
Aeronaves seguem pousando sem você desembarcar
Pra eu te dar a mão nessa hora
Levar as malas pro fusca lá fora
E eu vou guiando
Eu te espero, vem
Siga aonde vão meus pés porque eu te sigo também
Eu te amo, oh
Eu peço vem
Diga que você me quer porque eu te quero também...


Um filosofo alemão, Nietzsche, diz que é as vezes é necessário fecharmos os olhos para ver. Vemos muitas coisas, mas será que este olhar por olhar é o bastante. Eu sempre quis as coisas primeiro pelo olhar. Sempre as contemplo primeiro pelo olhar. O olhar sempre foi o meu sentido primeiro. Mas quando a olhei, quando a vi, percebi que Ver bastava e não bastava.
Muito além do que se vê. Este foi o meu pensamento, deve existir muito mais além do que se vê, deve existir outros mundos, outras paisagens, outros olhares. Parafraseando Fernando Pessoa, fico pensando que seria possível a contemplação juntos, o ensino mutuo. O olhar juntos. 'A mim ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas. Quando a gente as tem na mão, e olha devagar para elas.'
Parei para te olhar mais devagar. Quando a vi primeiro no olho dentro de uma câmera que captou seu olhar e seu sorriso. Acreditei neste momento que por trás desse olhar estava escondido sonhos e loucuras. Depois quando lhe vi, com os olhos meus dentro dos olhos teus, confirmei que aquele olhar contava mais histórias. Histórias de beleza, histórias de alegria e felicidade. Mas o muito além do que se vê fica só na imaginação, no pensamento tentando decifrar os códigos presentes no olhar, no falar, no rosto, nos gestos. Mas para que ficar só na contemplação e no pensamento.
Vemos mais quando paramos, quando olhamos mais devagar, neste parar para olhar podemos sentir não só o olhar, sentir os pensamentos que a outra pessoa tem. Partilhar a vida e as utopias. 'Do seu olhar largamente verde, a luz caía como uma água seca, em transparentes e profundos círculos de fresca força' (Neruda). Dentro do meu olhar caio uma estrela, um sonho e uma loucura.

Elisandro Rodrigues
Tentando escrever sobre um olhar que parou o meu.
Novembro de 2006

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Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento