28.8.06

Deusa do Sentir

Estava parado e pensando, no meio do barulho ao redor que o mundo produz, ainda perplexo com o que tinha acontecido me lembrei de um texto do Jorge Larrosa que diz o seguinte:
“A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça, ou toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o autonomismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar nos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço”.
Calado o pensamento veio trazendo imagens e associando a este texto, imagens da qual fazes parte, a primeira que saltou da memória e se abriu na minha frente foi a de uma platéia após vivenciar um momento de intervenção cênica fica calada com a força, a dureza, a ternura e o profetismo que os atores passaram ao encenar. Platéia calada, muda, perturbada, pensando e refletindo sobre o que foi dito e encenado, depois de um longo silêncio que a platéia percebeu que havia terminado a intervenção. Os gestos, as palavras, fazem pensar.
A segunda imagem que vem é a do pôr-do-sol e o silêncio que se segue quando ele esta caindo por detrás das árvores e da água. Silêncio que precede do dia dando lugar a noite, a luz dando lugar a escuridão. A magia requer penumbra e mistério, já lhe havia dito que havia me encantado, e neste momento acho que me encantaste mais com a magia e o mistério de um pôr-do-sol e do começo da noite.
A seguinte imagem é de nós caminhando em silêncio. Se calando e ouvindo um o silêncio do outro. Interrupção de comunicação, mas ligação de almas e de ser. E por fim a última imagem que me traz a mente com este texto é do beijo no meio da multidão. Beijo que desestabilizou, que fez sentir mais devagar, que fez-nós demorar nos detalhes. Que calou e fez pensar...
Deusa da fortaleza, bem disses suas ações e seus gestos. Mas considero-a Deusa do Pensar, pois é assim que fico após te ver, de falar com você. E também agora Deusa do Sentir, do fazer sentir-me nas nuvens, elevando a transcendência, coisa difícil no meio do barulho e de um mar de gente chegando e saindo.
Farei minhas oferendas a partir de hoje a estas Deusa que são uma só. Pedirei fortaleza, rogarei pela ternura de seus olhos, que desestabiliza e cala, pela boca que faz transcender e faz sentir afago, chamego e aconchego com seu abraço...

Elisandro Rodrigues

Nenhum comentário:

Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento