2.7.07



Sobre o amor e lutas


“O amor é uma intercomunicação íntima de duas consciências que se respeitam. Cada um tem o outro como sujeito de seu amor. Não se trata de apropriar-se do outro.” (Paulo Freire. Educação e Mudança, 1979.)



Da realidade que vivemos. Das lutas que travamos.
Dos amores que temos. Do ato amoroso que desprendemos.
De um olho de hórus e o encantamento.


O amor não é uma apropriação. Quando se apropriamos de algo, este algo passa a ser um objeto qualquer. O amor é mais que isso, como diria Freire, é a intercomunicação, é o respeito, é o se fazer companheiros. Se comprarmos uma flor, ou arrancarmos ela do seu chão, logo veremos esta beleza murchar, e o perfume acabar. Mas se olharmos esta flor no campo, ela permanecerá lá, embelezando e perfumando os caminhos. Sempre a teremos. Sempre teremos seu perfume. O amor é isso, liberdade e diálogo.
Como diria Freire, “O diálogo é o encontro amoroso dos seres humanos...”, em um desses encontros amorosos, conversava sobre a esperança e os sonhos. Realista que sou, falava que a somos seres desesperançados, que nossos sonhos nos mantêm de olhos fechados para o mundo que está presente, para a realidade que aflige e castiga o mundo: a miséria, a fome, a violência, a desigualdade.
Mas minha interlocutora me dizia que não: somos seres da esperança, do amor, temos fé de que é possível mudar a realidade. Apesar de concordar, a discordava. Discordava para mostrar que não adianta simplesmente sonharmos, termos esperança e fé. Não adianta só amarmos. Temos que ser mais, fazer mais. A realidade grita isso. O amor também é assim, sempre precisa de algo mais. Correr riscos sempre é necessário. Fazer deste encontro amoroso um sonho concreto. E é aqui na concretude das ações que paramos.
Não nos apropriamos nem da realidade para muda-la e nem do amor para amarmos nos tornando sujeitos. Tanto na luta cotidiana por mais dignidade, quanto pela luta pelo amor de uma pessoa, devemos sonhar com os sonhos nas mãos. Lutar com os sonhos nas mãos. Se não fizermos isso, e ficarmos somente na retórica das palavras de que o amor deve ser encarado sem medo, e termos medo de nos aproximarmos, de nos doarmos, ficará só no sonho. Se a realidade que buscamos mudar não for encarada e nossos sonhos e palavras virarem práxis de nada servirá as intermináveis reuniões, os lindos projetos se não formos ao povo e os ajudarmos, não como quem quer transformar o mundo para eles, mas transformar o mundo com eles. “Amigo, se você veio aqui pensando que ia ensinar nós a derrubar o pau, nós tem de dizer a você que não é preciso. Nós já sabe derrubar o pau. O que nós quer saber é se você tá com nós na hora do tombo do pau”.
A mudança, a transformação se faz na luta prática e cotidiana. Assim quem sabe iremos mostrar que é possível mudar, mas se nossa prática não for concreta e ligada com a realidade, de nada adiantará dizer que queremos um outro mundo possível. Como já disse, isso serve para o amor também. O ato amoroso, a construção de uma intercomunicação, o tornar-se sujeito, isso se faz sem medo. Sem medo do que acontecerá, das dores, das frustrações, temos que estar abertos ao amor, receber e amar, respeitando é claro o tempo e o espaço de cada um.
Como é difícil construirmos a esperança, como é difícil ter fé, como é difícil mudar a realidade em que vivemos e como é difícil amar. Mas a esperança me conduz a construir sonhos com as mãos, o amor me dá forças a não cair no caminho e a fé me alimenta de utopias. Com isso minha loucura se faz presente no dia a dia de luta e de amor.

P.S: A propósito no dialogo amoroso que tive, teve outro elemento que se sobressaiu: o encantar, se é possível nos encantarmos novamente por uma pessoa que já fomos encantados. Disse na hora que não, mas olhos de hórus te digo que sim, pois as flores plantadas nos campos sempre serão belas. E o amor que damos, o carinho que conquistamos, o cativar que criamos, isso sempre permanecerá, eternamente.

Elisandro Rodrigues
Inicio de inverno de 2007.

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Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento