9.10.06

Tirando as carapaças

Já falei tantas vezesDo verde nos teus olhosTodos os sentimentos me tocam a almaAlegria ou tristezaSe espalhando no campo, no canto, no gestoNo sonho, na vidaMas agora é o balançoEssa dança nos tomaEsse som nos abraça, meu amor (você tem a mim)
(A festa – Maria Rita)

Hoje me acordei com uma historinha, que diz o seguinte: Havia um homem, que morava em um vilarejo distante, neste vilarejo todas as pessoas viviam em harmonia, este homem era amado por todos e por todas as pessoas,pois vivia ajudando, vivia ensinando coisas diferentes e mostrando a beleza da música e poesia. Mas certo dia ele se apaixonou por um linda mulher de sua comunidade. Essa paixão foi intensa, e reciproca. Ele nunca havia experimentado um amor tão verdadeiro, ele que falava, que cantava este amor, era a primeira vez que sentia esse amor. Os dois se amaram muito, viveram com muito ardor esta paixão, mas foi por pouco tempo, pois logo ela o deixou, e ele, desanimado e perdido, deixou a felicidade. Começou outro momento em sua vida, um momento de pura tristeza. Já não cantava a beleza. Vivia em dias de cinza. Deixou de lado tudo o que tinha, o que fazia parte de seu ser: a alegria, a felicidade e a poesia. Tratou de aprender com a tristeza armou-se, se fechou de tudo e de todos. Tornou a andar coberto de armaduras e escudos para se proteger das pessoas, e principalmente do amor.
Mas eis que uma forasteira aparece na vila e em sua vida. Ela tentou se aproximar dele, mas de nada bastou, pois ele estava fechado, resguardado. A forasteira começou a ficar triste, mas continuou sua vida. Com a certeza de que aquele homem era diferente, e que dentro dele existia a magia da felicidade, mas ela não podia ficar presa a ele, se ele a não quisesse. Mesmo se a quisesse ela sabia que as pessoas são livres como os pássaros que voltam quando sentem saudades de um lugar.
Um dia uma menina, que era uma das que mais se alegrava com a cantoria e as histórias deste homem, chegou perto deste dele e falou no jeito simples de criança: “Sabe por que as pessoas colocam armaduras para irem para as guerras? Por que elas querem imitar os caranguejos e as tartarugas, mas estes não precisam ir para a guerra. Esta carapaça que eles tem é para proteger de outras coisas, não de si mesmos, por isso que eles as vezes saem sem as carapaças, ou andam de cabeça para fora, coisa que os homens não fazem, eles se escondem de si mesmos, pois a guerra não é necessário, nem o se esconder de si mesmo. A guerra é feita para aprisionar os homens dentro de suas armaduras. Que pena que exista guerra, e que pena que as pessoas se escondem de si e dos outros. Sabe, um dia ainda vou descobrir por que as pessoas são assim”. Ela falou isso, nada mais perguntou, só olhou para o homem, sorrio e o abraçou forte. Saio a cantarolar e brincar com as flores do caminho.
O homem ficou perplexo com o dizer da menina, como podia uma criança falar coisas assim. Alevantou-se e foi para casa. Entrou em casa pegou seu violão e foi a primeira janela e porta aberta cantar. Começou a contar estorias para os passantes. Foi caminhando assim até encontrar a forasteira, que havia decidido ficar naquele lugar, estava ela a planta flores quando viu chegar saltitante e com um sorriso no lábios e a cantar:
“As curvas no caminho,
meus olhos tão distantes,
Eu quero te mostrar os lugares que encontrei
Como o céu pode mudar de cor quando encontra o mar
Um sonho no horizonte, uma estrela na manhã
De repente a vida pode ser uma viagem
E o mundo todo vai caber nesta canção
Vou te pegar na sua casa, deixa tudo arrumado
Vou te levar comigo pra longe
Tanta coisa nos espera, me espera na janela
Vou te levar comigo
Eu quero te contar as histórias que ouvi
E nas diferenças vou te encontrar
O amor vai sempre ser amor em qualquer lugar
Vou te pegar na sua casa, deixa tudo arrumado
Vou te levar comigo pra longe
Tanta coisa nos espera, me espera na janela
Vou te levar comigo”
(Vou te levar comigo- Biquini Cavadão)
E assim é a história. De um homem que desaprendeu a arte de amar e ser feliz e que encontrou nos olhos de uma criança, de uma mulher apaixonada, e nos seus próprios olhos ao se olhar e perceber que a felicidade está contida em nós. Como aprendemos a nos proteger, aprendemos também a viver livre, a doar-se, a amar.

Elisandro Rodrigues
Voltando e desaprendendo a tirar as carapaças...
Outubro de 2006

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Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento