14.2.11

Encostado no silêncio das palavras

“Eu estava encostado na manhã como se um pássaro à toa estivesse encostado na manhã” (Manoel de Barros)

Me perdi nessa manhã em busca de palavras para tatuar seu pulso. Não achei. Achei palavras tatuadas no silêncio do seu corpo. Mas não consegui traze-las ao escrito das fitinhas. Elas querem ficar ali inscritas nas suas asas para voarem em seu corpo.

Fiquei a pensar no inscrito de nossos corpos e para mim a saudade está ali, inscrita no silêncio brincando de pega-pega com meu coração. A saudade é palavra imensa para colocar tatuada no pulso. Ela nega-se a ficar apenas ali. As medidas dela não cabem na fitinha colorida, assim como o azul multicolor não se mede mais em mim.

Perdi-me nessa imensidão de sentimentos como os passarinhos a voar no céu quadrado de sua janela. Olhando para o voo deles me perco em pensamentos “e aprendi com eles ser disponivel para os sonhos”.

Nos pensamentos que avoam nada tatua-se no papel. Eles avoam pela minha alma mudando-se de lugar no meu corpo. Não querem ficar presos na fitinha do braço, formando apenas uma frase, querem correr livres pelo meu [seu] corpo. As palavras [letras] querem se transformar em asas, descer para junto dos pés e ficar pertinho do chão, querem subir ao rosto, beijar minha boca e fazer cafuné.

Descobri nessa manhã que as palavras [letras] são empréstimos teus feitos na comunhão do silêncio em meu corpo tatuando essa saudade gostosa para elas passearem feito passarinhas atoa na boniteza do por vir.


Elisandro Rodrigues

Um comentário:

Tânia Marques disse...

Cheguei...vi e gostei do que vi. Já sou mais uma louca a te seguir. Beijo grande e até o próximo encontro na terça-feira.

Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento