30.10.10

Zó e as paredes da cidade...

Zó escrevia com carvão nas paredes brancas de uma cidade descolorida pensamentos soltos e desconexos sobre sonhos e esperanças. Mas nesse dia ele resolveu escrever o que achará numa folha de papel amassada no meio do lixo. Ele escrevia o que lia e assim escreveu:

"Se eu fosse jovem e o sonho e a morte
fossem distantes como então,
Não partiria minh'alma ao meio,
guardando dela aqui um quinhão
Que tentaria o mundo das fadas
alcançar, mas sempre em vão
Enquanto a outra parte dela
andasse pela escuridão
Até curvar-se e dar três beijos
numa bela fada de maio
Que águias do céu arrancaria, com elas
pregando-me a um raio
E se meu coração fugisse dela,
e se desvencilhasse dela,
Num ninho de estrelas envolto
a fa ainda o traria com ela
Até que dele se cansasse,
quando enfarada o deixaria
Num rio de fogo onde meninos
o acabariam roubando um dia,
O iriam pegar, dele abusar,
puxando-o, deixando-o fino,
Partindo-o em quatro fios
p'ra encordoar algum violino.
E todo dia e toda noite
tocariam nele um madrigal
Que todos poria p'ra dançar
de tão estranho e sensual,
E o público rodopiaria,
saltitaria, cantaria em coro
Até que, com o olhar em brasa,
desabaria em rodas de ouro...
Mas isso foi há sessenta anos,
e jovem eu já não mais sou:
Pra tocar além do sol
meu coração já alçou voo.
Com a mente e olhar cheios de inveja,
admiro as almas isoladas
Que tal vento lunar não sentem,
alheias à Dança das Fadas,
Que não seduzem quem não as ouve,
quem não se atreve a ser tão forte.
Quando era jovem, eu era tolo. Então
me envolvam em sonho e morte."
(Neil Gaiman- Coisas Frágeis 2)

Quando Zó terminou de escrever nas paredes brancas de uma cidade limpidasuja os primeiros escritos já haviam sumido embaixo de água e sabão em pó.

Elisandro Rodrigues

26.10.10

Vento Mar...


Vento Mar e botões por onde passo. Vento um Mar de lágrimas no caminho para casa. Vento pensamentos de todas as ordens. Vento meu amor para longe para analisar a situação em que estou.


Sei que não sou o melhor dos namorados, sei que erro um monte e alimento minhas loucuras cotidianas feito furacão. Mas faço esse vendaval para ficar mais perto de você, para sentir que existe ainda. Vento tão forte que movo as águas de um Mar calmo fazendo as ondas sacudir os barcos dos pescadores.


Sou ciumento, possessivo, egoísta e medroso, eu sei que sou, e sabes que sou, e sabes como és também, osso duro de roer. O que quero lhe dizer é bem simples, como falei no telefone. Também estou cansado, exausto, rua após a enxurrada. E sei que estás assim também, proponho algo bem simples, isso se queres levar adiante nossa relação, se me amas ao ponto de construir tempestades e remexer o oceano profundo.


Proponho que arrumamos a casa, limpemos a lama, erguemos os móveis, pintamos as paredes, rabiscamos frases nos rodapés da casa. Proponho algo simples, e digo que tentarei me esforçar ao máximo para ajudar nessa construção, mas tens que fazer a sua parte, e temos que ambos entender que as vezes cansamos e precisamos deitar na parte ainda não pintada imaginando como ficara a casa quando estiver pronta. Proponho a simples construção, o deixar os pensamentos e as ideias ciumentaspossessivasloucas só para a gente, e que elas sejam lavadas pelo Mar e levadas pelo Vento.


Proponho coisas simples, como simples deve ser o amor, como simples é o Mar e o Vento. Proponho que deixamos de lado toda a ladainha dos deuses e deusas dos santos e santas e arrisquemos a orar para Deuses pagãos e mortos, nos arrisquemos a ajoelhar em frente a Deuses que acreditamos vivos. Que lancemos oferendas ao Mar e flores ao Vento. Tudo para pactuar o que pode ser límpido como o azulesverdeado do Mar e transparente como a brisa da manhã de primavera.


Proponho que nos abramos para sentir a doçura da água do Mar no nosso corpo, sentir a leveza do abraço do Vento.


É uma proposta ousada mas simples, que só quem tem coração leve e puro pode embarcar nela para navegar nesse Mar de bonitezas levados por esse Vento intempestivo.


Se queres arriscar a viver uma coisa simples regada pelo Vento e espalhamada como o Mar saberás que achou um parceiro que cansou dessa vidinha nesse mundo de gente de pedra feito máquina a fazer VentoMar artificial . Quero construir a realidade de uma outra utopia, de um outro sentimento e sentido. Quer compartilhar esse mundo comigo?


Só peço uma coisa: desprendimento do que tudo antes se viveu e saída da redoma de vidro azulcoloridoartificial.


Elisandro Rodrigues

23.10.10

Lou e coisas frágeis.


A menina Loucura entrou correndolentamente dentro de uma livraria com seu coloridodesbotado soltando fumaça de sonhos para todos os lados. Pegou um livro qualquer da estante e começou a ler alto para os comprantesdeidéias:

"...me ocorre que a peculiaridade das maioria das coisas que consideramos frágeis é como elas são, na verdade, fortes. Havia truques que fazíamos com ovos, quando crianças, para demonstrar que eles são, apesar de não darmos conta disso, pequenos salões de mármore capazes de suportar grandes pressões, e muitos dizem que o bater de asas de uma borboleta no lugar certo pode criar um furacão do outro lado do oceano. Corações podem ser partidos, mas o coração é o mais forte dos músculos, capaz de pulsar durante toda a vida. setenta vezes por minuto, não falhando quase nunca. Até os sonhos, que são as coisas mais intangíveis e delicadas podem se mostrar incrivelmente difíceis de matar.
Histórias, assim como pessoas, borboletas, ovos de aves canoras, corações humanos e sonhos, também são coisas frágeis, feitas de nada mais forte ou duradouro do que 26 letras e um punhado de sinais de pontuação. Ou então são palavras no ar, compostas de sonhos e idéias - abstratas, invisíveis, sumindo no momento que são pronunciadas -, e o que poderia ser mais frágil que isso? Mas algumas histórias, pequenas, simples, sobre gente embarcando em aventuras ou realizando maravilhas, contos de milagres e de monstros, perduram mais do que todas as pessoas que as contaram, e algumas perduram mais do que as próprias terras onde elas foram criadas...." (Neil Gaiman - Coisas Frágeis)

Ao terminar a leitura, colocou o livro de volta no lugar, e saiu saltitandoalegrementenopassotranquilo de como entrou. As pessoas comprantes de sonhos e esperanças apenas olharam para ela com estranheza, antes, durante e depois.

Elisandro Rodrigues

22.10.10

Teceturas


Tecendo uma colcha de amarguras passo os dias cinzentos de primavera. O colorido das linhas distância a ilusão da dor, mas traz para perto o sentimento do vento frio. S[c]em linhas faço o meu destino numa pro[lou]cura [in]cansável tramando concepções e sentidos para os sonhos e a esperança ... em preto e branco forma-se o desenho colorido.


Elisandro Rodrigues

18.10.10

Zó, as coisas que são frágeis, Lou...


Sentado na beira da calçada Zó observava a multidão passar no alto de suas fragilidades. Pensava ele que as pessoas eram muito frágeis com seus medos, suas ilusões. Lembrou de uma frase lida em algum pedaço de papel qualquer "As pessoas se despedaçam tão facilmente, sonhos e corações também."(Neil Gaiman - Coisas Frágeis).

Zó sabia que aquelas pessoas que caminhavam com seus semblantes sérios, taciturnas, carregavam grandes fardos. Não estranhava que as vezes, no meio daquela multidão, alguns caminhassem chorando.

Naquela aglomeração uma destacou-se nos seus olhos por um corolidodetristezaaomesmotempofeliz que saltitava entre vitrines olhando uma boniteza artificial e pessoas que ela parava na rua. Não entendendo o que se passava e pela sua curiosidade gritante saio do conforto de seu assento para olhar mais de perto aquele ser.

Chegando perto Zó viu que se tratava de alguém como ele. Sem querer, mais querendo, ele esbarrou naquele ser corolidodetristezaaomesmotempofeliz, Ela, pelo que Ele se surpreendeu foi logo dizendo:

- Aqui sou eu que estou pedindo vai achar outro lugar.

Sem entender nada falou: - Não quero pedir nada, só fiquei curioso por você. Ela o olhou estranhamente com uma delicadeza e uma ternura de criançaevelho.

- Sendo asssim, muito prazer. Pode me chamar de Lou....de Loucura.

Zó falou seu nome e voltou para seu canto de observação. Ficou olhando a menina Loucura caminhar por entre a multidão e vitrines.


Elisandro Rodrigues

(Depois de algum tempo um ato de criação...)

15.10.10

Nau...


Em um livro que uma amiga passou encontro uma frase que se faz presente no meu corpo... "Um pouco de possível senão eu sufoco.." (Gilles Deleuze em Conversações, pg. 131 -lida na Nau do Tempo Rei de Peter Pál Pelbart, pg 11).


Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento