1.5.10

Janelas de Outono

Outono. Eu tenho a alma coberta

De folhas mortas, em que o luar

Chora, alta noite, na deserta

Quietude triste da hora inserta

Que cai do tempo, devagar...

(cantiga outonal – Cecília Meireles)

Estou longe e fora das horas,

Sem saber em que consiste

Nem o que vai nem o que volta...

Sem estar alegre nem triste.

(excursão – Cecília Meireles)

Houve um tempo em

Que minha janela se abria

Para uma cidade que

Parecia ser feita de giz....

Mas, quando falo dessas

Pequenas felicidades certas,

Que estão diante de cada janela,

Uns dizem que essas coisas não existem,

Outros que só existem diante das

Minhas janelas, e outros, finalmente,

Que é preciso aprender a olhar,

Para poder vê-las assim.

(A arte de ser feliz – Cecília Meireles)

Vista do alto a cidade é um bagulho muito doido
De noite o mundo é escuro
Caminhos, carros, postes, luzes
O tempo escorre junto
O tempo é coisa de outro mundo

Vista do alto a cidade é um bagulho muito doido
De noite cachorros latem no escuro
Carinhos, posses, credos, cruzes
O tempo escorre junto
O tempo é coisa de outro mundo

(Jogos de Amar – Richard Serraria)

Ao pensar em Cartografar o meu cotidiano de um dia na cidade várias janelas se abriram mostrando imagens de céus multicolores. Lembrei-me do poema da Cecília Meireles – A arte de ser Feliz, motivado por esse poema deixei os olhos livres para olharem janelas dos livros dela, e eles encontram outros dois sobre o tempo em que estamos “Cantiga outonal” e “excursão” que fez minhas mãos pegarem os Cd’s do Vitor Ramil e meus ouvidos escutarem “ilusão da casa”. Meus ouvidos não satisfeitos remeteram mensagens às mãos para pegarem o Cd “Vila Brasil”, de Richard Serraria. Meus ouvidos queriam a faixa “jogos de amar”.

Depois desse momento de prazeres dos meus sentidos percorri a extensão da sala ao quarto e lá deitado li Suely Rolnik “o cartógrafo é um verdadeiro antropófago: vive de expropriar, se apropriar, devorar e desovar, transvalorado...tudo o que ele quer é dar língua para os movimentos do desejo...E o que ele quer é mergulhar na geografia dos afetos e, ao mesmo tempo, inventar pontes para fazer sua travessia: pontes de linguagem.”

Cartografar janelas em um outono onde o tempo corre e desliza na cidade que é um bagulho muito doido...fiquei algum tempo pensando nessas coisas todas antes de iniciar a escrita sobre o que meus olhos vêem nos percursos que realizo no meu cotidiano. Para falar a verdade é difícil descrever e registrar o que vivemos e experienciamos no dia-a-dia. É difícil cartografar o céu nublado das 6 horas da manhã. Ou a cerração que desce quando os termômetros apontam temperaturas baixas no amanhecer. Difícil cartografar o som dos passarinhos ao me acordar e olhar para o jacarandá na frente da minha janela.

Como fazer para cartografar a cara de sono das pessoas nos ônibus e trem ou o amanhecer do sol nos trilhos de ferro. Como registrar o sorriso, o sofrimento, o afeto que as muitas pessoas que passam no dia-a-dia por nós, nas que a gente trabalha. Como falar das mil e uma palavras que os olhares passam nas passadas dos transeuntes. Não tem como registrar essas coisas.

Eu apenas abro as janelas dos meus olhos para as infinitas janelas que se abrem no abrir dos deles até fecharem para o descanso merecido. Fico devendo a cartografia das cidades em que passo – Porto Alegre, Canoas, Esteio, Sapucaia, São Leopoldo e Novo Hamburgo. Fico devendo as janelas que se abrem e contam histórias, mostram vidas, contos, poesias, músicas, dor, alegria no meu cotidiano.

Deixo a vocês apenas a ilusão de uma casa e de um tempo com infinitas janelas que se abrem para um outono cantante numa cidade onde os cachorros latem no escuro e o tempo que não vai e nem vem apenas aprendendo a olhar e a ser feliz.

Elisandro Rodrigues

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Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento