28.4.10

M(o)ar[a(r)da]

Não me lembro ao certo há quantos anos atrás começou minha busca, mas tenho certeza que hoje ela acabou. Andei perdido por muito tempo entre terra, céu e mar. Principalmente o mar. Minha busca me levou a muitos lugares diferentes, desembarquei em portos que vocês nunca ousaram estar. Conheci homens e mulheres multicoloridos e multiculturais. Mas em cada lugar que parava o vazio da busca continuava, nunca cessava. Cego como estava pela perfeição da busca não percebi que quando ancorei naquele porto estranho, um lugar chamado Abacoros, havia chegado ao fim. Vim há perceber isso muito tempo depois. Na verdade percebi hoje, quando lhes escrevo para contar minimamente a minha busca pelos cantos do mundo, contar o meu trajeto, o meu percurso ao fim.

Nunca soube ao certo o significado do nome dela. Ainda não sei. Sei apenas que estava enlouquecido na minha busca e precisava de pessoas para me ajudar a bordo. Ela estava lá quando cheguei a Abacoros, sentada a um canto com um copo de gim na frente e um cigarro na mão. Estava com cara de poucos amigos. Ao entrar no lugar dei uma rápida olhada, como sempre fui parar em um bar imundo, gritei a todos os pulmões, não podia perder tempo, buscava tripulantes. Ela se prontificou logo e disse “Sim, vamos”, perguntei para ela de onde vinha me disse apenas que vinhas de um lugar distante e queria ir para um lugar mais distante ainda. Expliquei que todos os que me acompanhavam na minha busca viravam fantasmas. Ela apenas me olhou com olhos cor de carvalho velho, olhos de mar com ressaca, e nada disse apenas saiu a minha espera. Conversei com alguns homens que se ofereceram e escolhi dentro deles os mais sóbrios e saímos.

Reuni todos e pedi seus nomes e o que sabiam fazer a bordo de uma embarcação. Foi nesse momento que ela então me disse seu nome estranho, nome de estrangeira, “Mayfair, faço de tudo dentro de um barco, mas prefiro conduzir a embarcação nas coordenadas que busca”. Surpreendi-me com a força das palavras e sua determinação. Falei a todos que na minha busca muitos não voltavam perguntaram-me então o porquê e lhes disse a verdade, “Os mistérios do mar acabam ancorando as muitas vidas em portos sombrios”. Dito isso alguns dos homens viraram as costas e saíram. Permaneci com a tripulação mínima que precisava e uma Timoneira e ao mesmo tempo Imediata que precisava para seguir na procura, os outros eram apenas para manter as velas esticadas e carregar especiarias e objetos que trocávamos de porto em porto. Prometi aos que me acompanhavam liberdade, muita comida e bebida.

Mayfair ao embarcar e antes de assumir seu posto pediu-me que eu esclarecesse melhor sobre a história do mar e dos fantasmas. Contei-lhe que nos muitos anos que percorri o mar minha tripulação sumia, fugiam, ficavam em portos desconhecidos, conheciam outros barcos, eram e são livres para fazerem o que quiserem. Mas alguns eram engolidos pelo mar nos seus mistérios desconhecidos: sereias, deuses antigos, fúria das tempestades, monstros marinhos. Disse a Mayfair que minha busca me levou a muitos lugares diferentes, conhecia quase todas as rotas, países, especiarias, o mar havia se tornado um amigo. Mar onde eu fazia morada e ele se tornava morada em mim. Amigo que escutava meus lamentos e que às vezes ficava triste junto comigo, mandando tempestades e trovões. Ele nunca me levou para a profundeza de suas águas escuras, mas também não me mostrava o caminho para eu chegar ao fim da minha busca. Contei-lhe que minha embarcação mudava de porto em porto. Que fiz muitos amigos que gostaria que permanecessem comigo, mas que por suas próprias buscas me deixaram com a saudade de boas conversas e bons tragos.

Disse a ela que me perdi no tempo, nos anos que estava junto ao mar, mas por todo esse tempo ainda não me considerava um marinheiro, nem capitão. Eu apenas era um naufrago dentro de uma embarcação procurando um sentido para viver. O mar se fez Morada em mim, me fez morar nele. M(o)ar[a(r)da].

Os dias passavam lentamente na onda das águas, de porto em porto, de tempestade em tempestade, de fúria dos deuses em fúria dos deuses, minha embarcação diminuía. Apenas permanecia a Timoneira permanecia ao meu lado sendo fiel a minha busca sem sentido. Durante os meses e anos que se passaram Mayfair me contou sua história de vida, de como se sentia perdida e que agora achará seu lugar, ao meu lado na minha busca. Contou-me do sagrado do mar, dos desafios que nele se encontravam a cada onda, no ser tempestivo que era o mar. Em cada noite, entre um copo de uísque e outro, me falava das paisagens que se reviviam nela a cada instante e alegria de estar ali. Alegria de compartilhar o mar com alguém que não o entendia também, dizia que “o mar é algo complicado, um infinito que se mostra a cada onda, não tem como conhecê-lo, assim também é a vida e os amores”. Depois de tanto tempo percebi o que buscava.

Demorei anos para perceber que minha busca há muito havia terminado. A busca pela minha felicidade, a busca por aquelas noites alegres com boa companhia. Ainda não lhe falei que ela é minha busca. Ainda não contei a ela que o meu destino levou ao destino dela. Mayfair é minha busca. Meu Mar é Mayfair – Ma[yfai]r. Hoje a noite, entre nossas histórias e contos lhe falarei do meu amor que há muito sinto por ela, amor esse que antes de ver já amava. O mar me pregou uma peça. Deixou-me navegando anos sem rumo para num porto ao acaso me mostrar o Ma[yfai]r que navegaria por toda a vida. Ela se fez morada em mim desde o primeiro olhar, e continuará fazendo morada junto com as ondas do mar. Que o sagrado desse encontro continue por muitas ondas e noites.

Meus caros amigos a quem escrevo essa carta espero encontrar-los logo para dizer-lhes e mostrar-lhes pessoalmente o final de minha busca.

Abraços de calmaria e sol de alto mar.



Músicas que me acompanharam nessa escrita:
Me haces Bien, 12 segundos de oscuridad e Antes de Jorge Drexler

Poesia
Buscar (Pablo Neruda)
“Do ditirambo à raiz do mar
Se estende um novo tipo de vazio;
Não quero mais, diz a onda,
Que não sigam falando,
Que não siga crescendo
A massa do concreto
Na cidade;
Estamos sozinhos,
Queremos gritar por fim,
Mijar em frente ao mar,
Ver sete pássaros da mesma cor,
Três mil gaivotas verdes,
Buscar o amor na areia,
Sujar os sapatos,
Os livros, o chapéu, o pensamento
Até encontrar-te, nada,
Até beijar-te, nada,
Até cantar-te, nada,
Nada sem nada, sem fazer
Nada, sem terminar
O verdadeiro.”

Elisandro Rodrigues

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Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento