9.2.10

Borboletas no Estômago


Qual seu maior medo? Essa foi a primeira pergunta do psiquiatra de Joseph. Era a primeira sessão de analise dele, a empresa em que ele trabalhava havia pedido para todos os funcionários fazerem vários exames, inclusive um psicológico, com a desculpa de melhorar o padrão de qualidade do trabalho. Mas Joseph sabia que era apenas para demitir os que tinham “algum problema”. Sabendo disso Joseph mentiu.

Ele encontrava-se deitado no divã. Demorou em responder pensando em uma mentira cabível com sua situação atual. “Meu maior medo é que a paz e a sociedade em que vivemos acabe”, essa foi à mentira que Joseph contou o resto da sessão foi tranqüila com perguntas sobre sua vida, sua infância e adolescência. Se alguma vez tinha sido abusado sexualmente, se ele amava a mãe dele sexualmente falando, se o pai para ele era um herói.

Joseph saiu do consultório pensando em seus medos. Sempre tivera uma vida tranqüila e normal dentro dos padrões da sociedade, algumas frustrações amorosas, na escola, no trabalho, mas sempre as superou. Mas seu verdadeiro medo era alimentado por seriados, contos e filmes de ficção os quais depois da adolescência começou a não assistir mais. Cada vez que assistia um filme desses ficava sem dormir por quase uma semana ficando com surtos de insônia e com medo de qualquer sombra se movimentando ou barulho.

Seu maior medo era encontrar com alienígenas e descobrir que a sua vida não era nada apenas a imaginação de uma outra pessoa ou ser, apenas uma história de ficção, assim como naquele filme Matrix.

Chegou em casa abriu a geladeira e pegou o que tinha dentro dela: duas cervejas e um pedaço de pizza de dois dias atrás. Naquela noite tudo mudaria. Ele ainda não sabia por isso degustou sua pizza e cervejas tranquilamente. Assistiu a um programa sobre romances históricos de vampiros e um episodio de seu seriado favorito sobre uma família com vários problemas de relação.

No meio do seu sono sentiu algo dentro do seu ouvido. Não deu muita atenção aquela pequena irritação e voltou a dormir. No dia seguinte algo o incomodava: um ruído fraquinho dentro do ouvido esquerdo e uma coceira que provocava pequenos espasmos no corpo. Essa irritação chata continuou durante o decorrer do dia. De vez em quando parava dando um tempo de paz a ele.

Ao chegar em casa naquela noite limpou os ouvidos com cotonete e foi dormir sem comer nada. Ao acordar na manhã seguinte o mesmo barulho, a mesma sensação do dia anterior. No trabalho sua concentração diminuiu e algumas pessoas perceberam que havia algo de errado. Pela noite tinha consulta com o seu psiquiatra novamente. Falou para ele do barulho e da sensação de algo no seu ouvido, falou que estava escutando algo uma voz baixinha que não conseguia identificar o que queria dizer. O psiquiatra indicou alguns calmantes dizendo que podia ser o trabalho que estava exigindo muito dele e anotou ao lado de sua ficha “problemas de distúrbio de atenção e déficit de organização”.

Joseph não se conteve com a explicação. Sabia que algo estava errado, era o segundo dia consecutivo que estava com aquela sensação de algo dentro do seu ouvido. Em vez de ir para sua casa após a consulta foi para um Pub. Bebeu a noite toda para. A cada copo a voz e a irritação no ouvido esquerdo ia diminuindo, com o passar dos copos de uísque e gim tudo melhorou e a sensação passou. Conseguiu dormir melhor deitado no balcão do bar.

Acordou deitado no chão de sua casa, não sabia como tinha chegado até lá. Eram quase meio dia estava muito atrasado para o trabalho. Saio correndo de sua casa. roupas amarrotadas, despenteado e com bafo de álcool. Seus dias começaram a ser assim: Chegava ao trabalho atrasado, saia do trabalho mais cedo, ficava com uma irritação e coceira no ouvido por alguns minutos intensos e outros mais calmos o que às vezes provocava surtos de mal humor e irritação com os colegas de trabalho. Ao anoitecer ia para algum pub e ficava bebendo até perder-se em sonhos estranhos mais tranqüilos. Parou de ir ao psiquiatra, das dez sessões que tinha que fazer foi apenas em duas.

Tinham se passado vinte dias desde a primeira sensação de estranheza em seu ouvido esquerdo. Na noite do vigésimo dia ele decidiu fazer uma coisa radical para acabar de vez com aquilo. Joseph estava cansado de dormir bêbado e acordar bêbado. Na saída do trabalho comprou uma garrafa de uísque e foi para casa. Ao chegar em sua casa foi direto ao banheiro e deixou a banheira enchendo, foi a cozinha pegou uma faca velha e enferrujada mas que ainda era boa de corte em cima da pia que por sinal estava cheia de baratas e insetos desconhecidos (lembrou-se que fazia muito tempo que não limpava a casa). Ao entrar no banheiro o trancou e desligou a água da banheira quase cheia.

Entrou com roupa dentro da água. Pegou a faca e abriu o uísque tomando em goles grandes o conteúdo da garrafa. Na metade da garrafa já estava bêbado. Mergulhou cinco vezes dentro da banheira testando seu fôlego. Na sexta vez demorou-se um pouco ao subir novamente a superfície tinha engolido alguns bons goles de água. Pegou a garrafa de uísque pela metade e derramou-a em seu ouvido esquerdo.

Sentiu algo saindo de dentro de seu ouvido um ser pequeninho, do tamanho de um tesouro parecido com uma mariposa de luz, essas que ficam voando nas lâmpadas. O ser pequeninho caio na água tossindo e tentando respirar.

Joseph não pensou duas vezes pegou a faca e o ser pequeninho e o cortou ao meio, depois as metades em mais dois pedaços. Ao final da ação tinha oito pedaços do ser jazidos sobre a água os jogou para fora da banheira largou a faca e a garrafa que ainda estava em sua mão e adormeceu tranqüilo na banheira.

Elisandro Rodrigues


P.S: Esse conto nasceu depois de eu passar oito horas com uma borboletinha dentro de minha orelha. Não foi uma sensação agradavél, mas me rendeu boas gargalhadas.

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Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento