18.9.06


Sobre Botecos, Bodegas e Educação



Hoje fui almoçar em um boteco, ou bodega, como queiram. Pois é um boteco mesmo. Não sei se vocês costumam frequentar estes estabelecimentos, ou se lembram de algum assim, boteco? Hoje são poucos as pessoas que comem, e que frequentam um lugar destes, preferem os “shopcenter”, “Mcdonald´s”, em restaurantes de seis estrelas. Eu prefiro ainda os botecos!

Tava lá esperando meu almoço, um prato feito, e olhando o local. A primeira coisa, de muitas que me chamou a atenção, foi as conservas, típicas conservas de bodegas e botecos: ovo, ovo de codorna, pepino, cebola, pimenta, etc...E as cachaças então, tinha cachaça com: butiá, com guapo, com hortelã, com gengibre, de jabuticaba, e por ai se ia.

Não é pelas cachaças que gosto dos botequins. Gosto pelo sentido que eles me trazem. Que sentido? Me sinto como se estivesse voltando no tempo, alguns anos, as vezes alguns séculos. No tempo em que as coisas eram mais simples. No tempo em que as pessoas se encontravam nas bodegas e por ai ficavam conversando e proseando. Em alguns lugares ainda é assim, principalmente nos interiores, boteco e bodega para mim é sinonimo de partilha de vida. Vem na minha memória a idéia de gente se reunindo, bebendo, dando risada. Homens e mulheres partilhando a vida, jogando conversa fora. Tem algo mais gostoso do que jogar conversa fora?

Acredito que as escolas poderiam ser assim, os professores ensinando jogando conversa fora, falando da vida e das coisas da vida, ensinando a partir da realidade e do cotidiano das crianças. Escola-Boteco-Bodega, sem a cachaça, mas com a cachaça da vida, como diria um professor meu, “a vida é uma cachaça e a temos que desfrutas aos poucos, sentindo o gosto dela”. Escola-Boteco-Bodega, lugar de partilha, de aprendizado verdadeiro, de se prazeriar, e não as escolas que temos hoje, que metem medo, que ensinam o individualismo.

Fui almoçando e pensando nestas coisas simples. Estou dando aula em uma escola do município de Porto Alegre, Professor-Estagiário, ou simplesmente estagiário. Venho percebendo por experiência que a educação está sucateada, foi deixada de lado, abandonada. Vemos que a escola e a educação perderam seu sentido, os professores andam sem sentido.

Me pergunto como resgatar este sentido, como não transformar a educação em mercadoria. Existem poucos botecos e bodegas como os de antigamente, com o sentido que eles tinham, de lugar de encontro e de prosa. Nas escolas já não existe o prazer por educar. São poucos os educadores-professores e poucas as escolas que fazem a diferença. Fico almoçando e com a idéia de que necessitamos dar significado novamente para a educação, para o Ser Professor, o Ser Educador, e assim construir uma educação que seja Prática da Liberdade e que construa a emancipação das pessoas. Temos que construir um nova educação, não como fizeram com os botecos e bodegas que transformaram em “Mcdonald´s”, mas transformar a educação, as escolas em lugar de simplicidade e de prazer, e os professores e educadores tem que ser estes botiquineiros.


Elisandro Rodrigues

Setembro de 2006

Só que nem soca de cana. Se cortar eu nasço sempre”

A libertação, por isto, é um parto. E um parto doloroso. O homem, a mulher, que nasce deste parto é um Ser Humano novo que só é viável na e pela superação da contradição opressores-oprimidos, que é a libertação de todos. A superação da contradição é o povo que traz ao mundo este homem, esta mulher, nova não são mais opressores, não mais oprimidos, mas homem e mulher libertando-se” (Paulo Freire – Pedagogia do Oprimido)

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Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento