http://estudosdocorpo.posterous.com/de-quando-um-corpo-vaza
Começou
a escorrer quando abriu a porta e saio. Mundos desciam com força
corpo abaixo. Esguichava resíduos. A pedra foi arremessada com
força. O corpo educador que achava que rompia foi rompido. Vazou
sonhos. Utopias. Esperanças. Desceu pelo ralo a forma que tinha. A
potência do choque o arrancou da cadeira. Soco. Pedra. Quebrou a
imagem que resistia: a de uma escola que tenta pensar. Os sentidos,
as imagens fabricadas esfacelaram-se em um acontecimento. A pergunta
que não soube fazer não se fez. Vazou. Se desformou.
O corpo
educador-infantil que desconstruía perdeu força,
despontencializou-se. Os vazios tomaram conta. O rasgão interior foi
grande, mas ninguém percebeu. Molhava os lugares e os outros corpos
por onde passava. Ninguém o via. Ninguém se interessava. Ninguém
se importou. Percebeu pela primeira vez buracos aqui e ali nos corpos
educadores que passavam. Não saia nada deles. Caminhavam e falavam
vazios. Corpos sem potência. Corpos professoris que não brotam. Não
pensam. Apenas seguem o fluxo, os caminhos de tijolos vermelhos, da
dita verdade.
'Você
fez concurso pra que?' lembrou da pedra jogada de um corpo que sabia
a resposta [ou acreditava que sabia].
Nos
rabiscos do a[o]caso uma imagem-lembrança saltou do que escorria
corpo abaixo. Lembrou de um pensamento-educação: 'desprofessorar'.
Construir emaranhados de riscos, redes de saúde-educação-cultura,
fazer Acompanhamento Terapêutico no chão escola. Vazar possíveis
desalunos. A não-resposta saltou da língua. Ninguém o ouviu.
Fecharam o tecido cartilaginoso do pavilhão auricular.
O que
vazava do seu corpo abria o nariz, os olhos, a boca, as orelhas. As
fendas aumentavam. Uma sensação estranha passou pelo seu corpo.
Esvaziava-se violentamente. As substâncias pegajosas, grudentas,
fétidas, amargas, abriam novos sentidos, percepções, afecções.
Sentiu-se
vazio. Um vazio-cheio. Olhou três imagens que demoravam-se a escoar
pelo ralo: uma imagem-lembrança de uma educação tradicional,
dogmática, despontencializadora; uma
imagem-lembrança-do-presente-atual de uma ilusão, de um faz de
conta que se pensa a educação e que se faz uma educação
diferenciada; e uma imagem que descia em um círculoquadradoretângulo
junto com nacos de instantes, intervalos, fendas que brilhavam: uma
imagem-cristal. A vidência de outros possíveis mergulhou no olho
dentro do olho: algo que vaza para ir produzir em outro lugar. Viu
sem ver um corpo que junta dos cacos, dos pedaços, dos pormenores um
desassossego em profundidade, uma alucinação sem borda, um possível
desajeitado, torto, um broto.
Nesse
pular do olho pensou, se perguntou: Quando um corpo vaza o que brota?
Elisandro Rodrigues