24.9.09

Catador de Botões



“Os nossos corpos são finas camadas de carne que recobrem um poema. Somos poemas encarnados.” (Rubem Alves)


O menino sentado em cima da árvore observa o tempo sendo soprado pelos ventos girando seu catavento. Observa o tempo passar sem fixar-se muito em nada. Sente-se só com seu catavento e suas palavras encarnadas. Sem perceber uma menina passa por perto dele. A menina vem cantando e sorrindo, como se a música fosse seu corpo sendo soprado pelo vento, cri(ando) e rein(venta)ndo formas, cores, aromas e sabores. Vem caminhando com seus botões – nas orelhas, nas roupas, no cabelo, nos tênis, na sua sacola interligada com fios.


O vento traz ao menino o sopro de um a(braço) quente e aconchegante. Ele olha em volta tentando descobrir de onde vem aquele calor gostoso que o envolve. Seus olhos são acolhidos carinhosamente por um afago dos olhos da menina. O olhar o envolve e o desnuda mostrando seus sonhos e suas utopias. A menina dos botões apenas sorri para ele e sai no seu in(vento) de novos sopros e na teimosia de novos vôos. O menino pisca e seus olhos se enchem da boniteza da vida.


O menino permanece sentado em cima da árvore sem reação depois do olhar que o desvelou e mostrou a ele novos sonhos possíveis. Sem saber o que fazia desceu da árvore e começou a caminhar atrás dos botões deixados pela menina. Achava os botões aqui e ali ficavam caídos - perdidos no meio da grama, mas não enxergava a menina que os largava. Assim de botão em botão ele continuo a caminhar.


Quando se quer achar algo não se acha, é assim que funciona com os botões quando queremos os pregar em nossas roupas. Sempre está faltando um em nossas camisas, blusas, calças. Quando queremos encontrar não encontramos. Foi assim que se seguiu com o menino do catavento e das palavras encarnadas. À medida que achava os botões e procurava a menina que os largava o tempo ia passando. À medida que caminhava mais botões ele achava. Depois de certo tempo decidiu que iria distribuir esses botões, dar a outras pessoas que haviam perdido, ou faltava um botão, ou para enfeitar os cabelos, as orelhas, as roupas, criando penduricalhos com botões, roupas, sacolas, reinventando novas formas de utilizá-los. Mas a menina dos botões não tornou a ver.


O menino se tornou um catador de botões, e um distribuidor de botões perdidos. Deu-se conta em seu caminhar que muitas coisas se perdem quando os olhos piscam. Deve ter acontecido isso com a menina dos botões, seus olhos piscaram depois de à ver, e ela desapareceu no nada. Muitas coisas ele achava e distribuía além dos botões: livros, palavras, abraços, cheiros, flores, sorrisos, beijos, poesias, guarda-chuvas, ...


Quando cansada de caminhar, permanecia por um certo tempo em cima das árvores, pensando que assim ela apareceria sem o ver. Mas as coisas não acontecem assim. Nos dias que passavam cheios de coisas perdidas ele encontrou um poema, o pedaço de uma música cantada que o vento soprou:


“São Longuinho, São Longuinho
Me fale me dê um sinal!
São Longuinho, São Longuinho
Pra onde foi?”


Aos poucos a música se tornou um mantra, e os mantras são coisas bonitas que se perdem na voz e nos sentimentos, assim como o corpo se transforma em palavra e em poema encarnado. São Longuinho deve ter atendido o seu pedido, depois de tanto cantar num dia onde as nuvens estava cinzas e o corpo necessitava de um abraço ele sentiu o perfume dela novamente. Mas como muitas vezes havia acontecido achou apenas que fosse sua imaginação. Sentado em cima de uma árvore ele permaneceu. Quando ela o chama:


“Ei! Ei você ai em cima! Se por acaso tem um verso perdido, ou quem sabe pendente para preencher as estrofes da degustação de novos instantes?”


Os olhos do menino piscaram, quem sabe fosse imaginação. Mas não, quem perguntava era a menina dos botões. Radiante em beleza e poesia com os botões pendurados no corpo, era ela sem dúvida. “Ei menino. Ando a procura de uns versos perdidos, me contaram que por esses lados andava alguém que catava coisas perdidas, pelo jeito é você né?”


A menina olhava para ele com ternura desvelando nela mesma sonhos possíveis e utopias reais. O menino se olhou e percebeu o quão estranho estava, não desnudo como da outra vez, mas cheio de coisas presas em suas roupas: botões, livros, poemas, pedaços de papéis, flores, garrafas, fitas, ... e seu catavento. “Que verso você procura?” disse ele descendo da árvore.


“Perdi um verso quando encontrei um menino certa vez, na verdade compartilhei com ele no olhar, mas não o encontro, nem o verso nem o menino. O verso era mais ou menos assim ‘é muito gostoso esse nosso aconchego ...’ e não me lembro o resto.”


O menino a olhou dentro do olho dentro e repetiu “é muito gostoso, esse nosso aconchego, esse nosso chamego, essa nossa alegria de ser feliz...” e caminhando em direção a menina dos botões a abraçou com o sopro e o vento de muitas caminhadas e muitos dias.


Elisandro Rodrigues



11.9.09

“te extraño”




Os dois estavam sentados na beira do mar. O vento estava forte, mas as águas estavam calmas. O frio fazia os corpos dos dois chegarem mais perto os envolvendo em um único e duradouro abraço. Após um longo tempo de silêncio onde os sons do mar e do vento compunham uma suave e harmônica melodia com o silêncio ela disse – “Permítanme sacar una foto de usted con la ciudad”. Ele olhou para ela e sorriu acenando a cabeça positivamente. Ele se levantou e caminhou até a beirada do trapiche de concreto. Ela tirou a foto registrando o momento em que o vento, as ondas e o silêncio enchiam os corações de ambos. Ele voltou caminhando para junto dela e sussurrou lentamente no ouvido dela – “Me lembrei de uma frase que diz o seguinte ‘Os nossos corpos são finas camadas de carne que recobrem um poema. Somos poemas encarnados’. Sentirei saudades de você!”. Ela o olhou nos olhos se aproximando mais do seu abraço e disse ao som do mar e do vento “También te extraño”. Fechando os lábios aproximou-se dos lábios dele e o beijou suavemente deixando uma lágrima escapar dos olhos.

Elisandro Rodrigues

Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento