9.5.07



Em tempos de visita do Papa ao Brasil, de muitas polemicas referentes a redução da maioridade penal, da mobilização da juventude e do povo brasileiro, trago um artigo de um amigo, sobre nossas lutas, nossos sonhos e nossas expectativas enquanto juventude organizada nas Pastorais da Juventude.








Como Luto pela minha Causa?
Por Leonardo Dorneles*

Foi durante o I Acampamento da Juventude da Romaria do Trabalhador, em Cruz Alta que senti a necessidade de escrever algumas linhas aos meus amigos e minhas amigas, companheiros e companheiras de fé e caminhada, na luta pela melhoria da vida para o povo, ao lado da juventude. O momento foi oportuno para a instalação da crise que estou passando agora, afinal, discutir Trabalho e Educação durante dois dias e ainda celebrar isso tudo em Romaria, não passa pela gente sem deixar algum sinal, como diz a música. E assim aconteceu comigo, um jovem em meio a tantos outros tentando me situar na construção de uma idéia humanizadora de trabalho e educação sob o viés juvenil, pois nada muda, diria João Pedro Stédile, que não seja pelas mãos e força da organização da juventude.
Saindo de lá a pergunta acompanhava as batidas ritmadas do coração: Como luto pela minha causa? A causa não é estranha a ninguém, penso. É a causa do coletivo, autonomia, libertação, vida digna, dos direitos garantidos, do profetismo, da educação libertadora, do trabalho que gera vida. Mas como luto por isso? Como não fazer um momento ser apenas um momento? Como transformar experiências em lutas concretas e articuladas? Aliás, a Pastoral da Juventude está em sintonia com essa reflexão?
Depois, conversando com um amigo, fomos refletindo sobre as questões que envolvem a política, educação e o papel da juventude organizada nisso tudo. Na verdade, percebemos que há algumas saídas para que a crise não se instaure em todos os setores de esquerda e progressistas desse país (estaria instaurada se a esquerda estivesse no poder de partidos, mas como não está ainda temos força). Precisamos fazer com que a crise seja a formadora de soluções para os problemas e não para esmorecer deixando cair por terra os ideais que nos fazem lutar pela causa.
A crise que me refiro está ligada as perdas dos referencias políticos - ideológicos que durante quase trinta anos lutamos (ou lutaram) para que hoje estejam a frente desse país, pois acreditávamos que as mudanças necessárias para que o povo tivesse vez fossem implantadas. Imaginamos uma criança que foi violentada sexualmente pelo seu pai. Após o ato, em quem essa criança passa a confiar, se o seu grande modelo lhe corrompeu com o erro desse ato? A quem vai recorrer, sendo uma criança tão dependente do pai e colocando nele toda sua esperança e confiança? Lutamos tanto para eleger um presidente que veio do nosso meio, que lutou junto conosco nos momentos mais complicados, desde a ditadura militar, na organização de sindicatos, o processo de redemocratização do Brasil até concorrer a presidência desse país por quatro vezes, onde a força e organização dos movimentos e pastorais sociais o elegeram e “assumiram” com ele o poder. E o que passou na nossa cabeça naquele momento? É o inicio da revolução! O maior país da América latina agora é governado por um socialista que tem boas chances de abrir as lutas pela libertação dos povos latinos. A esperança dava um passo e isso estava visível em nossas palavras e atitudes. Quem não ficou feliz com a ida de milhares de brasileiros e brasileiras a Brasília “avermelhar” aquela cidade na primeira posse do presidente Lula? Eu tenho uma lembrança guardada de uns trabalhadores se banhando nos lagos em volta o palácio do planalto, mostrando que ali, naquele momento, era o povo que dava as rédeas do país e que ninguém mais poderia nos tirar isso. Pelo menos por quatro anos. Meu coração bate forte e as lágrimas caiam do rosto quando lembro daquela cena.
Passado os quatro anos de governo e analisando com cuidado o governo Lula, que sinais temos da revolução nesse país? Sendo bem pé-no-chão, não posso dizer que estou contemplado nos objetivos pelos quais não só votei, mas militei, carreguei bandeira, convenci pessoas que até hoje me cobram porque também esperavam uma postura diferente do governo. Eu queria mais. Eu queria rompimentos com órgão de fora que aqui ditam como o nosso povo deve viver. Eu não queria ver o Lula receber o Bush aqui. Eu queria ver o Brasil se posicionar contra a invasão do Iraque. Queria ver o presidente Lula ao lado do MST, como sempre disse que estava. Eu queria coerência com aquilo que me fez cativar pela proposta da esquerda, materializada naquele tempo pelo Partido dos Trabalhadores. Eu queria que o governo me ajudasse na concretização dos sonhos que tenho e da causa que luto. Eu queria tanta coisa. Mas fui traído por incoerências de pessoas que foram picadas pelas moscas azuis, e levadas pelas tentações decorrentes dessas mordidas, como diz Frei Betto.
Mas como Cristão, e dando importância para a ressurreição, não posso deixar morrer os sonhos que tenho e a causa pela qual luto e dedico a minha vida. Diante da decepção da traição e da dor que ela traz, não posso entregar os pontos de bandeja para aqueles que sempre quiseram me ver na mesmice da vida e inutilizando o ser humano que sou. Então, como lutar pela minha causa, se nem na política eu acredito mais? Logo eu que um dia acreditei que a política e a religião seriam as únicas coisas que poderiam mudar a nossa vida. Será que a política ainda tem estruturas confiáveis para praticar a mudança? Ou as estruturas estão prontas e corrompidas pela pratica da corrupção e nelas “habitam” as pessoas que ali melhor se encaixam? Como lutar pela minha causa se o governo que tinha a possibilidade de dar autonomia ao povo em oito anos criou mais dependência? ( [1] ). E agora, dependentes do assistencialismo social, fica impossível criar consciência de que ainda sofremos com as desigualdades e que precisamos vencê-las. Pois como será a postura do povo se os partidos azuis assumirem o poder? Pensemos em luta organizada para derrubá-los? Essa não virá, a alienação não acabou.
Hoje, lutar pela causa significa construir uma nova base onde possamos pisar e afirmar aquilo que acreditamos. Por muito tempo essa base foi a política de “esquerda”, identificada no PT e com apoio fortíssimo dos Movimentos e Pastorais Sociais. Hoje, após as decepções desse partido e da política, onde pisaremos? Não há possibilidade mais sólida que a organização do povo para pensar e lutar pelas questões que são do nosso interesse. Se do governo não podemos esperar mais nada, construiremos então a nossa proposta para esse país. E como se faz isso? Ou poderia perguntar: Como NÃO se faz isso? Não fazemos isso com fechamento das nossas organizações para o diálogo e comprometimento com outras que lutam pela mesma causa, com a falta de formação e conscientização popular, na auto-suficiência, sendo fundamentalistas, moralistas, na interpretação preconceituosa da opção de trabalho de cada organização (fato que aconteceu no acampamento da juventude por parte de membros da PJ contra a Pastoral da Juventude Marista e que depois, desconcertado, pedi desculpas), com a destruição de pautas comuns que visam integrar as lutas e potencializar a ação popular diante de atitudes do governo que não estão a nosso favor por causa de brigas e desentendimentos menores que a luta e a causa que nos une. Devemos aspirar antônimos a isso. A preocupação deve estar em criar o chão para pisar, o chão que é a esperança de algum dia ver nossos sonhos realizados e a nossa causa vencedora. O chão é o amor que temos por essa terra, pois dela somos filhos e fincando o pé não abrimos mão. O chão é a possibilidade de manter viva a chama do reino de Deus possível ainda em nosso tempo. O chão é o horizonte para Eduardo Galeano e a Utopia para nosso jovem genial Hilário Dick.
A Pastoral da Juventude tem missão nisso tudo. Afinal, nesse país, somos nós a maior organização de jovens. A capacidade de mobilização de nossos grupos em um único DNJ supera qualquer organização que a mídia já tentou fazer. Ninguém articula tão bem como nós, mesmo estando fragilizados. Por isso é o momento de fazer valer essa força e definir como lutamos pela nossa causa, em sintonia com aqueles que são companheiros e companheiras, na reconstrução de nossas bases, de nosso chão. Precisamos saber onde vamos pisar para dar seguimento a história desse país e garantir vida abundante para os que aqui estão e os que virão. Sem base firme, sólida, sem chão, sem referencias, ficaremos também sem trabalho que gera e sustenta a vida, sem educação libertadora e humanizadora, sem luta, sem causa, sem sonho.


*Leonardo Dorneles
Secretário Regional da Pastoral da Juventude do RS



Notas
[1]- Não sou totalmente contra o governo. Reconheço alguns avanços com relação ao governo anterior, inclusive no diálogo com o todo da sociedade, até mesmo com seus opositores. Porém, o que não posso acreditar é que a “revolução” inicie por programas sociais que não possibilitaram a inclusão massiva da grande maioria da população brasileira e a garantia de seus direitos. O governo Lula não conseguiu, na minha avaliação, equacionar as oportunidades entre ricos e pobres. Tampouco preparar o terreno para a sua sucessão, já que sempre esteve consciente que em oito anos as mudanças seriam mínimas. O que fez foi muito pouco se comparado ao avanço das correntes que lutam justamente pelo contrário. A desigualdade.

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Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento