13.5.07


Nos processo de vida nosso, nas nossas opções, sempre encontramos alguns referências teóricos e de testemunho prático. Na minha caminhada pastoral, um desses referências completa 70 anos já, trago um texto dele aqui, que mostra por que ele é um cara que merece nosso respeito, nossa admiração e nosso estudo.



70 SUPÕE 50...
CRÔNICA DE ANIVERSÁRIO

Dizem que ao chegar aos 70 começa a nascer a vontade de recordar. Não quero fugir dessa divina tendência. Fiquei pensando no que faria neste dia em que completo 70 anos de vida e festejo, com meus amigos e amigas, os 50 anos de vida religiosa e decidi: vou recordar! De forma abreviada, mas com algumas coisas que consigo sentir e agradecer nesta data. Meu dia de aniversário sempre tem uma forte concorrência: o dia das mães e é por isso que vou dedicar o que escrevo a esta mãe (nossa e minha). Nascer, em todos os sentidos, tem tudo a ver com a mãe. Que ela, lá do céu, abençoe a mim e a todos e todas, em todos os nossos sonhos e desajeitos.

Nas minhas confidências sempre digo que tive três vocações: a de ser padre, a de ser jesuíta e a de ser um padre dedicado à juventude. Onde me firmei mais foi na terceira, e não estou arrependido. A imagem pretensiosa que se levanta em mim, nos últimos meses, é a de Dom Quixote. Aliás, é a obra que estou relendo nestes dias de celebrações. Toda pessoa precisa ter uma “causa”, assim como o magro Quixote. Como Quixote, tive a ventura de voltar, nestes dias, à cidade do Rio de Janeiro onde os jovens plantaram, em mim, esta bandeira. Encontrei-me, para celebrar, com uns quantos deles – agora todos casados, lutando na vida e não deixando de me recontar os anos que entre eles vivi. São dessas coisas de matar...

E aí fico pensando na necessidade maluca que a “gurizada” tem de referenciais. Todos nós, aliás, precisamos de modelos. Não é por nada que o Nazareno disse que Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida. Lendo certos recados no “orkut”, escritos por jovens e adolescentes, arrepio-me pensando como é importante encontrar gente que esteja de bem com a vida, mesmo no meio dos atropelos. Estou aprendendo que, para estar do lado dos jovens, não podemos trilhar o caminho da vaca, isto é, precisamos ter aspectos de “desviantes”. A gente, contudo, não é “desviante” porque decide se-lo mas porque a gente é, simplesmente, sem encontrar muitas fórmulas. Um dos aspectos do “desviante” é que ele sabe rir das coisas. Por isso que o jovem é o sacramento da alegria.

Nos 50 e 70 anos que vivi dei-me conta que larguei muita coisa. Larguei a família (que adoro), larguei casar (que adoro), larguei ter coisas (que adoro), larguei a literatura (que adoro), larguei a UNISINOS (que não adoro tanto), larguei o IPJ (que adoro e sofro com o que fizeram com ele. Um pecado!); enfim, larguei muita coisa para abraçar outro aspecto da causa. A causa do Reino traduziu-se, não sei como nem porquê, na causa pela juventude. Dizer isso até parece presunção mas é a utopia que não estou querendo largar. Na juventude, de repente, está tudo.
Outra coisa que vou verificando é que minha vida mudou em agosto de 1975 quando comecei a penetrar numa nova olhada para o mundo, a fé e tudo mais através daquilo que se chama “Teologia da Libertação”. É um estilo novo de vida onde tudo é o mesmo, mas não é o mesmo. Aprendi que a felicidade, a libertação, o conflito é a mesma, mas é diferente. Poderia dizer que aprendi a ter uma idéia fixa. Ter uma idéia fixa é ter um projeto de vida que seja pessoal, baseado no Evangelho, dando lugar preferencial aos empobrecidos. Tudo se veste de algumas mesmas cores, também a pedagogia, também a espiritualidade, também a Teologia. Tudo. E nisso o Quixote se revela como um eterno cavaleiro andante dando a vida por sua Dulcinéia... Aprendi que precisamos ter uma proposta, no seu todo e na sua tradução pedagógica. Por isso que me assanho, por exemplo, quando se fala de “opções pedagógicas” na evangelização da juventude.

Nos últimos tempos li um livreto de Hans Küng que me marcou profundamente. Ver esse velho e grande teólogo dizer o porquê do ainda ser cristão hoje me derrubou, isto é, levantou em mim a bandeira mais importante. No meio da globalização desbragada e no meio das loucas mudanças de paradigma podem aparecer miríades de tentações, mas tentação radical é largar o seguimento de Jesus Cristo e ser cristão por formalidade. Não vou dizer que sou um grande seguidor dEle, mas gostaria de se-lo porque é algo fundamental.

Olhando-me no que consigo ser destacaria três aspectos, como bom jesuíta: sem ser historiador sou um amante da memória histórica, também no trabalho com os jovens; sem ser teólogo, sou um batalhador neófito do divino que se encarna no jovem. O grande discurso, como Igreja, é sobre o jovem como realidade teológica; sem ser um pedagogo, quem deseja trabalhar com jovens deve ser um neotéfilo, um amante da juventude. Por isso que me agrada trabalhar com assessores e animadores de jovens. Enfim, nada mais do que agradecer. Sempre me lembro dos meus 18 anos lendo “Diário de um pároco de aldeia”, de Georges Bernanos. Aquele final do romance dizendo que “na vida tudo é graça” nunca me abandonou. Nem nos meus 70 anos. Por isso, nada mais divino do que dizer que “tudo é graça”. Amém.

P. Hilário Dick S.J. 12 de maio de 2007.

9.5.07



Em tempos de visita do Papa ao Brasil, de muitas polemicas referentes a redução da maioridade penal, da mobilização da juventude e do povo brasileiro, trago um artigo de um amigo, sobre nossas lutas, nossos sonhos e nossas expectativas enquanto juventude organizada nas Pastorais da Juventude.








Como Luto pela minha Causa?
Por Leonardo Dorneles*

Foi durante o I Acampamento da Juventude da Romaria do Trabalhador, em Cruz Alta que senti a necessidade de escrever algumas linhas aos meus amigos e minhas amigas, companheiros e companheiras de fé e caminhada, na luta pela melhoria da vida para o povo, ao lado da juventude. O momento foi oportuno para a instalação da crise que estou passando agora, afinal, discutir Trabalho e Educação durante dois dias e ainda celebrar isso tudo em Romaria, não passa pela gente sem deixar algum sinal, como diz a música. E assim aconteceu comigo, um jovem em meio a tantos outros tentando me situar na construção de uma idéia humanizadora de trabalho e educação sob o viés juvenil, pois nada muda, diria João Pedro Stédile, que não seja pelas mãos e força da organização da juventude.
Saindo de lá a pergunta acompanhava as batidas ritmadas do coração: Como luto pela minha causa? A causa não é estranha a ninguém, penso. É a causa do coletivo, autonomia, libertação, vida digna, dos direitos garantidos, do profetismo, da educação libertadora, do trabalho que gera vida. Mas como luto por isso? Como não fazer um momento ser apenas um momento? Como transformar experiências em lutas concretas e articuladas? Aliás, a Pastoral da Juventude está em sintonia com essa reflexão?
Depois, conversando com um amigo, fomos refletindo sobre as questões que envolvem a política, educação e o papel da juventude organizada nisso tudo. Na verdade, percebemos que há algumas saídas para que a crise não se instaure em todos os setores de esquerda e progressistas desse país (estaria instaurada se a esquerda estivesse no poder de partidos, mas como não está ainda temos força). Precisamos fazer com que a crise seja a formadora de soluções para os problemas e não para esmorecer deixando cair por terra os ideais que nos fazem lutar pela causa.
A crise que me refiro está ligada as perdas dos referencias políticos - ideológicos que durante quase trinta anos lutamos (ou lutaram) para que hoje estejam a frente desse país, pois acreditávamos que as mudanças necessárias para que o povo tivesse vez fossem implantadas. Imaginamos uma criança que foi violentada sexualmente pelo seu pai. Após o ato, em quem essa criança passa a confiar, se o seu grande modelo lhe corrompeu com o erro desse ato? A quem vai recorrer, sendo uma criança tão dependente do pai e colocando nele toda sua esperança e confiança? Lutamos tanto para eleger um presidente que veio do nosso meio, que lutou junto conosco nos momentos mais complicados, desde a ditadura militar, na organização de sindicatos, o processo de redemocratização do Brasil até concorrer a presidência desse país por quatro vezes, onde a força e organização dos movimentos e pastorais sociais o elegeram e “assumiram” com ele o poder. E o que passou na nossa cabeça naquele momento? É o inicio da revolução! O maior país da América latina agora é governado por um socialista que tem boas chances de abrir as lutas pela libertação dos povos latinos. A esperança dava um passo e isso estava visível em nossas palavras e atitudes. Quem não ficou feliz com a ida de milhares de brasileiros e brasileiras a Brasília “avermelhar” aquela cidade na primeira posse do presidente Lula? Eu tenho uma lembrança guardada de uns trabalhadores se banhando nos lagos em volta o palácio do planalto, mostrando que ali, naquele momento, era o povo que dava as rédeas do país e que ninguém mais poderia nos tirar isso. Pelo menos por quatro anos. Meu coração bate forte e as lágrimas caiam do rosto quando lembro daquela cena.
Passado os quatro anos de governo e analisando com cuidado o governo Lula, que sinais temos da revolução nesse país? Sendo bem pé-no-chão, não posso dizer que estou contemplado nos objetivos pelos quais não só votei, mas militei, carreguei bandeira, convenci pessoas que até hoje me cobram porque também esperavam uma postura diferente do governo. Eu queria mais. Eu queria rompimentos com órgão de fora que aqui ditam como o nosso povo deve viver. Eu não queria ver o Lula receber o Bush aqui. Eu queria ver o Brasil se posicionar contra a invasão do Iraque. Queria ver o presidente Lula ao lado do MST, como sempre disse que estava. Eu queria coerência com aquilo que me fez cativar pela proposta da esquerda, materializada naquele tempo pelo Partido dos Trabalhadores. Eu queria que o governo me ajudasse na concretização dos sonhos que tenho e da causa que luto. Eu queria tanta coisa. Mas fui traído por incoerências de pessoas que foram picadas pelas moscas azuis, e levadas pelas tentações decorrentes dessas mordidas, como diz Frei Betto.
Mas como Cristão, e dando importância para a ressurreição, não posso deixar morrer os sonhos que tenho e a causa pela qual luto e dedico a minha vida. Diante da decepção da traição e da dor que ela traz, não posso entregar os pontos de bandeja para aqueles que sempre quiseram me ver na mesmice da vida e inutilizando o ser humano que sou. Então, como lutar pela minha causa, se nem na política eu acredito mais? Logo eu que um dia acreditei que a política e a religião seriam as únicas coisas que poderiam mudar a nossa vida. Será que a política ainda tem estruturas confiáveis para praticar a mudança? Ou as estruturas estão prontas e corrompidas pela pratica da corrupção e nelas “habitam” as pessoas que ali melhor se encaixam? Como lutar pela minha causa se o governo que tinha a possibilidade de dar autonomia ao povo em oito anos criou mais dependência? ( [1] ). E agora, dependentes do assistencialismo social, fica impossível criar consciência de que ainda sofremos com as desigualdades e que precisamos vencê-las. Pois como será a postura do povo se os partidos azuis assumirem o poder? Pensemos em luta organizada para derrubá-los? Essa não virá, a alienação não acabou.
Hoje, lutar pela causa significa construir uma nova base onde possamos pisar e afirmar aquilo que acreditamos. Por muito tempo essa base foi a política de “esquerda”, identificada no PT e com apoio fortíssimo dos Movimentos e Pastorais Sociais. Hoje, após as decepções desse partido e da política, onde pisaremos? Não há possibilidade mais sólida que a organização do povo para pensar e lutar pelas questões que são do nosso interesse. Se do governo não podemos esperar mais nada, construiremos então a nossa proposta para esse país. E como se faz isso? Ou poderia perguntar: Como NÃO se faz isso? Não fazemos isso com fechamento das nossas organizações para o diálogo e comprometimento com outras que lutam pela mesma causa, com a falta de formação e conscientização popular, na auto-suficiência, sendo fundamentalistas, moralistas, na interpretação preconceituosa da opção de trabalho de cada organização (fato que aconteceu no acampamento da juventude por parte de membros da PJ contra a Pastoral da Juventude Marista e que depois, desconcertado, pedi desculpas), com a destruição de pautas comuns que visam integrar as lutas e potencializar a ação popular diante de atitudes do governo que não estão a nosso favor por causa de brigas e desentendimentos menores que a luta e a causa que nos une. Devemos aspirar antônimos a isso. A preocupação deve estar em criar o chão para pisar, o chão que é a esperança de algum dia ver nossos sonhos realizados e a nossa causa vencedora. O chão é o amor que temos por essa terra, pois dela somos filhos e fincando o pé não abrimos mão. O chão é a possibilidade de manter viva a chama do reino de Deus possível ainda em nosso tempo. O chão é o horizonte para Eduardo Galeano e a Utopia para nosso jovem genial Hilário Dick.
A Pastoral da Juventude tem missão nisso tudo. Afinal, nesse país, somos nós a maior organização de jovens. A capacidade de mobilização de nossos grupos em um único DNJ supera qualquer organização que a mídia já tentou fazer. Ninguém articula tão bem como nós, mesmo estando fragilizados. Por isso é o momento de fazer valer essa força e definir como lutamos pela nossa causa, em sintonia com aqueles que são companheiros e companheiras, na reconstrução de nossas bases, de nosso chão. Precisamos saber onde vamos pisar para dar seguimento a história desse país e garantir vida abundante para os que aqui estão e os que virão. Sem base firme, sólida, sem chão, sem referencias, ficaremos também sem trabalho que gera e sustenta a vida, sem educação libertadora e humanizadora, sem luta, sem causa, sem sonho.


*Leonardo Dorneles
Secretário Regional da Pastoral da Juventude do RS



Notas
[1]- Não sou totalmente contra o governo. Reconheço alguns avanços com relação ao governo anterior, inclusive no diálogo com o todo da sociedade, até mesmo com seus opositores. Porém, o que não posso acreditar é que a “revolução” inicie por programas sociais que não possibilitaram a inclusão massiva da grande maioria da população brasileira e a garantia de seus direitos. O governo Lula não conseguiu, na minha avaliação, equacionar as oportunidades entre ricos e pobres. Tampouco preparar o terreno para a sua sucessão, já que sempre esteve consciente que em oito anos as mudanças seriam mínimas. O que fez foi muito pouco se comparado ao avanço das correntes que lutam justamente pelo contrário. A desigualdade.

3.5.07


Mística e Espiritualidade: Dimensões esquecidas, mas necessárias.(1)
Elisandro Rodrigues(2)


Me levanto pela manhã, com uma sede. Tomo água, mas não é esta a minha sede, passo pela sala, vejo no canto da sala o nosso ambiente de oração. Um tapete, algumas almofadas, uma vela com essência de canela, uma bandeira da Pastoral da Juventude, em cima dela algumas sementes, um barquinho, uma bíblia e o Ofício Divino da Juventude. Sento no tapete e minha sede parece ser de oração.
Não é todos os dias que sinto esta ânsia de rezar, não são todos os dias que dá está vontade nas pessoas de falar com Deus. Pego meu livro de orações, e começo a interiorizar-me preparando-me para este momento de espiritualidade que o Ofício Divino da Juventude me proporciona. Fico a refletir o por que as pessoas rezam, qual é a mística que faz com que as pessoas sintam esta necessidade de rezar. Me perguntando começo cantando o mantra da manhã: "Amanheceu é um novo dia, bendito seja Deus quanta alegria". Cada manhã que chega, cada dia novo é uma benção na vida das pessoas, mas se não entendermos como tal não será, se nos levantamos já pensando no dia chato que teremos, assim ele será. "Bendito seja Deus, quanta alegria". Que alegria busco neste dia? O que me faz feliz neste dia? O que me move a cantar, a rezar, a Ser-Humano? Qual a importância da mística e da espiritualidade, para que isso?
São muitas as perguntas que passam por minha cabeça nos poucos segundos que entôo o mantra inicial. Faço a abertura cantando "Estes lábios meus vem abrir senhor, canta a minha boca sempre o teu louvor....Céus e terras dancem de tanta alegria! Deus com sua justiça nos governa e guia!..." . A alegria está presente quando estamos apaixonados, quando amamos. Será que a mística e a espiritualidade é a manifestação do amor? Com esta pergunta passo para a Recordação da vida que o Ofício propõe, momento de pensar e de refletir sobre a nossa vida.
Ouso neste momento "definir a mística como a força espiritual capaz de desenvolver um processo que culmina na união do mistério humano com o mistério divino."(3)
A mística percorre o caminho da unidade. Seja na fusão do divino com o humano da concepção ocidental, seja na inserção do humano na unidade cósmica da visão oriental. Assim, o movimento da experiência mística caminha sempre em direção do uno, ou seja, a fusão do individuo na totalidade, no absoluto.(4)
Mística vem de MYSTERION, que significa o caráter escondido das coisas. Viver o místico é o desafio de atingir o mistério humano, é viver o manejo da vida em sua totalidade. O Ser-Humano vive em busca de algo mais, sempre em busca de um mistério. Quando as pessoas se apegam a uma religião, a uma crença, estão tentando suprir e buscar este vazio que se habita dentro da gente.
O ser humano é um ser de sentimentos, sonhos, ideais, utopias, poesia, esperança, genialidade, beleza e amor. O ser humano se completa no imaginário que faz parte de sua realidade.O ser humano, enraizado neste mundo, está para além deste mundo. O novo ser humano emerge com universos interiores, com experiências de retorno à fonte, ao seu centro.(5)

Todas as coisas têm seu outro lado. Captar o outro lado das coisas e dar-se conta de que o visível é parte do invisível: eis a obra da mística. Retornar a fonte é fazer o que a religião quer, o re-ligare, retorno, ligar a algo. Penso comigo, será que está sede que sinto é pelo fato de estar querendo buscar esta água, que seria a mística e a espiritualidade?
Mística não é, portanto, pensar sobre Deus, mas sentir Deus em todo o ser. Mística não é falar sobre Deus, mas falar a Deus e entrar em comunhão com Deus. Quando rezamos, falamos com Deus. Quando meditamos, Deus fala conosco. Viver esta dimensão no cotidiano é cultivar a mística. A mística nos permite viver o que escreveu o poeta inglês William Blake(+1827):"ver um mundo num grão de areia, um céu estrelado numa flor silvestre, ter o infinito na palma de sua mão e a eternidade numa hora". Eis a glória: mergulhar naquela Energia benfazeja que nos enche de sentido e alegria.(6)


Esta alegria de descobrir a minha sede me faz retornar para a minha oração. Começo a cantar o hino, Guaranis de Gildásio Mendes "Ah, quero ouvir a serenata, ver crescer as nossas matas, e tocar meu violão. Ah, meu amigo, vem cantar, e morar nesta canção. Ah! Que saudades do poeta, do artista, do profeta, que o tempo eternizou. Ah! Como eu falei de flores, liberdades, beija-flores que o meu coração sonhou...." Fiquei ainda mais duvidoso depois que terminei de cantar este hino. A beleza, a leveza, a poesia que esta musica contém. Ela por si só nos eleva em mística, nos faz transcender em busca de Deus. Rubem Alves, sempre fala que Deus é beleza, com certeza ele falaria que está musica é um passaporte para o encontro com Deus.
Encontramos Deus de muitas maneiras. Cada religião, crença, busca a sua forma, acredito que a mística e a espiritualidade é uma forma de buscar este transcendente sem termos que falar que somos Católicos, ou somos Metodistas, ou que somos da Umbanda. Me perco em pensamentos no meio do salmo que falava de como Deus trabalha no universo para que as coisas aconteçam e dêem certo.
Mais do que religião o ser humano busca espiritualidade. A religião codifica uma experiência de Deus e dá-lhe a forma de poder religioso, doutrinário, moral e ritual. Vejo que muitas pessoas não estão atrás de uma religião institucionalizada, mas sim de uma espiritualidade que se oriente pela experiência de encontro vivo com Deus. É no encontro com o Deus, o transcendente, Jeová, Maomé, seja qual for o nome que demos a esta força misteriosa que as pessoas se realizam. Que as pessoas se alegram, que dançam, cantam e exaltam de felicidade. A espiritualidade dará leveza à vida e fará que os seres humanos não se sintam condenados a um vale de lágrimas, mas se sintam filhos e filhas da alegria de viver juntos nesse mundo.(7)
Espiritualidade vem de espírito. Para entendermos o que seja espírito precisamos desenvolver uma concepção de ser humano que seja mais fecunda do que aquela convencional, transmitida pela cultura dominante.(8) Leonardo Boff é considerado um grande místico, que trabalha com a espiritualidade, com o ethos que circula e se infunde em nós. Ele afirma que o ser humano é composto de corpo e alma ou de matéria e espírito. Ao invés de entender essa afirmação de uma forma integrada e globalizante, ele entende ela como uma forma dualista, fragmentada e justaposta.

Esta espiritualidade é um modo de ser, uma atitude de base a ser vivida em cada momento e em todas as circunstâncias. Mesmo dentro das tarefas diárias da casa, trabalhando na fábrica, andando de carro, conversando com os amigos, vivendo a intimidade com a pessoa amada, a pessoa que criou espaço para a profundidade e para o espiritual está centrado, sereno e pervadido de paz. Irradia vitalidade e entusiasmo, porque carrega Deus dentro de si. Esse Deus é amor que no dizer do poeta Dante move o céu, todas as estrelas e o nosso próprio coração.(9)

A leitura do Evangelho me faz refletir sobre o que BOFF fala. Muitas vezes não precisamos ir aos templos e igrejas para entrarmos em contato com Deus, com o transcendente. Deve ser por isso que muitas pessoas não estabelecem uma comunicação, não buscam a mística e a espiritualidade. Ela é um buscar continuo, uma experiência cotidiana. O Evangelho que li, falava de como Jesus rezava, que subia ao monte para rezar. Até mesmo Jesus tinha seus momentos próprios e sua mística própria de rezar. Não precisamos ficar por muito tempo com a sede que estava sentido, podemos subir para nossa montanha, nossas montanhas e rezarmos, orarmos, meditarmos, contemplarmos, devemos buscar nosso jeito de falar com Deus, com o transcendente.
Prossigo com minha oração, faço as preces pedindo para que cada vez mais pessoas se encontrem, e façam os outros se encontrarem nesta caminhada que é a busca de uma espiritualidade, uma mística que além de nos confortar nos liberte. Nos mostre que a reflexão é necessária, que o olhar critico sobre as leituras, sobre nossa vida, sobre o mundo é de grande importância para o amadurecimento de nossa espiritualidade e mística. Se não comermos e bebermos ficaremos com fome e sede, e assim nos alienaremos facilmente.

O ser humano capta valores e significados e não apenas fatos e acontecimentos. O que definitivamente conta não são as coisas que nos acontecem, mas o que elas significam para a nossa vida e que experiências elas nos propiciam. As coisas, então, passam a ter caráter simbólico e sacramental: nos recordam o vivido e alimentam nossa interioridade. Não é sem razão que enchemos nossa casa ou o nosso quarto de fotos, de objetos queridos dos pais, dos avós, dos amigos, daqueles que entraram em nossa vida e significaram muito. Pode ser o último toco de cigarro do pai que morreu de enfarte ou o pente de madeira da tia que morreu ou a carta emocionada do namorado que revelou seu amor. Aqueles objetos não são mais objetos. São sacramentos, pois falam, recordam, tornam presente significados, caros ao coração.(10)

Finalizo minha oração cantando um mantra: "Teu sol não se apagará, tua lua não terá minguante, porque o Senhor será, tua luz, o povo que Deus conduz". Poderíamos definir espiritualidade como caminhos diferentes que conduzem a uma experiência comum, a mística.(11)
Fecho o Ofício Divino da Juventude saciado da minha sede, e com a certeza de que a mística e a espiritualidade fazem parte do nosso cotidiano, só devemos saber como trabalhar, como criar nossos mecanismos de reza e de oração. De como falamos com o transcendente e como alimentamos esta mística e esta espiritualidade. Tudo depende de como queremos viver, se com a beleza, a poesia e a arte ou com um mundo vazio. Como diz Rubem Alves "É inútil que me sejam dadas todas as flores do mundo: as fontes da alegria se encontram no mundo de dentro".
Ligo o rádio e está tocando a música de Gilberto Gil, "Se eu quiser falar com Deus" , escuto-a em silêncio, pensando em como a Mística e a Espiritualidade podem estar a serviço da libertação.

Se eu quiser falar com Deus

Tenho que ficar a sós

Tenho que apagar a luz

Tenho que calar a voz

Tenho que encontrar a paz

Tenho que folgar os nós

Dos sapatos, da gravata

Dos desejos, dos receios

Tenho que esquecer a data

Tenho que perder a conta

Tenho que ter mãos vazias

Ter a alma e o corpo nus

Se eu quiser falar com Deus

Tenho que aceitar a dor

Tenho que comer o pão

Que o diabo amassou

Tenho que virar um cão

Tenho que lamber o chão

Dos palácios, dos castelos

Suntuosos do meu sonho

Tenho que me ver tristonho

Tenho que me achar medonho

E apesar de um mal tamanho

Alegrar meu coraçãoSe eu quiser falar com Deus

Tenho que me aventurar

Tenho que subir aos céus

Sem cordas pra segurar

Tenho que dizer adeus

Dar as costas, caminhar

Decidido, pela estrada

Que ao findar vai dar em nada

Nada, nada, nada, nada

Nada, nada, nada, nada

Nada, nada, nada, nada

Do que eu pensava encontrar


Citações

(1) Texto escrito para a disciplina de Fundamentos e Metodologia do Ensino Religioso, da professora Ana Rodrigues do curso de Pedagogia do Centro Universitário Metodista IPA.

(2) Acadêmico do curso de Pedagogia, militante da Pastoral da Juventude da Igreja Católica e Pesquisador da área da Educação.
(3)Cadernos de Mística e Revolução. Novembro de 2004, pagina 59.
(4) Cadernos de Mística e Revolução. Novembro de 2004, pagina 59.
(5) Texto Mística e Espiritualidade de Leonardo Boff. Retirado do site: www.leonardoboff.com
(6) Texto Mística e religião. Leonardo Boff. Retirado do site: www.leonardoboff.com
(7) Texto Século XXI, Século da Espiritualidade de Leonardo Boff. Retirado do site: www.leonardoboff.com

(8) Texto Século XXI, Século da Espiritualidade de Leonardo Boff. Retirado do site: www.leonardoboff.com

(9)Texto Espiritualidade, dimensão esquecida e necessária de Leonardo Boff. Retirado do site: www.leonardoboff.com

(10) Texto Espiritualidade, dimensão esquecida e necessária de Leonardo Boff. Retirado do site: www.leonardoboff.com

(11)Cadernos de Mística e Revolução. Novembro de 2004, pagina 62.



Bibliografia Utilizada


ALVES, Rubens. O que é Religião. São Paulo: Edições Loyola, 2003.
BRANDIN, Paulo. Falar de Espiritualidade. Retirado do site: http://www.mirante.org.br/ em dia 18 de abril de 2007.
BOFF, Leonardo. Espiritualidade, dimensão esquecida e necessária. Retirado do site: http://www.leonardoboff.com/ em 15 de abril de 2007.
. Mística e Espiritualidade. Retirado do site: http://www.geocities.com/seijirovix/TextosparaRefletir/misticaeespiritualidade.html em 21 de abril de 2007.
. Mística e Religião. Retirado do site: http://www.leonardoboff.com/ em 15 de abril de 2007.
. Nova Evangelização: perspectiva dos oprimidos. Fortaleza: Vozes, 1990.
. Século XXI, Século da Espiritualidade. Retirado do site: http://www.leonardoboff.com/ em 15 de abril de 2007.
Cadernos de Mística e Revolução: Segunda Edição, revista e ampliada. São Paulo, 2004.
CANTANHEIDE, Frei Paulo. Da Montanha a Planície. Retirado do site: http://www.mirante.org.br/ em dia 18 de abril de 2007.
CANTANHEIDE, Frei Paulo. Construindo o Jardim. Retirado do site: http://www.mirante.org.br/ em dia 18 de abril de 2007.
CARDOSO, Nancy.; EGGERT, Edla.; MUSSKOPF, André (Orgs). A graça do mundo transforma Deus: Diálogos latino-americanos com a IX Assembléia do CMI. Porto Alegre: Editora Universitária Metodista, 2006.
DICK, Hilário. O Divino no Jovem: Elementos teologais para a evangelização da cultura juvenil. Porto Alegre:Instituto de Pastoral da Juventude, 2006.
Espiritualidade a Mística Humana. Retirado do site; http://www.ataide.recantodasletras.com.br/visualizar.php?idt=192366 em 18 de abril de 2007.
Mística e Espiritualidade. Retirado do site: http://www.garamond.com.br/node.php?id=319 em dia 17 de abril de 2007.
Oficio Divino da Juventude. São Paulo: Editora Salesiana, 2004.

Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento