CRÔNICA DE ANIVERSÁRIO
Dizem que ao chegar aos 70 começa a nascer a vontade de recordar. Não quero fugir dessa divina tendência. Fiquei pensando no que faria neste dia em que completo 70 anos de vida e festejo, com meus amigos e amigas, os 50 anos de vida religiosa e decidi: vou recordar! De forma abreviada, mas com algumas coisas que consigo sentir e agradecer nesta data. Meu dia de aniversário sempre tem uma forte concorrência: o dia das mães e é por isso que vou dedicar o que escrevo a esta mãe (nossa e minha). Nascer, em todos os sentidos, tem tudo a ver com a mãe. Que ela, lá do céu, abençoe a mim e a todos e todas, em todos os nossos sonhos e desajeitos.
Nas minhas confidências sempre digo que tive três vocações: a de ser padre, a de ser jesuíta e a de ser um padre dedicado à juventude. Onde me firmei mais foi na terceira, e não estou arrependido. A imagem pretensiosa que se levanta em mim, nos últimos meses, é a de Dom Quixote. Aliás, é a obra que estou relendo nestes dias de celebrações. Toda pessoa precisa ter uma “causa”, assim como o magro Quixote. Como Quixote, tive a ventura de voltar, nestes dias, à cidade do Rio de Janeiro onde os jovens plantaram, em mim, esta bandeira. Encontrei-me, para celebrar, com uns quantos deles – agora todos casados, lutando na vida e não deixando de me recontar os anos que entre eles vivi. São dessas coisas de matar...
E aí fico pensando na necessidade maluca que a “gurizada” tem de referenciais. Todos nós, aliás, precisamos de modelos. Não é por nada que o Nazareno disse que Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida. Lendo certos recados no “orkut”, escritos por jovens e adolescentes, arrepio-me pensando como é importante encontrar gente que esteja de bem com a vida, mesmo no meio dos atropelos. Estou aprendendo que, para estar do lado dos jovens, não podemos trilhar o caminho da vaca, isto é, precisamos ter aspectos de “desviantes”. A gente, contudo, não é “desviante” porque decide se-lo mas porque a gente é, simplesmente, sem encontrar muitas fórmulas. Um dos aspectos do “desviante” é que ele sabe rir das coisas. Por isso que o jovem é o sacramento da alegria.
Nos 50 e 70 anos que vivi dei-me conta que larguei muita coisa. Larguei a família (que adoro), larguei casar (que adoro), larguei ter coisas (que adoro), larguei a literatura (que adoro), larguei a UNISINOS (que não adoro tanto), larguei o IPJ (que adoro e sofro com o que fizeram com ele. Um pecado!); enfim, larguei muita coisa para abraçar outro aspecto da causa. A causa do Reino traduziu-se, não sei como nem porquê, na causa pela juventude. Dizer isso até parece presunção mas é a utopia que não estou querendo largar. Na juventude, de repente, está tudo.
Outra coisa que vou verificando é que minha vida mudou em agosto de 1975 quando comecei a penetrar numa nova olhada para o mundo, a fé e tudo mais através daquilo que se chama “Teologia da Libertação”. É um estilo novo de vida onde tudo é o mesmo, mas não é o mesmo. Aprendi que a felicidade, a libertação, o conflito é a mesma, mas é diferente. Poderia dizer que aprendi a ter uma idéia fixa. Ter uma idéia fixa é ter um projeto de vida que seja pessoal, baseado no Evangelho, dando lugar preferencial aos empobrecidos. Tudo se veste de algumas mesmas cores, também a pedagogia, também a espiritualidade, também a Teologia. Tudo. E nisso o Quixote se revela como um eterno cavaleiro andante dando a vida por sua Dulcinéia... Aprendi que precisamos ter uma proposta, no seu todo e na sua tradução pedagógica. Por isso que me assanho, por exemplo, quando se fala de “opções pedagógicas” na evangelização da juventude.
Nos últimos tempos li um livreto de Hans Küng que me marcou profundamente. Ver esse velho e grande teólogo dizer o porquê do ainda ser cristão hoje me derrubou, isto é, levantou em mim a bandeira mais importante. No meio da globalização desbragada e no meio das loucas mudanças de paradigma podem aparecer miríades de tentações, mas tentação radical é largar o seguimento de Jesus Cristo e ser cristão por formalidade. Não vou dizer que sou um grande seguidor dEle, mas gostaria de se-lo porque é algo fundamental.
Olhando-me no que consigo ser destacaria três aspectos, como bom jesuíta: sem ser historiador sou um amante da memória histórica, também no trabalho com os jovens; sem ser teólogo, sou um batalhador neófito do divino que se encarna no jovem. O grande discurso, como Igreja, é sobre o jovem como realidade teológica; sem ser um pedagogo, quem deseja trabalhar com jovens deve ser um neotéfilo, um amante da juventude. Por isso que me agrada trabalhar com assessores e animadores de jovens. Enfim, nada mais do que agradecer. Sempre me lembro dos meus 18 anos lendo “Diário de um pároco de aldeia”, de Georges Bernanos. Aquele final do romance dizendo que “na vida tudo é graça” nunca me abandonou. Nem nos meus 70 anos. Por isso, nada mais divino do que dizer que “tudo é graça”. Amém.
P. Hilário Dick S.J. 12 de maio de 2007.
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