29.5.10

Te[a]m[p]o


Te amo, digo baixinho para o Tempo não escutar. Digo baixinho, pois o Tempo tem andado sacana comigo nesses últimos dias. Fico aqui parada dentro do meu quarto, imóvel para o Tempo não me ver, quem sabe assim ele sai da minha cola. Fico perdida com o Tempo atrás de mim. Ele sabe que meu tempo é diferente do dele, que é diferente de outros Tempos que andam nas ruas por aí.

Fico aqui quietinha para ver quanto Tempo tem a saudade. Não sei ainda, mas continuo a me perguntar “Quanto Tempo tem a saudade?” às vezes mudo de pergunta “Quanta Saudade tem no Tempo?”, mas acho que dá na mesma as duas perguntas, continuo aqui deitada esperando o Tempo passar.

Fico na espera do Tempo passar, para meu corpo passar pelo Tempo e eu ter tempo dentro do Tempo. Tempo para quando você chegar eu lhe abraçar, lhe sentir, lhe olhar. Eu sei que tudo tem um Tempo. Tempo do vento quando ele vem e balança as folhas das árvores. Tempo do balanço balançar com o vento que passou no Tempo e o embalo ficou. Tempo do balanço parar das folhas caírem.

Enquanto fico aqui deitada penso que o Tempo e o Vento são amigos, pois o Tempo não passa só o vento no meu rosto que passa, toca como se fosse um véu. Contemplo o céu sendo tocada pelo vento e é nesses momentos que sinto que o meu Tempo e o seu Tempo estão juntos, sincronizados lado a lado no mesmo espaço.

Na demora do Tempo passar agarro lembranças pelos pés desse cotidiano meu que mudou. Vejo que a percepção de tudo está disfocada e ora lenta ora descompassada no bater do ponteiro.

Minha mãe me ensinou a rezar quando criança e no desespero para que o Tempo passe oro ao relento do tempo, faço um pedido e um acordo, para que o Tempo me traga de volta o Tempo perdido, vivido e desmedido dessa saudade indelével da pessoa amada. Rogo ao Tempo para que junte nossos Tempos.

Não sei se o Tempo me escuta, mas na escuridão do quarto durmo para o Tempo passar e o novo dia nascer.



“Como o tempo custa a passar! Principalmente quando venta. Parece que o vento maneia o tempo...” (Erico Veríssimo – O Tempo e o Vento)

Ele estava sentado naquela sala branca e vazia. Vazia estava sua alma dentro daquela sala. Ele esperava. Esperava olhando as duas portas impacientemente. As duas portas permaneciam fechadas assim como sua alma. Alma branca, vazia e fechada. O frio do vazio e do branco entrava por sua pele e o deixava mais desconfortado, sentia os ossos gelados. Ele se sentia como aquela sala. Enquanto os ponteiros dos segundos demoravam horas para passar deixava seus pensamentos soltos na velocidade da luz, cada segundo era como se ele pensasse por mil vidas.

Cada recordação enchia aquela sala vazia. Deixava o branco das paredes coloridos, como se tivesse jogado latas de tinta no ventilador de teto. Cada lembrança era confortante, mas desaparecia de segundo em segundo trazendo o momento presente e o vazio a tona novamente. O tempo não passava e a espera aumentava a angustia. Desenhou um relógio com caneta bic em seu pulso, mas sem ponteiros e saio da sala branca vazia para o dia frio e seco a procura do Tempo e de Maria.

Elisandro Rodrigues e Vanessa Lopes



"...e por falar em sexo quem anda me comendo é o tempo
na verdade faz tempo mas eu escondia porque ele me pegava à força e por trás

um dia resolvi encará-lo de frente e disse:
tempo se você tem que me comer que seja com o meu consentimento e me olhando nos olhos
acho que ganhei o tempo
de lá pra cá ele tem sido bom comigo
dizem que ando até remoçando."

1.5.10

Janelas de Outono

Outono. Eu tenho a alma coberta

De folhas mortas, em que o luar

Chora, alta noite, na deserta

Quietude triste da hora inserta

Que cai do tempo, devagar...

(cantiga outonal – Cecília Meireles)

Estou longe e fora das horas,

Sem saber em que consiste

Nem o que vai nem o que volta...

Sem estar alegre nem triste.

(excursão – Cecília Meireles)

Houve um tempo em

Que minha janela se abria

Para uma cidade que

Parecia ser feita de giz....

Mas, quando falo dessas

Pequenas felicidades certas,

Que estão diante de cada janela,

Uns dizem que essas coisas não existem,

Outros que só existem diante das

Minhas janelas, e outros, finalmente,

Que é preciso aprender a olhar,

Para poder vê-las assim.

(A arte de ser feliz – Cecília Meireles)

Vista do alto a cidade é um bagulho muito doido
De noite o mundo é escuro
Caminhos, carros, postes, luzes
O tempo escorre junto
O tempo é coisa de outro mundo

Vista do alto a cidade é um bagulho muito doido
De noite cachorros latem no escuro
Carinhos, posses, credos, cruzes
O tempo escorre junto
O tempo é coisa de outro mundo

(Jogos de Amar – Richard Serraria)

Ao pensar em Cartografar o meu cotidiano de um dia na cidade várias janelas se abriram mostrando imagens de céus multicolores. Lembrei-me do poema da Cecília Meireles – A arte de ser Feliz, motivado por esse poema deixei os olhos livres para olharem janelas dos livros dela, e eles encontram outros dois sobre o tempo em que estamos “Cantiga outonal” e “excursão” que fez minhas mãos pegarem os Cd’s do Vitor Ramil e meus ouvidos escutarem “ilusão da casa”. Meus ouvidos não satisfeitos remeteram mensagens às mãos para pegarem o Cd “Vila Brasil”, de Richard Serraria. Meus ouvidos queriam a faixa “jogos de amar”.

Depois desse momento de prazeres dos meus sentidos percorri a extensão da sala ao quarto e lá deitado li Suely Rolnik “o cartógrafo é um verdadeiro antropófago: vive de expropriar, se apropriar, devorar e desovar, transvalorado...tudo o que ele quer é dar língua para os movimentos do desejo...E o que ele quer é mergulhar na geografia dos afetos e, ao mesmo tempo, inventar pontes para fazer sua travessia: pontes de linguagem.”

Cartografar janelas em um outono onde o tempo corre e desliza na cidade que é um bagulho muito doido...fiquei algum tempo pensando nessas coisas todas antes de iniciar a escrita sobre o que meus olhos vêem nos percursos que realizo no meu cotidiano. Para falar a verdade é difícil descrever e registrar o que vivemos e experienciamos no dia-a-dia. É difícil cartografar o céu nublado das 6 horas da manhã. Ou a cerração que desce quando os termômetros apontam temperaturas baixas no amanhecer. Difícil cartografar o som dos passarinhos ao me acordar e olhar para o jacarandá na frente da minha janela.

Como fazer para cartografar a cara de sono das pessoas nos ônibus e trem ou o amanhecer do sol nos trilhos de ferro. Como registrar o sorriso, o sofrimento, o afeto que as muitas pessoas que passam no dia-a-dia por nós, nas que a gente trabalha. Como falar das mil e uma palavras que os olhares passam nas passadas dos transeuntes. Não tem como registrar essas coisas.

Eu apenas abro as janelas dos meus olhos para as infinitas janelas que se abrem no abrir dos deles até fecharem para o descanso merecido. Fico devendo a cartografia das cidades em que passo – Porto Alegre, Canoas, Esteio, Sapucaia, São Leopoldo e Novo Hamburgo. Fico devendo as janelas que se abrem e contam histórias, mostram vidas, contos, poesias, músicas, dor, alegria no meu cotidiano.

Deixo a vocês apenas a ilusão de uma casa e de um tempo com infinitas janelas que se abrem para um outono cantante numa cidade onde os cachorros latem no escuro e o tempo que não vai e nem vem apenas aprendendo a olhar e a ser feliz.

Elisandro Rodrigues

Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento