27.11.09

Tingimento de folhas



O menino tentou mandar beijos e abraços pelo vento. O vento não retornou. Ficou ressentido o menino e sem sentido. Começou a caminhar pela grama verde que cobria o redor de sua árvore. De uma flor brincou de mal me quer bem me quer. Parece que o gozo emudeceu, não de prazer, mas de tristeza. Sem saber o que fazer o menino pensou em fazer algo para se desculpar com a menina dos botões coloridos. Queria movimentar as co[do]res da paixão novamente. Sonhos são como Deuses se deixarmos de acreditar neles eles deixam de existir, pensou o menino.

No meio dos sonhos, das cores, dos livros, dos mosaicos tingidos ele procurou por algo. Achou um pedaço de papel, tintas e linha. Tudo o que precisava. Desceu de sua árvore e se pôs a criar. Correu primeiro pelos campos buscando flores de diferentes cores e duas varinhas que iria precisar. Sentou-se e aquietou a alma. Aquietou a alma e pensou no gosto do gosto da menina. No gosto depois do beijo. No gosto depois do amor. No gosto do toque e do correr pelas ruas e campos com ela. O gosto tomou forma, a forma tomou cor. A cor movimento de cores na des-canção do corpo cancional do menino. (Quanto mais eu espaçava espaço dentro do tempo mais forte o tempo empurrava aquele meu corpo adentro)

Menino terminou sua brincadeira, brincadeira de cores, brincadeira de desculpas sinceras de uma desrazão tola. Desafinou novamente seu ouvido, sua fala, seu corpo. Se abrigou nos olhos curiosos das crianças. Correu pelos campos flutuando ao sabor das palavras sentindo o perfume de capim e das flores acima de sua cabeça tomando altura. Num delírio de seu corpo desejante abriu asas ao horizonte. E na manhã fez canções de tarde e noite buscando sinais de pré[au]sem[ncia]ça na caligrafia do vento encontrou uma brisa. Na brisa um toque suave que lembrou momentos passados e futuros. Se jogou no mar do tempo e do vento com sendo devorado pelo afeto.

Pingos de chuva começaram a cair. Atrás da chuva o beijo. Uma arquitetura de surpresas numa sopa inundada de vida num fragmento de noite de um outro tempo.

O menino correu. Da corrida a pandorga saio do chão. As assas do menino subiram aos céus em forma de arcoiris de desejos e flores. Num céu cinza do tempo de outro dia se borra com tintas e flores e colori riscando os céus. O menino corre pelos campos, pelos cantos do mundo querendo entregar o presente a menina dos botões. Corre sem descansar, corre sem dormir, corre em silêncio num desejo mudo para não significar nada e dar sentido a tudo. Mas o menino não encontra a menina. As flores começam a florescer e dar outras flores na pandorga presente dela. Uma vida borboletiando numa pandorga. Mas o menino segue na esperança do seu arcoiris port[virb]átil.

Sem saber de suas andanças a menina desenha arcoiris, prega botões, constrói tingimentos em pedaços velhos de roupas e folhas das árvores na espera do menino em sua árvore.


Elisandro Rodrigues


Ter (Mauro Luis Iasi)

Queria tê-la

Detê-la

Rête-la

Na tela pintá-la.

Queria tê-la

Para dizer

Tenho

Não como guardada

Em baús ou malas.

Não em pequenas peças

De memória ou saudade.

Queria tê-la

Como ao ar

Que passa livre como o vento

Que meu corpo quer guardar.

Tê-la assim para depois perdê-la.

Tão grande, tê-la aos poucos

Devagar e insaciável.

Tê-la nos olhos

Como uma ave

Que segue seu vôo no céu

E na retina.

Tê-la como a praia

Tem ao mar

Como língua que volta a boca

Depois de beijar.

Queria tê-la

Pra dizer que tenho

Por nada ter para guardar

A não ser a sensação

Pregada na pele

Que você deixa

Depois de amar.

13.11.09

Úmidos de imaginação






“Ou o tempo é invenção ou é nada...” (Bérgson)

Iniciei esse texto escrevendo dentro do ônibus, aproveitando à longa jornada no caos que é o trânsito de São Paulo. Termino-o agora à noite.

Ao voltar e reler o texto, e começar a modificá-lo me lembrei das palavras de Bérgson sobre a inventividade que devemos ter. [Des](Re)Construir o tempo foi o que os atores, diretor e equipe que construíram a peça “O capitão e a Sereia”, a Trupe Clowns de Shakespeare, inspirado na obra de André Neves;

Ao sair da peça iniciei a escrever e a pensar e logo me lembrei da mensagem de André Neves dizendo que “ficou guardado muita felicidade e quando fecho os olhos parece que estou assistindo”. Levei no meu corpo e nas minhas memórias as imagens de um espetáculo que vez olhar mais, de escutar com outros olhos.

É difícil traduzir com palavras o que foi vivenciada no espetáculo “O Capitão e a Sereia” uma proposta desafiadora eu diria. Desafiador, encantador e que joga o público para dentro do espetáculo, para dentro da história. Durante o espetáculo muitas coisas me chamaram a atenção, desde o momento inicial até o final. A afetividade, a relação da trupe com o público antes do espetáculo, no espetáculo e depois dele.

Me senti acolhido por todos e todas. Na ida para o teatro lia Neil Gaiman que dizia que "histórias são, de um modo ou de outro, espelhos. Nós a usamos para explicar como funciona ou não o mundo ..." com certeza a proposta da trupe de romper fronteiras do teatro, da estética, trazendo para junto do palco um pouco da realidade, das angústia, dos medos, dos sonhos, da vida num mundo cheio de cartografias e de ondas que nos carregam para mar adentro.

A idéia cons(des)truída e as várias narrativas dentro do espetáculo instigavam ao público uma reflexão, instigavam a se jogar dentro do mar, ficar “úmido” de história e a se perder junto com o Capitão Marinho.

No livro de André Neves Marinho é um contador de histórias, mas na peça, ele não se faz presente na narrativa se faz essência e presença nos atores e no público. Contadores de histórias esplendidos os atores nos conduziram por caminhos secos e molhados. Suas falas traziam poesias, encantos, cantos de sereias que entram em nossos ouvidos e corações. São músicas "bonitinhas" (como diziam os atores) que nos remetem a imaginários e fantasias.

A peça é uma história contada com vida, com imagens e com realidade (não entro no mérito de falar do figurino, da cenografia, da iluminação, das músicas não sou qualificado para isso mas todos os elementos se compõe como a água salgada do mar). Tudo é feito com vida. Tudo é feito com paixão e nos faz mergulhar de olhos fechados na tecetura de uma mar “úmido” de um teatro vivo e que vive dentro de nós.

Silenciar com a música e fechar os olhos na escuridão pensando nos mares existentes em nós. Os adultos deveriam assistir a essa peça é deixarem se cativar por histórias contadas com o corpo e os sentimentos. Precisamos mais desse resgate, precisamos jogar o anzol e trazer das profundezas do mar alguns sentimentos afundados, trazer a coragem de ousar de construir e de contar histórias com palavras, imagens, sons e com o corpo.

Sai da peça com a certeza de que é urgente semearmos e plantarmos a imaginação. Fiquei muito feliz ao ser presenteado no final do espetáculo a observar os desenhos originais do livro do André Neves (fotos ilustrando esse texto).

Agradeço a Trupe Tropega, Mas não Escorrega, ao André Neves, aos atores do Clowns de Shakespeare (Camille, César, Marco e Renata) a experiência que me proporcionaram nessa tarde quente de sexta feira longe de casa assim como o Marinho ficou por tanto tempo. Tempo para reinvenção, para criação, para imaginação.

Elisandro Rodrigues

3.11.09

Ventania de cores.



“A maior dor do vento é não ser Colorido” (Mario Quintana)

O vento traçava seu movim[inv]ento no ar do quarto. Fazia calor e os corpos sua[ma]vam.

Dois corpos em colo[do]res. O movim[v]ento das cores. Vento se fazendo cor. Se fazendo odor. Criando uma dança de des-canção nos corpos cancionais – [instâncias de insubstâncias].

Cantiga de [in]vento. Nas funduras do go[lambu]zo[u] os prazeres se fazem presentidade. O abraço de uma semana se demora no corpo sua[ama]do. O gemido do prazer se prolonga ainda no assopro do [em]canto.

Devo[o]rando os corpos seguem sem palavras.

Ausência sem presença de palavras. Cores por todos os lados.

Passarando feito pássaro passam os dias se empurrando [cor]po adentro.

Palavras que falam através dos corpos – do tato, do beijo, do abraço, da penetração, do gozo.

O vento traça movimentos dentro do quarto.

Dentro do quarto dois corpos se movem com o vento.

No vento o sussurro do prazer.

Prazer de idas e vindas nas colores.

Ventania de cores.


Elisandro Rodrigues

Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento