3.5.07


Mística e Espiritualidade: Dimensões esquecidas, mas necessárias.(1)
Elisandro Rodrigues(2)


Me levanto pela manhã, com uma sede. Tomo água, mas não é esta a minha sede, passo pela sala, vejo no canto da sala o nosso ambiente de oração. Um tapete, algumas almofadas, uma vela com essência de canela, uma bandeira da Pastoral da Juventude, em cima dela algumas sementes, um barquinho, uma bíblia e o Ofício Divino da Juventude. Sento no tapete e minha sede parece ser de oração.
Não é todos os dias que sinto esta ânsia de rezar, não são todos os dias que dá está vontade nas pessoas de falar com Deus. Pego meu livro de orações, e começo a interiorizar-me preparando-me para este momento de espiritualidade que o Ofício Divino da Juventude me proporciona. Fico a refletir o por que as pessoas rezam, qual é a mística que faz com que as pessoas sintam esta necessidade de rezar. Me perguntando começo cantando o mantra da manhã: "Amanheceu é um novo dia, bendito seja Deus quanta alegria". Cada manhã que chega, cada dia novo é uma benção na vida das pessoas, mas se não entendermos como tal não será, se nos levantamos já pensando no dia chato que teremos, assim ele será. "Bendito seja Deus, quanta alegria". Que alegria busco neste dia? O que me faz feliz neste dia? O que me move a cantar, a rezar, a Ser-Humano? Qual a importância da mística e da espiritualidade, para que isso?
São muitas as perguntas que passam por minha cabeça nos poucos segundos que entôo o mantra inicial. Faço a abertura cantando "Estes lábios meus vem abrir senhor, canta a minha boca sempre o teu louvor....Céus e terras dancem de tanta alegria! Deus com sua justiça nos governa e guia!..." . A alegria está presente quando estamos apaixonados, quando amamos. Será que a mística e a espiritualidade é a manifestação do amor? Com esta pergunta passo para a Recordação da vida que o Ofício propõe, momento de pensar e de refletir sobre a nossa vida.
Ouso neste momento "definir a mística como a força espiritual capaz de desenvolver um processo que culmina na união do mistério humano com o mistério divino."(3)
A mística percorre o caminho da unidade. Seja na fusão do divino com o humano da concepção ocidental, seja na inserção do humano na unidade cósmica da visão oriental. Assim, o movimento da experiência mística caminha sempre em direção do uno, ou seja, a fusão do individuo na totalidade, no absoluto.(4)
Mística vem de MYSTERION, que significa o caráter escondido das coisas. Viver o místico é o desafio de atingir o mistério humano, é viver o manejo da vida em sua totalidade. O Ser-Humano vive em busca de algo mais, sempre em busca de um mistério. Quando as pessoas se apegam a uma religião, a uma crença, estão tentando suprir e buscar este vazio que se habita dentro da gente.
O ser humano é um ser de sentimentos, sonhos, ideais, utopias, poesia, esperança, genialidade, beleza e amor. O ser humano se completa no imaginário que faz parte de sua realidade.O ser humano, enraizado neste mundo, está para além deste mundo. O novo ser humano emerge com universos interiores, com experiências de retorno à fonte, ao seu centro.(5)

Todas as coisas têm seu outro lado. Captar o outro lado das coisas e dar-se conta de que o visível é parte do invisível: eis a obra da mística. Retornar a fonte é fazer o que a religião quer, o re-ligare, retorno, ligar a algo. Penso comigo, será que está sede que sinto é pelo fato de estar querendo buscar esta água, que seria a mística e a espiritualidade?
Mística não é, portanto, pensar sobre Deus, mas sentir Deus em todo o ser. Mística não é falar sobre Deus, mas falar a Deus e entrar em comunhão com Deus. Quando rezamos, falamos com Deus. Quando meditamos, Deus fala conosco. Viver esta dimensão no cotidiano é cultivar a mística. A mística nos permite viver o que escreveu o poeta inglês William Blake(+1827):"ver um mundo num grão de areia, um céu estrelado numa flor silvestre, ter o infinito na palma de sua mão e a eternidade numa hora". Eis a glória: mergulhar naquela Energia benfazeja que nos enche de sentido e alegria.(6)


Esta alegria de descobrir a minha sede me faz retornar para a minha oração. Começo a cantar o hino, Guaranis de Gildásio Mendes "Ah, quero ouvir a serenata, ver crescer as nossas matas, e tocar meu violão. Ah, meu amigo, vem cantar, e morar nesta canção. Ah! Que saudades do poeta, do artista, do profeta, que o tempo eternizou. Ah! Como eu falei de flores, liberdades, beija-flores que o meu coração sonhou...." Fiquei ainda mais duvidoso depois que terminei de cantar este hino. A beleza, a leveza, a poesia que esta musica contém. Ela por si só nos eleva em mística, nos faz transcender em busca de Deus. Rubem Alves, sempre fala que Deus é beleza, com certeza ele falaria que está musica é um passaporte para o encontro com Deus.
Encontramos Deus de muitas maneiras. Cada religião, crença, busca a sua forma, acredito que a mística e a espiritualidade é uma forma de buscar este transcendente sem termos que falar que somos Católicos, ou somos Metodistas, ou que somos da Umbanda. Me perco em pensamentos no meio do salmo que falava de como Deus trabalha no universo para que as coisas aconteçam e dêem certo.
Mais do que religião o ser humano busca espiritualidade. A religião codifica uma experiência de Deus e dá-lhe a forma de poder religioso, doutrinário, moral e ritual. Vejo que muitas pessoas não estão atrás de uma religião institucionalizada, mas sim de uma espiritualidade que se oriente pela experiência de encontro vivo com Deus. É no encontro com o Deus, o transcendente, Jeová, Maomé, seja qual for o nome que demos a esta força misteriosa que as pessoas se realizam. Que as pessoas se alegram, que dançam, cantam e exaltam de felicidade. A espiritualidade dará leveza à vida e fará que os seres humanos não se sintam condenados a um vale de lágrimas, mas se sintam filhos e filhas da alegria de viver juntos nesse mundo.(7)
Espiritualidade vem de espírito. Para entendermos o que seja espírito precisamos desenvolver uma concepção de ser humano que seja mais fecunda do que aquela convencional, transmitida pela cultura dominante.(8) Leonardo Boff é considerado um grande místico, que trabalha com a espiritualidade, com o ethos que circula e se infunde em nós. Ele afirma que o ser humano é composto de corpo e alma ou de matéria e espírito. Ao invés de entender essa afirmação de uma forma integrada e globalizante, ele entende ela como uma forma dualista, fragmentada e justaposta.

Esta espiritualidade é um modo de ser, uma atitude de base a ser vivida em cada momento e em todas as circunstâncias. Mesmo dentro das tarefas diárias da casa, trabalhando na fábrica, andando de carro, conversando com os amigos, vivendo a intimidade com a pessoa amada, a pessoa que criou espaço para a profundidade e para o espiritual está centrado, sereno e pervadido de paz. Irradia vitalidade e entusiasmo, porque carrega Deus dentro de si. Esse Deus é amor que no dizer do poeta Dante move o céu, todas as estrelas e o nosso próprio coração.(9)

A leitura do Evangelho me faz refletir sobre o que BOFF fala. Muitas vezes não precisamos ir aos templos e igrejas para entrarmos em contato com Deus, com o transcendente. Deve ser por isso que muitas pessoas não estabelecem uma comunicação, não buscam a mística e a espiritualidade. Ela é um buscar continuo, uma experiência cotidiana. O Evangelho que li, falava de como Jesus rezava, que subia ao monte para rezar. Até mesmo Jesus tinha seus momentos próprios e sua mística própria de rezar. Não precisamos ficar por muito tempo com a sede que estava sentido, podemos subir para nossa montanha, nossas montanhas e rezarmos, orarmos, meditarmos, contemplarmos, devemos buscar nosso jeito de falar com Deus, com o transcendente.
Prossigo com minha oração, faço as preces pedindo para que cada vez mais pessoas se encontrem, e façam os outros se encontrarem nesta caminhada que é a busca de uma espiritualidade, uma mística que além de nos confortar nos liberte. Nos mostre que a reflexão é necessária, que o olhar critico sobre as leituras, sobre nossa vida, sobre o mundo é de grande importância para o amadurecimento de nossa espiritualidade e mística. Se não comermos e bebermos ficaremos com fome e sede, e assim nos alienaremos facilmente.

O ser humano capta valores e significados e não apenas fatos e acontecimentos. O que definitivamente conta não são as coisas que nos acontecem, mas o que elas significam para a nossa vida e que experiências elas nos propiciam. As coisas, então, passam a ter caráter simbólico e sacramental: nos recordam o vivido e alimentam nossa interioridade. Não é sem razão que enchemos nossa casa ou o nosso quarto de fotos, de objetos queridos dos pais, dos avós, dos amigos, daqueles que entraram em nossa vida e significaram muito. Pode ser o último toco de cigarro do pai que morreu de enfarte ou o pente de madeira da tia que morreu ou a carta emocionada do namorado que revelou seu amor. Aqueles objetos não são mais objetos. São sacramentos, pois falam, recordam, tornam presente significados, caros ao coração.(10)

Finalizo minha oração cantando um mantra: "Teu sol não se apagará, tua lua não terá minguante, porque o Senhor será, tua luz, o povo que Deus conduz". Poderíamos definir espiritualidade como caminhos diferentes que conduzem a uma experiência comum, a mística.(11)
Fecho o Ofício Divino da Juventude saciado da minha sede, e com a certeza de que a mística e a espiritualidade fazem parte do nosso cotidiano, só devemos saber como trabalhar, como criar nossos mecanismos de reza e de oração. De como falamos com o transcendente e como alimentamos esta mística e esta espiritualidade. Tudo depende de como queremos viver, se com a beleza, a poesia e a arte ou com um mundo vazio. Como diz Rubem Alves "É inútil que me sejam dadas todas as flores do mundo: as fontes da alegria se encontram no mundo de dentro".
Ligo o rádio e está tocando a música de Gilberto Gil, "Se eu quiser falar com Deus" , escuto-a em silêncio, pensando em como a Mística e a Espiritualidade podem estar a serviço da libertação.

Se eu quiser falar com Deus

Tenho que ficar a sós

Tenho que apagar a luz

Tenho que calar a voz

Tenho que encontrar a paz

Tenho que folgar os nós

Dos sapatos, da gravata

Dos desejos, dos receios

Tenho que esquecer a data

Tenho que perder a conta

Tenho que ter mãos vazias

Ter a alma e o corpo nus

Se eu quiser falar com Deus

Tenho que aceitar a dor

Tenho que comer o pão

Que o diabo amassou

Tenho que virar um cão

Tenho que lamber o chão

Dos palácios, dos castelos

Suntuosos do meu sonho

Tenho que me ver tristonho

Tenho que me achar medonho

E apesar de um mal tamanho

Alegrar meu coraçãoSe eu quiser falar com Deus

Tenho que me aventurar

Tenho que subir aos céus

Sem cordas pra segurar

Tenho que dizer adeus

Dar as costas, caminhar

Decidido, pela estrada

Que ao findar vai dar em nada

Nada, nada, nada, nada

Nada, nada, nada, nada

Nada, nada, nada, nada

Do que eu pensava encontrar


Citações

(1) Texto escrito para a disciplina de Fundamentos e Metodologia do Ensino Religioso, da professora Ana Rodrigues do curso de Pedagogia do Centro Universitário Metodista IPA.

(2) Acadêmico do curso de Pedagogia, militante da Pastoral da Juventude da Igreja Católica e Pesquisador da área da Educação.
(3)Cadernos de Mística e Revolução. Novembro de 2004, pagina 59.
(4) Cadernos de Mística e Revolução. Novembro de 2004, pagina 59.
(5) Texto Mística e Espiritualidade de Leonardo Boff. Retirado do site: www.leonardoboff.com
(6) Texto Mística e religião. Leonardo Boff. Retirado do site: www.leonardoboff.com
(7) Texto Século XXI, Século da Espiritualidade de Leonardo Boff. Retirado do site: www.leonardoboff.com

(8) Texto Século XXI, Século da Espiritualidade de Leonardo Boff. Retirado do site: www.leonardoboff.com

(9)Texto Espiritualidade, dimensão esquecida e necessária de Leonardo Boff. Retirado do site: www.leonardoboff.com

(10) Texto Espiritualidade, dimensão esquecida e necessária de Leonardo Boff. Retirado do site: www.leonardoboff.com

(11)Cadernos de Mística e Revolução. Novembro de 2004, pagina 62.



Bibliografia Utilizada


ALVES, Rubens. O que é Religião. São Paulo: Edições Loyola, 2003.
BRANDIN, Paulo. Falar de Espiritualidade. Retirado do site: http://www.mirante.org.br/ em dia 18 de abril de 2007.
BOFF, Leonardo. Espiritualidade, dimensão esquecida e necessária. Retirado do site: http://www.leonardoboff.com/ em 15 de abril de 2007.
. Mística e Espiritualidade. Retirado do site: http://www.geocities.com/seijirovix/TextosparaRefletir/misticaeespiritualidade.html em 21 de abril de 2007.
. Mística e Religião. Retirado do site: http://www.leonardoboff.com/ em 15 de abril de 2007.
. Nova Evangelização: perspectiva dos oprimidos. Fortaleza: Vozes, 1990.
. Século XXI, Século da Espiritualidade. Retirado do site: http://www.leonardoboff.com/ em 15 de abril de 2007.
Cadernos de Mística e Revolução: Segunda Edição, revista e ampliada. São Paulo, 2004.
CANTANHEIDE, Frei Paulo. Da Montanha a Planície. Retirado do site: http://www.mirante.org.br/ em dia 18 de abril de 2007.
CANTANHEIDE, Frei Paulo. Construindo o Jardim. Retirado do site: http://www.mirante.org.br/ em dia 18 de abril de 2007.
CARDOSO, Nancy.; EGGERT, Edla.; MUSSKOPF, André (Orgs). A graça do mundo transforma Deus: Diálogos latino-americanos com a IX Assembléia do CMI. Porto Alegre: Editora Universitária Metodista, 2006.
DICK, Hilário. O Divino no Jovem: Elementos teologais para a evangelização da cultura juvenil. Porto Alegre:Instituto de Pastoral da Juventude, 2006.
Espiritualidade a Mística Humana. Retirado do site; http://www.ataide.recantodasletras.com.br/visualizar.php?idt=192366 em 18 de abril de 2007.
Mística e Espiritualidade. Retirado do site: http://www.garamond.com.br/node.php?id=319 em dia 17 de abril de 2007.
Oficio Divino da Juventude. São Paulo: Editora Salesiana, 2004.

30 comentários:

Anônimo disse...

Às vezes tropeçamos ao acaso em coisas que jamais esperavamos encontrar no caminho.
Acabei tropeçando nesse texto, nesse site.
Só posso dizer que é o tipo de queda que vale a pena!

Anônimo disse...

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Entra[saí]da - Manoel de Barros

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim:

O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.

[...]

1)É nos loucos que grassam luarais; 2)Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Siente como Sopla el Viento